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"Diziam que, no máximo, eu ia cozinhar para marido rico", diz chef de sete restaurantes no comando do "Hell's Kitchen"

À frente de sete restaurantes e do programa Hell"s Kitchen, Danielle Dahoui diz que mulheres precisam ter atitude para conquistar seu espaço na cozinha - Lufe Gomes/Divulgação
À frente de sete restaurantes e do programa Hell's Kitchen, Danielle Dahoui diz que mulheres precisam ter atitude para conquistar seu espaço na cozinha Imagem: Lufe Gomes/Divulgação

13/12/2016 10h04

Desde que começou na gastronomia, há mais de 20 anos, a chef pernambucana Danielle Dahoui enfrentou situações em que foi testada ou desrespeitada por ser mulher.

Em um caso marcante, um cozinheiro de um dos seus restaurantes errou o preparo das carnes. Dahoui chamou sua atenção, mas, depois de ela se afastar, o funcionário falou que "não aguentaria mulher falando no seu ouvido".

Como o cozinheiro continuou a cometer o mesmo erro, a chef reclamou mais uma vez. Desta vez, o funcionário falou o que pensava diretamente para ela.

"Ele disse que nem a mãe dele falava daquela forma com ele e que não seria uma mulher que faria isso, enquanto segurava uma faca na minha direção. O cara nunca faria isso com um homem", diz Dahoui, em entrevista para a BBC Brasil.

"Na hora, o peguei pelo dólmã (o uniforme usado por cozinheiros) e o joguei em cima da chapa. Nunca faria de novo, porque ignorância só gera ignorância. Hoje, me acalmaria e o chamaria para conversar."

Esse tipo de preconceito vem sendo debatido dentro e fora das redes sociais após mulheres participantes do MasterChef Profissionais, uma competição de culinária exibida pela Band, reclamarem de atitudes machistas por parte dos concorrentes.

Em um momento do programa, por exemplo, Dayse Paparoto, que disputará a final do programa nesta terça-feira, participava de uma prova com dois homens em sua equipe quando sentiu-se ignorada por Ivo Lopes, seu colega de time.

Dayse protestou: "Tá, então, eu fico aqui só olhando, é isso? Você quer fazer o legume, o cordeiro, o tomate... Quer fazer tudo". Ouviu de volta que "deveria pegar uma vassoura e varrer o chão". Dayse tinha trabalhado sob seu comando em um restaurante de São Paulo antes de os dois participarem do programa.

Dayse e Marcelo, finalistas do "MasterChef Profissionais" - Divulgação/Band - Divulgação/Band
Dayse e Marcelo, finalistas do "MasterChef Profissionais"
Imagem: Divulgação/Band
As declarações provocaram alguma polêmica na mídia brasileira e nas redes sociais. Ivo foi eliminado do programa na semana de 29 de novembro, por decisão dos jurados do programa.

"É complicado julgar, porque é tudo editado, mas a Dayse não deveria ter ficado quieta depois disso", avalia Dahoui.

"Deveria ter dito: 'Vai você, que eu vou fazer isso aqui!'. Uma mulher na cozinha não pode sair chorando ou ficar reclamando da forma como falam com ela. Precisa ter atitude e personalidade para conquistar seu espaço."

Foi assim, diz Dahoui, que ela conseguiu tornar-se um dos nomes mais respeitados do ramo atualmente no Brasil. "Quando entro em uma cozinha, vou lá e faço de tudo. Quando o cara vê, já estou mandando no fogão."

A chef é dona de sete restaurantes em São Paulo e no Rio de Janeiro e a primeira mulher a comandar o reality-show de culinária Hell's Kitchen - Cozinha Sob Pressão, programa de origem britânica produzido em mais 13 países e exibido no Brasil pelo SBT.

"O mundo é um lugar machista, e a cozinha profissional não é diferente. Veja que, em pleno 2016, sou a primeira mulher a ocupar esse posto", afirma Dahoui. "Até agora, os chefs à frente desses programas sempre eram homens maus e fortes e mulheres fofas. Até mesmo a Paola (Carosella), uma chef nota mil, é a boazinha, a que chora ali no MasterChef."

