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Série feminista? "A Feiticeira" está de volta no canal Viva

Nilson Xavier

06/06/2018 07h00

Dick York, Elizabeth Montgomery e Agnes Moorehead em "A Feiticeira" (divulgação)

O Viva Play (plataforma sob demanda com os programas do canal Viva) disponibilizou recentemente os 36 episódios da primeira temporada da clássica série "A Feiticeira" (com dublagem antiga), originalmente produzida em 1964. Por enquanto, a série é anunciada no Viva Play como "pré-estreia". Questionado sobre quando entrará na grade da TV fechada, o Viva se limitou a informar que "não há previsão" (e nem se disponibilizará mais temporadas na plataforma). Na TV aberta, "A Feiticeira" é exibida pela Rede Brasil de Televisão.

Série feminista

"A Feiticeira" usava o humor para questionar a posição da mulher da década de 1960, em um momento em que o mundo passava por grandes transformações na sociedade. Nos EUA, o movimento feminista ganhava força e as produções de televisão viraram alvo fácil de críticas. Em 1964, a rede ABC lançou "A Feiticeira" ("Bewitched"), estrelada por Elizabeth Montgomery, no papel da bruxa Samantha, Dick York (temporadas depois substituído por Dick Sargent), como o marido James Stephens, e Agnes Moorehead, como a mãe Endora. A série fez um enorme sucesso no mundo todo, teve 8 temporadas (totalizando 254 episódios) produzidas entre 1964 e 1972.

A trama narra as dificuldades de Samantha em se adequar às exigências do marido, James, que quer que ela abdique de sua condição de bruxa para ser uma dona de casa exemplar, boa esposa e boa mãe de família, sem bruxarias, feitiços ou magia. Ao mesmo tempo, Samantha precisa lidar com a mãe Endora, uma bruxa voluntariosa que não se conforma com o fato de a filha ter renegado sua condição e origem para se casar com um mortal que a proíbe de usar seus poderes. Não por acaso, Endora e James vivem em pé de guerra.

A graça da série estava justamente no jogo de cintura de Samantha em usar ou não os seus poderes para se livrar dos problemas do dia a dia, e no tanto que uma legião de bruxos coadjuvantes (parentes e amigos) influenciavam sua rotina com o marido. No decorrer de cada episódio, Samantha se via forçada a usar o seu feitiço na tentativa de neutralizar alguma confusão, contra a vontade de James ou com o seu consentimento (quando ele percebia que não havia outro jeito).

Por meio dessa premissa, "A Feiticeira" levantava a bandeira do feminismo, questionando a posição da mulher na sociedade da época. Em tom de comédia, Samantha representava essa mulher indecisa entre os valores impostos até a década anterior (de 1950) pela sociedade conservadora (representada na figura risível do marido castrador) e a libertação e o desejo de ser dona de seu nariz. E era mexendo o nariz que Samantha executava seus feitiços. Endora funcionava como a voz da consciência, ou o desafio do novo.

Elizabeth Montgomery em "A Feiticeira" | Larry Hagman e Barbara Eden em "Jeannie é um Gênio" (divulgação)

Samantha vs. Jeannie

Na mesma época, na onda do sucesso de "A Feiticeira", a NBC, concorrente da ABC, produziu uma série semelhante que, igualmente, conquistou a audiência mundial: "Jeannie é um Gênio". Nesta, o major Anthony Nelson (Larry Hagman) fazia o possível para esconder de todos a gênia que tinha em casa, a bela e sedutora Jeannie (Barbara Eden). Seria "Jeannie é um Gênio" um contraponto à série "A Feiticeira"? O sonho de Jeannie era servir seu "amo", mas ele sempre escapava de um compromisso mais sério e a escondia em uma garrafa.

Soa machista aos olhos de hoje? (lembrando que machismo não é o contrário de feminismo). Ainda que, no final das contas, a gênia fizesse valer as suas vontades, Jeannie passava a ideia da mulher submissa ao homem (como o gênio que serve ao seu senhor), com o agravante de Nelson não desejar um compromisso afetivo. Ao passo que Samantha fingia ser submissa, mas acabava sempre burlando a patrulha do marido, mesmo por força das circunstâncias.

Posicionamentos à parte, mais de cinquenta anos depois, a mulher não precisa mais depender exclusivamente do marido e apenas se dedicar ao lar (como queria James). Mas a luta contra o machismo e pela igualdade de direitos continua. Curioso perceber que, hoje, "A Feiticeira" poderia ser anacrônica ou datada, mas infelizmente não é. Muitas Samanthas ainda vivem sob o jugo de maridos tiranos que têm a cabeça no milênio passado.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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