Ícone do teatro e cinema, Tônia Carrero fez pouca TV, mas deixou sua marca
Acordei com a notícia da morte da atriz Tônia Carrero. E me vem à cabeça a sua imagem do início dos anos 80, do alto de seu 60 anos, usando um collant pink e fazendo biquinho para falar Buetner em merchans que interrompiam a programação de domingo à tarde na Globo. Tônia também sorteava cartas valendo não-lembro-o-quê e vendia leite de aveia Davene, outro produto marcado pela mais bela das garotas-propaganda – anúncio parodiado malandramente pela revista Casseta Popular como "leite de aveia Davéia". Talvez hoje o chiste fosse considerado ofensivo. Mas, à época, era mesmo um assombro conceber que essa mulher, de beleza estonteante, tivesse mais de 60 anos. Tônia era ou não era a garota-propaganda ideal para um produto de beleza?!
No início dos 80, Tônia Carrero havia feito as pazes com a TV depois de um afastamento de mais de sete anos. A bem da verdade, a atriz, popularmente conhecida por alguns papeis marcantes em novelas, não era muito afeita à televisão. Consagrada, entre as décadas de 1940 e 1960, por uma carreira vitoriosa no teatro, aclamada por décadas como grande diva dos palcos, e tendo sido estrela da companhia de cinema Vera Cruz, Tônia demorou para se render aos apelos da telinha. Nas poucas novelas em que atuou, foram papeis escritos especialmente para ela. Como a carismática Pola Renon de "Sangue do Meu Sangue", sua primeira novela, do amigo Vicente Sesso, exibida pela TV Excelsior em 1969.
Em 1970, Sesso foi contratado pela Globo e a levou para estrelar suas novelas. Tônia brilhou como Cristina, contracenando com Sergio Cardoso em "Pigmalião 70", uma versão do clássico de Bernard Shaw. O corte de cabelo "pigmalião" ganhou esse nome devido ao sucesso da personagem de Tônia na novela. Na sequência, ela foi vista em "A Próxima Atração", de Walther Negrão, "O Cafona", de Bráulio Pedroso, "O Primeiro Amor", de Negrão, e "Uma Rosa com Amor", de Sesso. Tudo entre 1970 e 1973: cinco novelas em um espaço de pouco mais de três anos.
Tônia só aceitou voltar à TV em 1980, convencida por Daniel Filho e Gilberto Braga a estrelar a novela "Água Viva". Gilberto havia lhe reservado o papel de uma megera, Lourdes Mesquita. Mas Tônia pediu para viver outra personagem, a socialite Stella Fraga Simpson, inspirada na socialite da vida real Becky Klabin, papel que estava destinado a Beatriz Segall. As atrizes trocaram de personagens e Tônia brilhou na pele da charmosa, sofisticada e carismática Stella, fazendo dela o seu mais marcante papel em televisão. Feminista e à frente de seu tempo, Stella tornou célebre a sequência em que faz top-less na praia com as amigas vividas por Glória Pires, Maria Padilha e Maria Zilda. As atrizes foram criticadas dentro e fora da novela. A equipe de gravação teve que trocar de praia para fazer as cenas, por causa da reação contrária do público ao redor.
Após uma participação na insípida "O Amor é Nosso!", fracasso global do ano de 1981, Tônia voltou à telinha em outra personagem de Gilberto Braga. E novamente a atriz interveio. Gilberto insistia nela como antagonista. A novela era "Louco Amor" (1983) e ele a queria como Renata Dumont, uma típica vilã mexicana. Tereza Rachel ficou o papel e Tônia viveu novamente uma mulher rica e charmosa: Muriel. Em 1988, Gilberto cogitou Tônia para Odete Roitman de "Vale Tudo". Mas além da atriz não aceitar, ela era recém egressa da novela das sete, "Sassaricando", comédia de Silvio de Abreu na qual contracenou com o amigo de longa data Paulo Autran, em um par romântico divertido.
Em 1989, Tônia Carrero viveu outra mulher rica (sua especialidade na TV): Letícia em "Kananga do Japão", na TV Manchete, personagem em um casamento desgastado que tem um caso com o rapagão vivido por Raul Gazola. Após uma participação no remake de "Sangue do Meu Sangue", do SBT (1996), Tônia só retornou à televisão em 2000, em "Esplendor", na qual deu vida à desmemoriada Mimi Melody, um papel pequeno dentro da trama da novela. Finalmente, suas últimas aparições na TV foram em 2004: participações, na minissérie "Um Só Coração" (ao lado de Paulo Autran) e na novela "Senhora do Destino".
Maria Antonietta Portocarrero Thedim nasceu no Rio de Janeiro em 23 de agosto de 1922. Graduada em Educação Física, formou-se atriz na França, onde foi viver com o artista plástico Carlos Arthur Thiré, pai de seu único filho, o também ator Cecil Thiré. De volta ao Brasil, e casada com o italiano Adolfo Celi, ela criou com o amigo Paulo Autran a companhia de teatro Tônia-Celi-Autran, que revolucionou o cenário teatral brasileiro entre as décadas de 1950 e 1960. Sobre sua vasta carreira nos palcos e no cinema, recomendo o ótimo texto do amigo Miguel Arcanjo.
Tônia estava há mais de uma década reclusa, com dificuldades na fala e locomoção, cuidada pela família – o filho Cecil, os netos Luísa, Carlos e Miguel e demais familiares. Sofria de hidrocefalia (excesso de água no cérebro) e faleceu no sábado (dia 03/03), por volta das 22 horas, em uma clínica no Rio de Janeiro, onde passava por um procedimento cirúrgico. A atriz teve uma parada cardíaca e não resistiu. Tinha 95 anos. Para sempre Tônia será lembrada como uma das figuras mais aclamadas e um ícone das Artes desse país.
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