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Com 70 anos, o sitcom sobrevive alheio às mudanças na televisão

"The Big Bang Theory" é o programa não-esportivo mais visto nos EUA - Divulgação
"The Big Bang Theory" é o programa não-esportivo mais visto nos EUA Imagem: Divulgação

Em Nova York (EUA)

22/12/2016 12h02

A televisão está em plena mutação, mas os "sitcoms", séries de comédia com plateia e cujo formato se mantém quase inalterado há 70 anos, ainda sobrevive nos Estados Unidos, a exemplo de "The Big Bang Theory", o programa não-esportivo mais visto na última temporada.

Longe dos mortos-vivos de "Walking Dead", das disputas de poder de "Game of Thrones" e de séries dramáticas cada vez mais sofisticadas, a "situational comedy" continua a atrair espectadores com o bom humor do gênero lançado no final dos anos 1940: personagens e cenários recorrentes, situações cômicas pontuadas diálogos rápidos e risadas ao fundo.

Além de "The Big Bang Theory", sem bater recordes de público, "Modern Family", "The Goldbergs" e "Black-ish" são assim renovadas ano após ano pelas grandes cadeias americanas.

E, nesta temporada, uma nova leva de séries desembarcou nas telinhas, liderada pelos clássicos "Kevin Can Wait" e "Man With Plan".

"O gênero está indo bem e espero que isso continue por um tempo", afirma Martie Cook, professora de roteiro para televisão e cinema na Emerson College.

Para ela, essa longevidade se deve ao fato de que as duas grandes molas do sitcom permanecem efetivas na sociedade de hoje: o humor e histórias que são muito semelhantes às nossas vidas diárias, articuladas em torno de uma família, seja ela biológica, recomposta, ou mesmo sem parentesco.

Para Doug Smart, diretor e produtor que filme a cada ano um sitcom com estudantes da universidade de Asbury, "o truque, é criar membros desta família que façam remeter às lembranças dos telespectadores", que se trate do tio chato ou do colega de trabalho.

Família Fuller comemora o Natal em cena da segunda temporada de "Fuller House" - Michael Yarish/Netflix/Divulgação - Michael Yarish/Netflix/Divulgação
Netflix entrou no universo das sitcoms com "Fuller House"
Imagem: Michael Yarish/Netflix/Divulgação


Com a proliferação dos suportes de vídeo, incluindo o surgimento do smartphone, e a produção de programas para nichos de audiência, o sitcom conserva uma função rara: reunir a família.

"São 30 minutos ou uma hora em que você pode se sentar com seus filhos", observa Candace Cameron Bure, heroína da série "Fuller House" do Netflix.

Mesmo a "geração y" assiste a este formato, atraída em parte por episódios de curta duração, de meia hora.

"Talvez eles adorem o imaginário, como 'Game of Thrones', e o drama, mas eles gostam de comédias que estão mais próximas da realidade, com situações cotidianas", observa Doug Smart.

Outra chave para o sucesso dos sitcoms: sua virtude relaxante.

"A gente se senta", diz Martie Cook. "Cortamos o estresse de nossas vidas. E rimos".

"Às vezes eu só quero me sentar e rir de alguma coisa. Eu não quero pensar muito. E é exatamente o trunfo de 'Fuller House'", admite Candace Cameron, personagem central desta série em uma entrevista com repórteres em Nova York.

O estilo teve representantes clássicos e pioneiros como "I love Lucy", "Jeannie é um gênio" e "A Feiticeira". Nos anos 80, houve uma proliferação de títulos, mas nem tanto memoráveis, com exceção de "Bill Cosby Show" e "Alf, o extraterrestre". De 1990 a 2000, ganharam de vez o público, com destaque para "Seinfeld", "Will & Grace" e "The Nanny".
 

Netflix aposta

Evidência da durabilidade do conceito, "Fuller House" foi criado pela plataforma de televisão online Netflix, que por muito tempo manteve distância do gênero.

Entre as poucas evoluções do conceito, o fim das risadas pré-gravadas, a famosa "trilha do riso" caricatura. As risadas, quando existem, vêm de uma verdadeira plateia durante a gravação.

Atores e roteiristas ressaltam que, atrás da rotina aparente, o exercício do sitcom não é nada óbvio.

"Isso pode fazer mal ao ego quando não funciona" e o público não ri, afirma Justina Machado, a heroína de "One Day at a Time", um sitcom que o Netflix lançará em janeiro.

Sob a aparência de superficialidade, Martie Cook lembra que os sitcoms, assim como as séries dramáticas mais sofisticadas, questionam regularmente a sociedade americana.

Seis anos antes da legalização do casamento gay em todos os Estados Unidos, "Modern Family" escolheu entre os personagens de sua "família" um casal de homens, Mitchell e Cameron, pais de uma criança adotada.

Já em fevereiro, um episódio de "Black-ish" abordou frontalmente a questão da brutalidade policial contra negros.

"Quando você fala de maneira engraçada, as pessoas tendem a ser mais dispostas a ouvir", afirma Martie Cook.

"Pode ser que não provoque nenhuma mudança direta", explica Doug Smart, "mas ao longo do tempo, atrai a atenção dos telespectadores" sobre certas questões.