"O Tempo Não Para" ensina dívida histórica com negros sem abordar cotas
Passada a euforia com a estreia de "O Tempo Não Para" (a audiência ficou bem acima da média durante o primeiro mês de exibição), a novela de Mário Teixeira segue sem grandes reviravoltas na trama, o que se reflete no Ibope, com média de 26 pontos na Grande SP (um ponto acima da atração anterior, "Deus Salve o Rei", no mesmo período). Mesmo assim, dentro do esperado pela emissora no horário.
Ainda que a história dos congelados tenha esfriado (não resisti!), "O Tempo Não Para", a meu ver, tem pelo menos duas grandes qualidades que me fazem assistir à novela com prazer: a galeria de personagens cativantes (menos a Betina) e o texto inspirado de Mário Teixeira.
Isto posto, destaco a abrangente abordagem sobre racismo na trama, com ênfase para o contexto histórico por meio dos personagens ex-escravos – Cesária (Olívia Araújo), Menelau (David Júnior), Cairu (Cris Vianna), Cecílio (Maicon Rodrigues) e Damásia (Aline Dias). Os atores estão ótimos em seus papeis, cada qual com personalidades bem definidas e tramas próprias.
Na semana passada, Cesária e Menelau, de passagem no Rio de Janeiro, visitaram o lugar onde os negros vindos da África desembarcavam para serem vendidos. "O Tempo Não Para" não desperdiça oportunidades para fazer refletir sobre "dívida histórica". Porém, de maneira sutil, no subtexto. Perceba que nunca se falou na novela em "dívida" ou mesmo "cotas nas universidades". Não que não devesse. Mas o texto, em vez de incitar polêmicas, vai por um caminho, penso eu, menos óbvio e ainda assim eficiente: provoca a reflexão.
As cenas de contraponto entre os ex-escravos e os personagens negros contemporâneos são as melhores: Eliseu (Milton Gonçalves), um "escravo moderno" e os familiares Barão (Rui Ricardo Dias), que enveredou-se pelo crime, e Paulina (Carol Macedo), que luta para ascender socialmente por mérito próprio. Entre outros, há ainda Vanda (Lucy Ramos), realizada social e profissionalmente. O humor também é uma boa arma usada pelo autor: Coronela (Solange Couto), personagem de caráter duvidoso e posturas questionáveis, refere-se aos negros de forma pejorativa e vive repetindo "Eu não sou negra!".
O texto também trata do descaso com o idoso, da posição da mulher e outros temas ditos "sociais" – envolvendo personagens negros ou não. Ainda que a expressão "dívida histórica" não seja dita com todas as letras dentro da novela, basta um olhar um pouco mais sagaz sobre as tramas para captar a mensagem.
Em três meses no ar, "O Tempo Não Para" foi mais eficiente na abordagem da questão negra do que seis meses inteiros de "Segundo Sol". Tudo bem que talvez essa nem tenha sido a proposta da novela das nove. Mas para uma trama que se passa na Bahia (criticada pelo elenco demasiadamente branco), a representatividade negra passou ao largo e "O Tempo Não Para" dá um banho.
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