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Com pé no melodrama, série da Netflix "Coisa Mais Linda" merece esse título

Nilson Xavier

28/03/2019 07h00

Pathy Dejesus e Maria Casadevall (foto: Aline Arruda/Netflix)

A Netflix estreou, no dia 22 de março, a série brasileira "Coisa Mais Linda", sobre quatro mulheres enfrentando barreiras comuns ao universo feminino da década de 1950, principalmente machismo e racismo. A opressão, no entanto – e esta é a maior qualidade da série – é apresentada com embasamento e sutileza, dentro de uma narrativa extremamente folhetinesca que, aliada ao capricho e beleza estética da produção, seduzem e cativam o espectador.

Em sete episódios, "Coisa Mais Linda" leva pelo menos quatro para apresentar a história e os dramas de cada protagonista, uma completamente diferente da outra, mas que se unem e se completam. Maria Luiza (Maria Casadevall) jovem burguesa paulistana, abandonada e roubada pelo marido, enfrenta o universo machista para realizar um sonho: abrir um bar de bossa nova no Rio de Janeiro, no momento em que esse movimento estava nascendo e em que a mulher deveria se preocupar com lar e filhos.

Adélia (Pathy Dejesus) – diferentemente das outras, negra e pobre – luta com dificuldade para criar a filha que teve solteira, suportando todo tipo de privação, pela classe social, e humilhação, pela cor. Lígia (Fernanda Vasconcellos), trocou o sonho de ser cantora por um casamento estável, mas com um marido que não é nenhum príncipe encantado, o que a faz repensar suas escolhas. E Thereza (Mel Lisboa) é uma mulher à frente de seu tempo, libertária, que tenta se impor profissionalmente em um ambiente machista – aqui, o suprassumo: ela é a única mulher na redação de uma revista feminina.

Alexandre Cioletti e Mel Lisboa (foto: Aline Arruda/Netflix)

Salta aos olhos a atuação do elenco: Mel Lisboa e Fernanda Vasconcellos como você nunca viu na televisão; Pathy Dejesus, uma agradável revelação; e Maria Casadevall reafirmando seu potencial de encarar tensão e leveza com a mesma desenvoltura. São quatro personagens tão bem desenhadas e tão bem interpretadas e dirigidas, que não há como não se envolver com seus dramas e sua relação de sororidade.

O apuro técnico é outra qualidade de "Coisa Mais Linda": tudo muito lindo mesmo. Cenários, figurinos e arte que retratam o final da década de 1950 com muito capricho e esmero, sem os exageros onde geralmente resvalam caracterizações de época. Trilha sonora original condizente com o que é abordado na trama, e fotografia colorida, quente e aconchegante.

Ainda, um Rio de Janeiro de outrora digno de cartão postal, idílico, quase idealizado – gente bonita e magra na praia e sorridente no morro – "para inglês ver" mesmo, já que a Netflix também aposta na audiência estrangeira. Seria a cidade a "coisa mais linda" do título?

Fernanda Vasconcellos e Gustavo Vaz (foto: Aline Arruda/Netflix)

Eu, particularmente, acho ótimo que séries bebam das novelas e novelas bebam das séries – formatos tão distintos. É uma troca saudável e um exercício e tanto. Porém, por ter o folhetim como condutor narrativo, "Coisa Mais Linda" acaba caindo em pequenos vícios desse tipo de estrutura. A série não consegue escapar da reiteração, do didatismo e do clichê, tão presentes em nossas novelas.

Pode funcionar em novela, pelo formato e pela exigência (mais de 100 capítulos, diários, etc). Em uma série, fica só parecendo ratificação de melodrama latino. Incomoda em "Coisa Mais Linda". Entretanto, não tira sua beleza final tampouco sobrepõe a importância em reverberar assuntos que continuam em pauta cinquenta anos depois. Hoje, as redações de revistas femininas podem até ter mais mulheres que antigamente, mas por que elas continuam menos remuneradas que os homens?

Elenco principal: Maria Casadevall, Pathy Dejesus, Fernanda Vasconcellos, Mel Lisboa, Leandro Lima, Gustavo Machado, Ícaro Silva, Alexandre Cioletti e Gustavo Vaz.
Criação de Heather Roth e Giuliano Cedroni.
Direção geral de Caíto Ortiz.
Produção Prodigo Filmes.
Produtores executivos: Heather Roth, Giuliano Cedroni, Camila Groch, Francesco Civita, Caíto Ortiz e Beto Gauss.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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