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"Segundo Sol" aderiu ao processo de "scoobydoolização" das novelas

Nilson Xavier

13/07/2018 07h00

Giovanna Antonelli | Scooby-Doo (divulgação)

"Segundo Sol" é uma novela agradável, com muitas qualidades. O elenco é bom e alguns atores se destacam com personagens ricos, em perfil e texto – como Laureta (Adriana Esteves) e Rosa (Letícia Colin), por exemplo.

Entretanto, fica a sensação de que o autor João Emanuel Carneiro atira para todos os lados na ânsia de agradar a gregos e troianos. Frases espirituosas, cenas de grande impacto e bons ganchos são intercalados com passagens superficiais, resoluções preguiçosas e sequências que pouco ou nada agregam à trama ou à narrativa. Alguns entrechos lembram roteiro de desenho do Scooby-Doo.

Nem me refiro exclusivamente aos núcleos de humor, que na maioria das vezes só servem para alívio cômico e deles nada se exige além disso. Mas quando o humor começa a aparecer mais que a trama central, ou quando a trama central se afunila ou empaca em um núcleo cômico, há um indício de que algo não vai bem.

A chegada de Gorete (Thalita Carauta) e seus quiproquós com a família de Beto Falcão (Emílio Dantas) são, no momento, o que movimenta a trama do cantor supostamente falecido. Ou o que sobrou dela. Em todos os capítulos repetem-se as mesmas cenas, nas quais Gorete insiste em preservar a memória do cantor enquanto a família tenta sair pela tangente. A trama de Beto Falcão não só se resume a Gorete como depende da personagem cômica (imagino que o autor irá futuramente levar a trama para outro caminho, já que a novela está apenas no começo).

Ao mesmo tempo, Luzia/Ariella (Giovanna Antonelli), a outra protagonista, vinha tentando evitar que os filhos a reconhecessem. O que já não fazia muito sentido, já que ela voltou ao Brasil para revê-los. Nem vou entrar no mérito do "como não reconhecem Luzia (e Beto Falcão)?". Fico na construção da trama. Por que Luzia não luta para provar sua inocência? Por que ao ser descoberta pelos rebentos não revelou a eles tudo o que aconteceu de fato? Porque se isso acontecer, acaba a trama de Luzia (como acabou a de Beto).

Para fazer a trama de Luzia render, o autor a construiu em uma base frágil, capenga e pouco verossímil. Luzia chega a ser ingênua demais (como Beto também é). Desmascarada pelo filho Ícaro, a DJ pareceu uma personagem do Scooby-Doo. Lembra que ao final de cada episódio o vilão era capturado, desmascarado, os garotos explicavam o mistério e o bandido soltava a frase de efeito: "Eu teria conseguido se não fosse esses garotos intrometidos!". Só faltou Luzia desta forma se referir a Ícaro para Manu.

Thalita Carauta e Luís Lobianco (Foto: reprodução)

Tomo a liberdade de inventar o vocábulo "scoobydoolização" (palavra feia, eu sei!) para conceituar aqueles recursos de narrativa (tramas, entrechos, desfechos, diálogos) simplórios, preguiçosos, fáceis, às vezes em uma linguagem que beira a infantil ("infantil" = simplista), que revelam uma trama mal ajambrada, em que a lógica dos meios não interessa aos fins, porque o intuito é fazer valer uma ideia final, um desfecho ou um arco dramático, nem que para isso mande-se às favas a verossimilhança e subestime-se a inteligência do público. O propósito? Entreter de maneira direta um público mais abrangente e menos exigente.

Os personagens ingênuos e inocentes são os que movem as histórias nos desenhos animados. O amigo Maurício Stycer fala em seu vídeo para o UOL Vê TV dos personagens burros de "Segundo Sol" que movimentam a trama. Como nos desenhos animados. Esse processo de "scoobydoolização" das novelas não é de agora. "Salve Jorge", em 2012-2013, já brincava com entrechos pouco convincentes que pareciam zombar do espectador. O wi-fi na caverna da Turquia, a igreja 24 horas e o assassinato com injeção letal no elevador entraram para a história das novelas como exemplos de recursos narrativos dignos de desenhos animados – e que, como eles, divertem.

Recentemente, "O Outro Lado do Paraíso" abriu um precedente malicioso. Deixo apenas um exemplo: a sequência final do julgamento do pedófilo, quando ele confessa abertamente todos os seus crimes e faz chacota com a plateia. Scooby-Doo total! Também a reiteração de frases à exaustão ("Patrick, o melhor advogado criminalista do país") e atitudes absurdas dos personagens remetem a roteiros de desenhos dos canais infantis.

João Emanuel Carneiro é reconhecido pelo texto acima da média. Porém, em "Segundo Sol" o autor mira para todos os lados na esperança de acertar uma plateia mais ampla. Há o texto espirituoso nas falas de Laureta e Rosa. Mas há também os entrechos que exigem muita boa vontade do público. A "scoobydoolização" é ruim? Não, se a proposta é fazer a audiência apenas se divertir passivamente. Por outro lado -por não ser direcionado a um público infantil- passa atestado de narrativa pobre e superficial.

Em tempos de concorrência acirrada com streaming, Netflix, séries estrangeiras de alta qualidade (outras nem tanto), é de se refletir se as tramas das novelas não estejam se nivelando por baixo, quando lembramos que grandes dramaturgos (Dias Gomes, Bráulio Pedroso, Lauro César Muniz) escreveram títulos "acima da média" no tempo em que não existia a concorrência que existe hoje.

AQUI tudo sobre "Segundo Sol": trama, elenco, personagens, trilha, curiosidades.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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