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Até quando as novelas serão remendos umas das outras?

Nilson Xavier

05/02/2019 11h56

Dira Paes e Cláudia Raia em "Verão 90" (foto: João Cotta/TV Globo)

A telenovela obedece alguns padrões que devem ser respeitados, por serem intrínsecos ao seu formato. Sua narrativa é muito particular, segue regras das quais não se pode fugir muito. Principalmente porque a maior característica que difere a novela dos outros formatos é o fato de ela ser uma obra aberta, exibida diariamente, que vai sendo escrita ao longo de 4, 5, 7 meses.

A base de toda novela é o folhetim, o que sugere que temas e tramas pouco variem. Isso provoca a sensação de que toda novela é "igual". É sempre uma história de amor, repleta de desencontros, impedida por um antagonista. Alguém já disse espirituosamente: "Novela é duas pessoas querendo transar e uma querendo atrapalhar".

Filiações ou paternidades desconhecidas, falsas identidades, histórias de vingança, suspense de "quem matou" também recheiam tramas de quase toda novela. Resumindo: já conhecemos seus enredos, sabemos como as histórias terminam e, se deixarmos de assistir a um capítulo, ou ver uma semana, não perdemos muita coisa. Uma frase que tenta justificar isso é "novela é tudo igual, muda apenas a forma de contar".

Não faltam vozes a criticar a telenovela, acusar de promover alienação no povo, taxar de subproduto artístico e profetizar o seu fim iminente ("agora tem Netflix, quem ainda vê novela?"). No entanto, apesar de décadas contando as mesmas histórias, elas seguem firmes, com suas audiências entre as maiores da TV, repercutem, vendem revistas e produtos correlatos, geram cliques na Internet e movimentam opiniões (mesmo de quem quer apenas apontar defeitos).

Os guardiães de "O Sétimo Guardião" (foto: Victor Pollak/TV Globo)

A famigerada "crise na criatividade", que assolaria novelistas e emissoras, também é um dos argumentos mais apregoados pelos que, motivados apenas pela memória afetiva, insistem em afirmar que novelas boas eram as de antigamente – variando aqui, como parâmetro, de acordo com a idade de quem fala: se tem 30 anos, as melhores foram as dos anos 90, 40 anos, as dos anos 80, 50 anos, as dos anos 70, e assim sucessivamente.

Há também a máxima novelística que afirma que o público rejeita novelas consideradas "inovadoras", só porque apresentam alguma novidade que desafia o formato estratificado. Ou porque obriga o telespectador a raciocinar. Tudo bem que o principal objetivo da telenovela é entreter, mas inovação não precisar estar diretamente ligada a um roteiro que faz refletir.

Posto isto, coloco uma contrapartida que, acho, vale a reflexão. O quanto as novelas atuais se aproveitam de tramas do passado disfarçando-se sob a aura de "referência"? Às vezes, são tantas (as referências) que ofuscam a trama central, que deveria trazer um mínimo de originalidade – mesmo levando em consideração que toda novela é "igual".

Das atuais produções da Globo, a novela das seis, "Espelho da Vida", apresenta uma novidade na narrativa: a viagem no tempo da protagonista, fazendo as épocas que se intercalarem. Perceba que, mesmo assim, lá estão as histórias de amor e vingança, as paternidades desconhecidas e o mistério do "quem matou". O diferencial é a trama original que obriga o público a prestar atenção e a raciocinar, a montar o quebra-cabeça da história.

Rafael Cardoso, Vitória Strada e João Vicente de Castro em "Espelho da Vida" (foto: Victor Pollak/TV Globo)

Às nove, "O Sétimo Guardião" apresenta uma trama nunca vista em novela, sobre uma irmandade que precisa eleger o seu guardião-mor, contada com doses de fantasia (a fonte que rejuvenesce, o guardião que vira gato, etc). A pouca repercussão pode estar no baixo apelo folhetinesco dessa história. Faz lembrar a recém-concluída "O Tempo Não Para", cuja trama central não rendia uma novela de 6 meses. Quem sabe esse também não é o problema da atual novela das nove?

Um dos atrativos com o qual a Globo tentou vender "O Sétimo Guardião" foi o apelo nostálgico de antigas obras de Aguinaldo Silva com realismo fantástico. A novela tem os seus próprios códigos de fantasia (a fonte que rejuvenesce, o guardião que vira gato, etc), mas o autor insiste em fazer referências a tramas do passado: trouxe dois personagens de "A Indomada" (de 1997), cita as fictícias cidades de Greenville e Tubiacanga e personagens de outras obras.

A novíssima novela das sete, "Verão 90", trabalha a memória afetiva do público, apontando um idealizado início da década de 1990 que, convenhamos, só era legal para quem foi criança na ocasião. Ou vocês esqueceram do Plano Collor? Nem a própria Globo guarda boas lembranças de 1990, o ano em que "Pantanal" provocou um tsunami no horário nobre global.

A história de "Verão 90" ainda engatinha. Porém, em pouco mais de uma semana, nada de original se viu, a não ser uma salada de citações a antigas novelas de sucesso ("Tieta", "Que Rei Sou Eu?", "Top Model") e referências ao passado – muito bacanas, mas que, por si só, não seguram 6 meses de novela. A trama da mãe batalhadora, cujo filho ingrato lhe passa a perna, é vista atualmente no canal Viva ("Vale Tudo"). Até as interpretações de Cláudia Raia e Alexandre Borges são "revisitações" de tudo o que fizeram na TV.

"Verão 90" parece jogar no liquidificador tramas do passado mascaradas de "referências", que soam mais como um remendo de outras novelas do que simplesmente a validação da máxima "novela é tudo igual, apenas muda a forma de contar". Mas é cedo, "Verão 90" mal começou: uma história, minimamente original, ainda pode aparecer. E sem precisar abrir mão dos apelos folhetinescos que fazem o público brasileiro assistir, há mais de 50 anos, à mesma novela.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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