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Outro Lado do Paraíso e o vale-tudo pela audiência: onde fica a qualidade?

Nilson Xavier

01/02/2018 22h24

Glória Pires (Foto: divulgação/TV Globo)

Meu amigo Daniel Castro saiu em defesa de Walcyr Carrasco ante as críticas de outros dois amigos, Cristina Padiglione e Maurício Stycer, à novela "O Outro Lado do Paraíso" – mais precisamente ao capítulo de segunda-feira (29/01), em que o personagem de Juca de Oliveira tenta matar a de Glória Pires e acaba morrendo de enfarte.

O texto de Padiglione: "Constrangedora morte de vilão rende outro recorde a O Outro Lado do Paraíso".
O texto de Stycer: "Essa imagem expressa bem o que O Outro Lado do Paraíso tem de pior".
O texto de Castro: "Aceita que dói menos: Walcyr Carrasco é o melhor autor de novelas do mercado".

Esta não é uma resposta a Castro a favor de Padi e Stycer. Apenas uma forma de prolongar um velha discussão que acomete nossa TV há décadas (acho que desde que ela chegou ao país): Audiência vs. Qualidade.

Em minha crítica final a "Pega Pega" (a última novela das sete da Globo), discorri sobre o tema listando uma série de fatores que tentam explicar como uma novela tão esnobada pela crítica foi um sucesso de audiência (leia AQUI). Todos replicáveis a "O Outro Lado do Paraíso": fraca concorrência, crise econômica, hábito de manter a TV na Globo, bom momento do horário nobre em geral (audiência que cresce em cadeia à medida que o horário avança) e, o principal: a novela entrega o que o público quer ver – no caso de "Pega Pega" e "O Outro Lado do Paraíso", puro escapismo, fuga da realidade, sem gerar questionamentos ou fazer raciocinar.

Sabemos que audiência e qualidade nem sempre andam juntas. Ibope mede audiência, não qualidade. A história de nossa Teledramaturgia está repleta de exemplos de novelas, séries e minisséries aplaudidas pela crítica especializada, mas renegadas pelo grande público. Outras foram abraçadas pelo público, mas de qualidade abaixo da esperada. E várias produções que conseguiram o feito de agradar a todos.

Sabemos também que não é porque uma obra (novela, filme, livro, peça, música) tem boa venda/audiência/faturamento que não será passível de críticas. É uma temeridade pensar que audiência blinda, protege ou resguarda um filme ou programa de TV das críticas. O pior contra-argumento para uma crítica é citar audiência. Assim como todos produtores/diretores/roteristas esperam que suas obras alcancem o maior número de pessoas possível, eles também esperam que a crítica as aceite dentro dos parâmetros estabelecidos como "qualidade" (quais parâmetros são esses é uma outra discussão que não cabe aqui). Afirmar que "escrevo para o público, não para a crítica" seria renegar o reconhecimento ou os prêmios da crítica?

Juca de Oliveira (Foto: divulgação/TV Globo)

Concordo em vários pontos de Daniel Castro que citam a audiência e o que esperam a emissora e o mercado. A Globo e Walcyr Carrasco estão dando pulos de alegria com os ótimos números de "O Outro Lado do Paraíso". Isso é excelente sob vários aspectos, principalmente porque há centenas de profissionais envolvidos – direta ou indiretamente – na produção da novela, que dependem dela e do seu "sucesso" – ou audiência, ou alcance, ou repercussão, ou faturamento, como queiram. "O Outro Lado do Paraíso" tem várias qualidades, da direção à produção caprichada e ao elenco com atores de renome. Quanto às críticas ao texto de Carrasco, vide os links ao final deste texto.

Discordo quando tenta-se nivelar a televisão por baixo. Isso abre um precedente perverso: de que o público gosta do que é ruim. Ora, nem toda novela precisa ser rasa para agradar o público. Há tempo, sim, de burilar o roteiro, achar uma interpretação perfeita e a direção inequívoca (para ficar nas palavras de Castro). A maior prova é "A Força do Querer" – novela de audiência e qualidade, ainda recente na memória. Sabemos que não existe a obra perfeita. "A Força do Querer" teve vários pontos negativos apontados pela crítica. Contudo, em comparação com que se produziu na TV nos últimos tempos, trata-se de um produto acima da média.

Eu, como crítico e como telespectador, espero produções que me instiguem e me entretenham, com qualidade de texto, produção, interpretação e direção. Mas essa é uma solicitação minha, que pode não ser da maioria. Como crítico, espero, sim, por novelas que sejam obras-primas, perfeitas. Ou o mais próximo possível disso. Ou pelo menos de boa qualidade. Por mais Vale-Tudos, Roques Santeiros e Os Bem-Amados na TV brasileira!

Leia também: "Direção de O Outro Lado do Paraíso se esforça, mas o texto não ajuda";
"Cansou das frases irritantes da novela das 9? Fizemos um bingo com elas!";
"A Globo extinguiu o Zorra Total e Carrasco o ressuscitou na novela das 9".
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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