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Por que uma novela mediana como "Pega Pega" conquistou audiência tão alta?

Nilson Xavier

08/01/2018 20h25

Foto: divulgação/TV Globo

"Pega Pega" (finalizada nesta segunda, 08/01) pode entrar para a história por causa de seu Ibope: média final de 29 pontos na Grande SP, a mais alta do horário das sete desde "Cheias de Charme", em 2012. Curioso que, apesar da audiência, "Pega Pega" foi uma novela que pouco repercutiu nas redes sociais (lógico que não se mede audiência pelas redes, mas elas representam um termômetro de repercussão que não deve ser desprezado), diferente de "Cheias de Charme", o último sucessão, que virou referência e é lembrada até hoje. Qual a explicação para uma trama sem novidade alguma, esnobada em todas as premiações, ter sido tão vista?

Para fazer o balanço da novela, não vou me estender no aspecto técnico da produção: não há o que contestar da direção (Luiz Henrique Rios, Marcus Figueiredo e equipe), trilha sonora (urbana, moderna, até sofisticada), cenografia (o hotel na cidade cenográfica era incrível), figurinos, iluminação, efeitos especiais, etc. "Pega Pega" recebeu uma produção de primeira, tinha uma estética moderna, era uma novela bonita de ver. A ótima produção é um ponto a ser considerado, mas não é garantia de boa audiência.

O elenco bem escalado, em personagens carismáticos, pode contribuir. Merecem citação as interpretações de Mariana Santos, como Maria Pia, uma vilã humana e irresistível; Marcelo Serrado, o Malagueta; Nanda Costa, a Sandra Helena, iluminando a novela em uma ótima dobradinha com João Baldasserini, o divertido Agnaldo; Marcos Caruso, como Pedrinho Guimarães, que distanciou-se de seu personagem de "A Regra do Jogo", que tinha perfil semelhante; Elizabeth Savalla, a Arlete (também é bom ver a atriz fora dos tipos cômicos); a divertida dupla de Nicette Bruno e Cristina Pereira; Irene Ravache, como a vilã Sabine; e Guilherme Weber, excelente como Douglas, sem cair na caricatura fácil do gay engraçado.

Mateus Solano e Camila Queiroz – os protagonistas Eric e Luiza – ficam fora dessa relação. Logicamente não por causa do talento dos atores, já comprovado anteriormente. Mas pelos perfis de seus personagens. A falta de química entre o casal saltou aos olhos logo no primeiro capítulo, quando o texto forçou uma paixão à primeira vista sem a menor sutileza. Falta de carisma dos personagens, isoladamente, e falta de química, quando juntos. Foi um dos casais protagonistas mais insossos da história das novelas.

Foto: reprodução

Ao longo do tempo, a trama central de "Pega Pega" revelou-se inconsistente e sem estofo. O roubo do hotel, mote central no lançamento da novela, não conseguiu se manter. Antes que esse enredo se esgotasse, a autora Cláudia Souto lançou o "quem matou?" de um personagem que estava morto desde o início da história: Mirella, a falecida mulher de Eric (representada pela atriz Marina Rigueira). Ela só aparecia em flashbacks e mal tinha falas.

No fim das contas, o pega pega era para agarrar o assassino de Mirella e não os ladrões do Carioca Palace – outro bom motivo para a autora ter mudado o título da novela de "Pega Ladrão" para "Pega Pega"! E assim, Cláudia Souto segurou até o final, temperando com humor, apropriado para o horário. Desde o início, propositalmente, uma trama com pouco compromisso com a realidade e até infantilizada. O núcleo da delegacia estava mais para "Loucademia de Polícia": impossível levar a sério a investigação ao roubo do hotel.

Então por que uma novela tão mediana foi tão vista? Vários fatores.

1. Bom momento da Globo: a) em que a concorrência está acomodada e não apresenta opção melhor ao público; b) a crise econômica, que faz as pessoas saírem do trabalho e irem direto para casa; c) as novelas anteriores na grade ("Malhação" e "Novo Mundo"), que levantaram a audiência da atração das sete, fidelizando o público, que, por sua vez, aguardava pelo arrasa-quarteirões "A Força do Querer" (situação que se manteve quando as novelas das seis e das nove foram trocadas).
2. Acomodação do público – que deixa a TV ligada na Globo por costume? É uma hipótese, por que não?
3. "Pega Pega" entregou ao público exatamente o que ele queria ver: entretenimento fácil e escapismo, sem gerar questionamentos ou fazer pensar.
4. Uma alegoria sobre a impunidade (sem a intenção de se aprofundar no tema): uma forma leve de abordar um assunto sério e que incomoda os brasileiros.

Note que nenhuma das questões aqui levantadas, isoladamente, é garantia de boa audiência. Acredito mesmo que "Pega Pega" obteve o bom resultado pela soma de todos esses fatores. Talvez seja o caso de novela certa (fórmula correta) no momento certo (cenário propício). E talvez eu esteja sendo precipitado em minha análise: quem sabe seja necessário um distanciamento no tempo para analisar melhor o caso de "Pega Pega"?!

Ótimo 1: Reginaldo Faria não conseguiu fugir do Brasil como em "Vale Tudo", 30 anos atrás. A referência à clássica novela na frase de Vanessa Giácomo: "Agora a história é outra: você não vai dar uma banana pro Brasil!"

Ótimo 2: O crossover com a nova novela, "Deus Salve o Rei", passando o bastão, fruto da imaginação das crianças. Bem bolado!

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Foto: reprodução

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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