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"Espelho da Vida" teria sido uma novela "redonda" se fosse mais curta

Nilson Xavier

01/04/2019 19h17

Alinne Moraes (foto: reprodução)

A Globo encerrou nesta segunda-feira (01/04) sua novela das 18 horas, "Espelho da Vida". Infelizmente, a atração amarga o título de menor audiência no horário desde 2015 (quando foi exibida "Boogie Oogie"): média final de 17,5 pontos no Ibope da Grande São Paulo, abaixo do esperado para a faixa, 20 pontos.

Digo "infelizmente" porque, a meu ver, a produção reúne mais qualidades do que defeitos. Acho mesmo que merecia uma audiência maior. Como sabemos que Ibope não atesta qualidade – mesmo porque pode-se assistir à novela no Globoplay, quando quiser -, ratifico: quem não viu, perdeu uma obra, no mínimo, interessante. Porém, entendo o que afugentou o público da TV aberta tradicional, ou que não lhe despertou interesse.

Geralmente, culpa-se a passagem do ano como vilão para justificar audiências abaixo da média. De fato, devem ser levados em consideração o horário de verão (ainda mais em se tratando de uma novela que passa às seis da tarde, com sol a pino lá fora), as festas de fim de ano e, depois, o carnaval. Entretanto, não são preponderantes: há um ano, a excelente "Tempo de Amar" atravessou o mesmo período e fez bonito no Ibope.

Irene Ravache (foto: reprodução)

"Espelho da Vida" foi duas novelas em uma. Não somente porque apresentou uma trama no passado e outra no presente, mas também porque foi uma até a metade, e outra depois de janeiro, quando a trama "deslanchou". A história começou demasiadamente morosa com personagens pouco cativantes. O seu melhor – o confronto entre as duas épocas – só foi ganhar impulso depois de janeiro.

Porém, acho inconsistente culpar exclusivamente a morosidade da trama durante os meses quentes entre 2018 e 2019. Entende-se a intenção da autora Elizabeth Jhin em alongar-se para apresentar a trama e personagens, mesmo porque a novela tinha uma narrativa que necessitava de tempo para assimilação, com atores vivendo mais de um personagem em épocas distintas, exibidas concomitantemente.

Entretanto, faltaram nos primeiros meses de "Espelho da Vida" o apelo e o calor que a trama só começou a demonstrar quando a história na década de 1930 passou a ocupar maior tempo na narrativa – foi quando a novela ganhou emoção genuína.

João Vicente de Castro e Clara Galinari (foto: reprodução)

Em seu início, o público foi ludibriado com um mocinho que não era mocinho: Alain (João Vicente de Castro). Mal-humorado, egoísta e até grosseiro, Alain custou a cair nas graças da audiência. Ele não era exatamente "o vilão", tampouco um "anti-herói", mas simplesmente um tipo intragável, que afugenta as pessoas, inclusive o público. Alain só começou a perder ares de vilão quando descobriu a filha, Priscila (Clara Galinari).

Em consequência, a heroína Cris (Vitória Strada) ficou sozinha neste tempo, sem a figura do "mocinho". Este, Danilo (Rafael Cardoso), só foi aparecer muito tempo depois, na década de 30, e em doses homeopáticas. Enquanto isso, o núcleo do cinema se estendia com personagens aleatórios. Convenhamos, um núcleo que em nada contribuiu para a novela, nem mesmo para a metalinguagem com proposta de "história dentro da história".

O núcleo do filme (foto: reprodução)

Quando a trama no passado passou a ser priorizada pela autora, "Espelho da Vida" ganhou estofo, dando início à segunda novela. Foi quando suas qualidades afloraram. Vou reiterar o que escrevi há algumas semanas, exaltando o que "Espelho da Vida" teve de bom nesta fase, o que fazia dela a melhor novela no ar:

– A narrativa em duas épocas concomitantes não é inovadora ou inédita, porém é uma abordagem pouco visitada em teledramaturgia, o que conferiu um sabor da novidade à novela. Com um escape sedutor, a história mexe com a fantasia do espectador, acreditando ele ou não em reencarnação ou universos e dimensões paralelas;
– O ótimo elenco, apoiado na direção (Pedro Vasconcelos e equipe) e no texto de Elizabeth Jhin, com grandes atuações, principalmente Vitória Strada, Alinne Moraes, Irene Ravache, Felipe Camargo, Júlia Lemmertz, Suzana Faini, Patrícya Travassos, Ana Lúcia Torre e Emiliano Queiroz;
– A produção de primeira, com apuro técnico, iluminação, arte, figurinos e cenários caprichados e trilha sonora de bom gosto. Uma novela bonita e agradável de assistir;
– E ingredientes folhetinescos bem trabalhados nesta reta final: mocinhos sofredores, vilões terríveis, amor impossibilitado, segredos, mistérios, paternidades desconhecidas e um "quem matou?" original.

Rafael Cardoso e Vitória Strada (foto: reprodução)

Nos primeiros meses, ao subverter a fórmula do folhetim (heroína sem um interesse romântico, apenas uma citação), Elizabeth Jhin traiu um dos seus maiores alicerces: a emoção. "Espelho da Vida" era fria em seu início. Faltou maior habilidade em cativar o público de imediato, com personagens de maior apelo. Aí veio o verão e, com ele, a fome, a peste, a guerra.

Mesmo com todos os percalços, o saldo é positivo. Teria sido uma novela "redonda" se mais enxuta. Muito tempo se perdeu nos primeiros meses com pouca trama consistente. E caímos naquela velha discussão: de que as novelas deveriam ser mais curtas.

Leia também: "5 motivos que fazem de Espelho da Vida a melhor novela no ar";
Stycer: "Aqui se faz, no futuro se paga, ensina trama espírita da Globo";
Feltrin: "Novelas da Globo lideram ibope, mas têm pior momento histórico".

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Irene Ravache e Reginaldo Faria (foto: reprodução)

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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