Lançada como inovação, "O Tempo Não Para" chega ao fim melancolicamente
A estreia de "O Tempo Não Para" foi auspiciosa, como escrevi na ocasião: "O maior atrativo da novela das sete são os personagens do passado diante do 'admirável mundo novo'. Está sendo uma delícia aguardar a reação de cada membro do clã dos Sabino Machado ao 'despertar' ante o universo completamente diferente daquele que a família deixou no século 19."
E complementei: "O maior receio, no entanto, é o esgotamento do que a trama tem de mais atraente: que todas as características dos personagens congelados se percam na adaptação aos dias de hoje. Logo os congelados terão despertado e se acostumado à modernidade. Ou não. Ou diante do caos moderno, preferirão voltar ao mundo de antigamente. Um bom trunfo nas mãos do autor Mário Teixeira. E que pode render muito." (leia AQUI).
Pois é, não rendeu. Melhor: rendeu muito pouco. O tempo suficiente para os congelados se adaptarem ao século 21. Isso foi uns dois meses.
O que "O Tempo Não Para" tinha de interessante, estimulante – inovador até, com uma trama, se não original, ao menos bem desenhada – logo se esvaiu em um roteiro confuso, em tramas inventadas apenas para "encher linguiça" (como as falsas gravidezes de Agustina e Carmem), na insistência em focar as tentativas dos vilões de usurparem a empresa do protagonista, na troca sem sentido do vilão principal por outro idêntico, e em personagens subitamente perdendo função na trama ou desaparecendo. Faltou carpintaria, não só para manter a trama dos congelados interessante e atraente por mais tempo, mas também para administrar personagens e tramas paralelas.
Com o passar dos meses, a audiência foi murchando com a história da novela, que perdia público gradativamente. A produção enfrentou as festas de fim de ano, que resultaram na queda brusca na audiência em todo o horário nobre. Os 28 pontos de média no Ibope na Grande São Paulo durante o primeiro mês de exibição caíram para 21 pontos no último mês, quando a meta para o horário são 25.
"O Tempo Não Para" fecha com uma média final de 24 pontos, a menor desde 2015, quando foi ao ar "I Love Paraisópolis", outra novela de Mário Teixeira (escrita com Alcides Nogueira): "Deus Salve o Rei": 25,5 | "Pega Pega": 28,7 | "Rock Story": 25,9 | "Haja Coração": 27,5 | "Totalmente Demais": 27,3 | "I Love Paraisópolis": 23,4.
Entretanto, há de se ressaltar as qualidades da novela, como a sintonia da direção (equipe de Leonardo Nogueira) e elenco bem escalado – com ótimas interpretações de Edson Celulari, Juliana Paiva, Milton Gonçalves, Rosi Campos, Christiane Torloni, Solange Couto, Olívia Araújo, Regiane Alves, Maria Eduarda Carvalho e Felipe Simas.
Nicolas Prattes causou estranhamento no início, mais por causa do perfil do ator para o personagem. Mas Nicolas deu conta do recado, demonstrou segurança em cena e uma ótima química com Juliana Paiva. Eu critiquei Bruno Montaleone, no papel de Bento (leia AQUI), e revejo minha crítica: confesso que acabei me acostumando ao personagem e ao tom de farsa que o ator deu ao seu almofadinha de época.
Outro ponto positivo – e, acho, a maior qualidade da novela – foi o texto afiado de Mário Teixeira, repleto de crítica social nas falas dos personagens, feita de forma espirituosa, divertida, muitas vezes sutil, outras incisiva (quando necessário), à corrupção política, ao machismo, às diferenças de classe e distribuição de renda, e, principalmente, ao racismo. Vale destacar a representatividade negra na novela, não só pela presença dos personagens ex-escravos, mas também pelos outros, da atualidade.
Uma lástima "O Tempo Não Para" ter minguado e terminado de forma tão melancólica. O que se viu nos últimos meses da novela em nada lembra o seu início promissor: uma boa ideia em uma excelente produção que se diluiu em tão pouco tempo. Ao final, também concluo que "O Tempo Não Para" teria rendido, no máximo, uma ótima minissérie. Ou uma série de uma temporada só.
Leia também: Maurício Stycer, "O Tempo Não Para tinha fôlego para ser uma boa série, não uma novela";
"O Tempo Não Para ensina dívida histórica com negros sem abordar cotas".
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