Beatriz Segall não quis mais viver vilãs nem falar de Odete Roitman
Nilson Xavier
05/09/2018 14h00
Impossível não relacionar Beatriz Segall à figura de Odete Roitman, personagem imortalizada pela atriz em "Vale Tudo", de 1988. Não só porque está em evidência neste momento, com a reprise da novela no canal Viva, mas principalmente pelo fantasma da megera ter vivido à sombra da atriz pelos últimos trinta anos. A personagem foi tão marcante que, após a conclusão de "Vale Tudo", Beatriz por um bom tempo se negou a falar dela. E só aceitava interpretar papeis de mulheres bem diferentes da vilã, na tentativa de afastar o estigma de "atriz de uma personagem só".
Em entrevista ao site da Veja, em 2011, a atriz se queixou:
"Isso é muito chato, fica repetitivo, chega a um ponto que você não aguenta mais. Pô, eu sou muito mais que Odete Roitman. Já fiz tanta coisa, os papéis mais diversos. Eu sou uma atriz de teatro, não sou uma atriz de um papel só."
A atriz faleceu nesta quarta-feira (05/09), aos 92 anos de idade, em São Paulo. Beatriz de Toledo nasceu no Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1926. De família de classe média, recebeu uma educação primorosa, já que seu pai era diretor do prestigiado Instituto Lafayette. No final da década de 1940, lecionou francês por cinco anos em colégios do Rio de Janeiro.
Em 1950, ao concluir seus estudos no Serviço Nacional do Teatro, estreou profissionalmente na peça "Manequim", pelo Teatro Popular de Arte (TPA). Integrou a companhia Os Artistas Unidos, de Henriette Morineau, participando das montagens de "Um Cravo na Lapela" e "Jezebel", em 1953. Nesta ocasião, ganhou do governo francês uma bolsa para estudar teatro e literatura em Paris. Lá, conheceu Maurício Segall (filho do pintor lituano Lasar Segall), com quem se casou em 1954. Da união, teve três filhos: Sérgio, Mário e Paulo. O casamento a fez momentaneamente abrir mão da carreira de atriz.
Beatriz Segall retomou a carreira em 1964, substituindo Henriette Morineau na peça "Andorra", no Teatro Oficina, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Não largou mais os palcos. Atuou em "Os Inimigos" (1965), "Marta Saré" (1968), "O Inimigo do Povo" e "Hamlet" (1969), "A Longa Noite de Cristal" (1970), "O Interrogatório" (1971), "A Grande Imprecação Diante dos Muros da Cidade" e "Casamento de Fígaro" (1972), "Frank V" e "O Prodígio do Mundo Ocidental" (1973), "À Margem da Vida" (1976) e "Maflor" (1977).
Em 1985, atuou no monólogo "Emily", dirigido por Miguel Falabella. Com o Grupo TAPA, em 1986, participou da montagem de "O Tempo e os Conways". Em 1988, "O Manifesto", encenado por José Possi Neto. Em 1993, "A Guerra Santa", em encenação de Gabriel Villela. Viveu uma octogenária em "Três Mulheres Altas", sob a direção de José Possi Neto, pelo qual foi premiada com o Mambembe de melhor atriz de 1995. Ainda: "O Lado Fatal" (1996), "Estórias Roubadas" (2000), "Quarta- feira sem falta lá em casa" (2003) e "Conversando com Mamãe" (2011).
No cinema, esteve em dez filmes, com destaque para "À Flor da Pele" (1976), "O Cortiço" (1978), "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1980), "Romance" (1988) e "Desmundo" (2003). O último foi "Família Vende Tudo", em 2011. Depois que voltou aos palcos, em 1964, Beatriz custou a aderir à televisão. Vale registrar uma participação anterior, na série de ficção científica da Tupi "Lever no Espaço", exibida em 1957 (TV ao vivo), no papel de uma alienígena, em uma roupa de plástico prateada e peruca branca. Entre 1967 e 1970, participou das novelas "Angústia de Amar" (Tupi), "Ana" (Record) e "A Gordinha" (Tupi).
Em 1978, voltou definitivamente à televisão, como Celina, mãe do personagem de Antônio Fagundes em "Dancin´ Days". A atriz aparecia creditada na abertura como "Beatrix Segall", com "x", por uma sugestão do diretor Daniel Filho. Mas Celina não ficou até o fim: a personagem acabou morrendo por falta de função na trama. Em contrapartida, a atriz foi escalada para a novela seguinte, "Pai Herói", na qual viveu Norah, mãe da protagonista interpretada por Elizabeth Savalla. Em "Pai Herói", Beatriz pediu que seu nome fosse creditado corretamente na abertura, com "z" no lugar do "x".
Em seu trabalho seguinte, Beatriz experimentou pela primeira vez a popularidade de uma personagem de grande apelo em novelas: a megera Lourdes Mesquita de "Água Viva" (1980). Curiosamente, a vilã estava inicialmente destinada a Tônia Carrero, que acabou ficando com outra personagem, Stella Simpson, abrindo a possibilidade para Beatriz interpretar Lourdes.
Após "Água Viva", Beatriz atuou em duas novelas seguidas na TV Bandeirantes: "Os Adolescentes" e "Ninho da Serpente", entre 1981 e 1982. Apesar de sempre lembrada por papéis de mulheres ricas, esnobes ou posudas, Beatriz Segall também viveu mulheres simplórias, do povo. Foram três personagens neste perfil: Iracema de "Os Adolescentes" (1981), na Band, Eunice de "Champagne" (1983), na Globo, e Alzira de "Carmem" (1987), na Manchete.
Em 1982, foi Laura, mãe de Irene Ravache em "Sol de Verão". Após "Carmem", foi escalada para interpretar uma das maiores vilãs da Teledramaturgia nacional: Odete Roitman de "Vale Tudo" (1988). De novo o papel não era para ela: Tônia Carrero e Odete Lara foram anteriormente cogitadas. Após esta, Beatriz Segall passou a ser perseguida pelo fantasma de sua personagem: não quis mais interpretar vilãs, só mulheres simpáticas, de boa índole.
Foram assim: a cientista Penélope Brown de "Barriga de Aluguel" (1990-1991), Stella de "De Corpo e Alma" (1992-1993), Paula de "Sonho Meu" (1993-1994) e Clô do remake de "Anjo Mau" (1997-1998). A partir da década de 2000, a atriz passou a ser vista menos na televisão. Reviveu Miss Brown, sua personagem de "Barriga de Aluguel", em uma participação em "O Clone" (2002). Depois "Esperança" (2003), "Bicho do Mato", na Record (2006-2007), a série "Lara com Z" (2011), e "Lado a Lado" (2012). O último trabalho na TV foi em 2015, em um episódio da elogiada série "Os Experientes".
Não fosse Odete Roitman, Beatriz Segall seria lembrada por tantas outras atuações que lhe marcaram a carreira, nas telas ou nos palcos. No entanto, a vilã tornou-se um ícone da TV brasileira e uma referência de interpretação.
Ao projeto Memória Globo, a atriz declarou:
"Sempre me encabulo quando tenho que falar da Odete Roitman, fico com medo de parecer pretensiosa, e tenho certeza de que não sou, mas acho que ninguém na televisão brasileira recebeu um presente tão grande como esse."
Leia também: "Português é uma língua tão chinfrim" e outras 20 pérolas de Odete Roitman.
Fotos: Acervo Globo.
Sobre o autor
Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.
Sobre o blog
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.