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Lives simultâneas de Roberto e Henrique e Juliano redefinem termo MPB

Roberto Carlos e Henrique e Juliano fizeram live no mesmo dia - Montagem de fotos de reprodução/TV Globo e Reprodução/Instagram
Roberto Carlos e Henrique e Juliano fizeram live no mesmo dia Imagem: Montagem de fotos de reprodução/TV Globo e Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

19/04/2020 22h05

Que domingo foi esse? Um dia para entrar para a história. Roberto Carlos e Henrique e Juliano, artistas que representam com grandiosidade a verdadeira música popular brasileira, cantando simultaneamente em transmissões na internet. Que me perdoem Marisa Monte, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Mas eles nunca representaram a MPB. Eles cantaram sempre para a elite. Se todos eles se juntarem para uma live, vai ser um desastre.

Esse último século apontou que os conceitos não são estanques, fixos. Tudo muda o tempo todo. Os filósofos mostraram a fluidez de tudo, a falta de pontos fixos, imutáveis. As ideias "líquidas", em constante transformação, não aceitam mais verdades universais, ideias incontestáveis.

A pandemia veio confirmar tudo isso: novas formas de interagir, de trabalhar, de definir conceitos.

A elite intelectual brasileira sempre tratou o termo MPB como algo repleto de qualidades, por isso, até hoje ninguém nunca definiu Henrique e Juliano como MPB. Mas se eles não são os representantes da música popular, eu preciso reaprender a língua portuguesa.

A impressão que eu tenho é que, como o Rio de Janeiro "ditou" as regras da cultura durante muitos anos, só o que acontecia entre Ipanema e Leblon tinha qualidade cultural. Uma baboseira que muitas pessoas ainda acreditam. Desculpem, mas a zona sul do Rio não representa o verdadeiro Brasil e as pessoas precisam parar de dizer que Chico Buarque é MPB, porque não é! Ele representa a elite, da elite, da elite. Ele é clássico. E ponto.

Chico, Gil e Caetano tinham acesso direto à imprensa, a única voz da sociedade antes do advento da internet. Quem não saía no "Jornal do Brasil" e no "O Globo" não existia. Esses veículos ditavam regras, criavam modas, mas que, de fato, só representavam um ínfima parte da sociedade. Há alguns anos, ter uma nota no Ancelmo Gois consagrava um artista. Para um cantor, ir ao "Domingão do Faustão" representava a guinada em uma carreira. Só que nada mais disso faz sentido nos dias de hoje.

A intelectualidade brasileira sempre considerou de baixa qualidade tudo o que era consumido pelo povo. De novela a Roberto Carlos, era tudo piegas. O que era "cool" era ouvir Caetano, mesmo que você não entendesse nada do que ele cantasse. Como se o povo não tivesse um gosto refinado. Este é um conceito baseado em puro preconceito.

Henrique e Juliano tiveram o dobro de audiência de Roberto Carlos. Isso, na verdade, era esperado. O público do "Rei" não tem tanto acesso à internet quanto o da dupla. Mas Roberto também é popular, que o diga dona Rose, a senhora que trabalha há mais de 15 anos na casa dos meus pais. Quem mora na zona sul Rio, como eu, precisa ficar atento o tempo todo para não acreditar que essa "bolha" é o Brasil. E dona Rose me ajuda a colocar os pés bem fincados no chão.

Wesley Safadão teve muito mais audiência no Brasil do que a live criada pela Lady Gaga. Era chique fazer parte da live e dizer que assistiu a transmissão da Gaga? Super, mas querido, o Brasil é o campo, o Brasil é o interior, o Brasil é sertanejo. E a música sertaneja tem qualidade, sim.

O último cidadão que caiu na besteira de achar que a bolha dele representava o Brasil se deu muito mal. Quando Zeca Camargo desdenhou da carreira de Cristiano Araújo foi a prova viva do que pensa a burguesia brasileira. Diferentemente da década de 1980, agora o povo tem voz através da internet. Antes do advento da web, a gente acreditava no que o "Jornal do Brasil" definia como popular. Só que o repórter que escrevera tal reportagem vivia a poucos quilômetros da Avenida Vieira Souto (beira mar de Ipanema), onde mora Caetano Veloso. E esse mesmo jornalista só viajava para o exterior nas férias e não conhecia quase nada do Brasil. Não se interessava em saber o que a gente do Mato Grosso, de Goiás e do Pará estão ouvindo.

A internet derrubou a intelectualidade como a formadora de opinião. Não estou tirando aqui o valor e a qualidade musical de Gil, de Marisa Monte, de Bethânia. Jamais. Só quero coloca-los em seus devidos lugares. Populares, eles não são. Abram os olhos e a mente. Parem de viver de um conceito estabelecido no passado. MPB é hoje a música sertaneja. E tenho dito.

Blog do Leo Dias