"A chef está de TPM"

Dahoui, de 47 anos, teve de lidar com o descrédito em relação às mulheres em cozinhas profissionais logo que começou, na França, para onde foi aos 23 anos, após decidir trabalhar com gastronomia.

"Sempre olharam torto para mim. Riam na minha cara quando eu dizia que queria ser chef. Falavam que eu nunca ia conseguir e que, no máximo, ia cozinhar para marido rico. Fizeram de tudo para eu desistir - e eu não caí. "

Em outro episódio daquela época, Dahoui almoçava com a equipe quando percebeu que a comida estava muito apimentada. Como ninguém mais na mesa demonstrava algum incômodo, não comentou na nada. "Na verdade, tinham colocado pimenta no meu prato. Depois, até vieram me cumprimentar dizendo eu tinha sido guerreira", relembra.

Dahoui voltou ao Brasil em 1996, quando abriu o bistrô Ruella, inspirada pela experiência francesa. Mas ser a dona do cardápio não a blindou contra atitudes assim.
"Quando voltei ao Brasil, meus funcionários tinham muita dificuldade de me respeitar, porque, para eles, receber ordens de uma mulher era muito difícil, ainda mais de uma tão jovem."

Certa vez, chamou a atenção de um garçom de seus restaurantes, porque ele estava conversando no caixa de costas para o salão. O funcionário não deu ouvidos. Dahoui reclamou de novo e o ouviu dele: "Ih, a chef está de TPM hoje".

Ela retrucou na mesma hora: "Sou mulher e, pelo menos, tenho essa desculpa. E você que é homem e não pode usar isso para justificar sua falta de profissionalismo?". "Nunca mais se repetiu", diz Dahoui.

"Mulher feliz incomoda"

Dahoui diz não ter testemunhado no Hell's Kitchen alguma situação de preconceito explícito. Acredita que, com a mudança de comando - ela substituiu o chef Carlos Bertolazzi, que estrelou a atração até a terceira temporada - e novo slogan ("lugar de mulher é onda ela quiser, até na cozinha"), não há espaço para esse tipo de comportamento.

Mas houve um momento em que notou uma pitada de machismo na cozinha do programa. Neste reality-show, homens e mulheres ficam em equipes separadas por boa parte da temporada. "Quando os times se uniram, os homens reclamaram, porque achavam que estava bom trabalhar em uma cozinha só deles", diz ela.

"Uma mulher pulando de felicidade incomoda, dizem que ela está com fogo. Um homem pulando está 'amarradão'. Se uma mulher grita, ela está com TPM. Se é um homem, ele é machão. São cenas diárias e cotidianas."

Dahoui dá como exemplo seus próprios restaurantes. "Quando contrato uma mulher, sempre querem que ela faça a sobremesa e a salada ou que lave a louça ou faça a faxina. E olha que eles tem como chefe uma mulher que já provou ser capaz, tem sete restaurantes sem nunca um deles ter falido", comenta.

"Trabalhar na cozinha é árduo, exige ficar de pé por oito horas, lidar com faca, aguentar o calor. E demanda força física, algo que homens têm mais do que mulheres. Mas nós temos força suficiente. Precisamos nos esforçar mais, mas damos conta."

A chef diz que, ao flagrar algum preconceito na sua cozinha, puxa o funcionário de lado para conversar. "Falo para ele: 'Pensa na sua mãe. Tem filhas? Pensa nelas'. Explico a função de cada pessoa da equipe e lembro que todos temos de fazer de tudo. Hoje, sou proprietária, mas comecei lavando louça. Se conversamos sobre o assunto, as coisas vão mudando", diz.

"Temos de parar de questionar se esse preconceito existe. Está mais do que provado. Precisamos é falar sobre isso. E, ao se deparar com machismo, a mulher deve parar, respirar e dizer: 'Acredita em mim, porque eu vou fazer um bom trabalho e você adorar'."