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Malhação destaca trama sobre terreiro afro atacado por bandidos evangélicos

Nilson Xavier

19/04/2018 10h17

Simone (Dani Ornellas) e Talíssia (Luellem de Castro) (Foto: Fábio Rocha/TV Globo)

Nas últimas duas semanas, "Malhação, Vidas Brasileiras" exibiu sua melhor história até agora. Só para relembrar: neste temporada, a novela experimenta o formato em que uma trama ganha enfoque a cada duas semanas, enquanto outras seguem se desenvolvendo. Foi uma abordagem inédita em nossa Teledramaturgia, sobre uma questão preocupante que vem ganhado destaque no noticiário: casos de intolerância religiosa em morros cariocas, em que terreiros de religiões de matriz africana (candomblé, umbanda) são atacados por bandidos que se dizem "evangélicos", que foram iniciados na prisão ou que recebem ordens de dentro dos presídios.

Na trama, o terreiro de Simone (Dani Ornellas) é alvo dos ataques engendrados pelo bandido Calebe (Paulo Verlings). O encarregado de apedrejar, destruir e até tacar fogo no local é o comparsa Jorge (Hugo Germano). Simone é mãe de Talíssia (a ótima estreante Luellem de Castro), aluna da Professora Gabi (Camila Morgado), que, como reza a cartilha de "Malhação", tenta ajudar sua aluna. O caminho mais óbvio seria a denúncia. Mas nem Talíssia nem Simone querem denunciar. Aí entra o gancho folhetinesco que dá todo o sabor ao entrecho: Jorge é filho de Simone, irmão de Talíssia. Um bom exemplo de trama interessante, de utilidade pública, e extremamente sedutora.

O desfecho aconteceu no capítulo de quarta-feira (18/04): Calebe e Jorge foram finalmente presos. De quebra, a novela teve o cuidado de mostrar o outro lado, evitando a estigmatização sobre religiões de vertentente neopentecostal, pintadas neste episódio como as vilãs. O personagem Vinícius (André Luiz Miranda), um rapaz evangélico, que nada tem a ver com os bandidos, promove com os membros de sua igreja uma ajuda para levantar o terreiro destruído de Simone, dando um bom exemplo de tolerância religiosa.

Guta Stresser | Camila Morgado (Fotos: divulgação/TV Globo)

A audiência das seis primeiras semanas de "Vidas Brasileiras" é 3,5 pontos menor que o mesmo período da temporada anterior, "Viva a Diferença". "Malhação" tem patinado em suas tramas. A primeira, sobre o garoto que sofria com os pais que se detestavam, não despertou tanto interesse. A seguinte, sobre o professor que assediava a aluna, teve um bom desenvolvimento, narrando a trama sob dois pontos de vista: a versão do professor e a versão da aluna – apesar de ser óbvio para o público que quem falava a verdade era a aluna, o que destruía qualquer possibilidade de suspense.

A trama sobre intolerância religiosa foi a única realmente inédita. As outras já foram fartamente exploradas em nossa Teledramaturgia. Mas o que chama atenção negativamente são as "inspirações" cinematográficas. O menino que sofre com os pais que se detestam é o enredo do filme russo "Sem Amor", candidato ao Oscar de filme estrangeiro neste ano. A professora que canta mal, acha que está arrasando e ninguém tem coragem de alertá-la, é praticamente o plot do filme "Florence, Quem É Essa Mulher?", com Meryl Streep.

E não há como não lembrar do filme "Que Horas Ela Volta?" ao se deparar em "Malhação" com a simplória doméstica cuja filha vem do interior para morar consigo na casa da patroa. Ok, as histórias têm direcionamentos completamente diferentes. Mas chamou a atenção uma tomada do quartinho delas, o colchão da filha espremido no chão ao lado da cama da mãe, vistos do alto. Precisava ser igual até nisso?

Aqui cabe uma crítica também à personagem da ótima Camila Morgado: a professora Gabi precisa cativar o público com uma trama própria. Porque até agora só tem passado atestado de intrometida na vida de seus alunos.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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