A atriz que deu o primeiro beijo - e o primeiro beijo gay - na TV brasileira
'Meu marido ficou meio assim, meio esquisito, mas concordou', relembra atriz Vida Alves sobre cena em novela pioneira que teve sua estreia há 65 anos.
A primeira novela brasileira completa 65 anos no dia 21 de dezembro, data de sua estréia. Sua Vida Me Pertence, estrelada por Walter Foster e Vida Alves na extinta TV Tupi em 1951, foi a precursora do que se tornaria um produto de exportação do Brasil e forte elemento de identidade cultural.
A novela também trouxe outro marco importante: o primeiro beijo da TV brasileira, protagonizado por Foster e Alves, transmitido ao vivo. Como não havia videotape, não há registro dessa cena.
"As novelas eram mais simples que as de hoje", lembrou a atriz Vida Alves em depoimento ao programa Witness do serviço mundial da BBC. "Não passavam todos os dias, só duas, três vezes por semana, porque só assim podiam ser transmitidas. A TV era muito pequenina. Só havia programação noturna."
Sua Vida me Pertence ainda tinha no elenco Lia Aguira, Lima Duarte e Dionísio Azevedo.
A atriz é uma pioneira em vários aspectos: também protagonizou o primeiro beijo gay da TV brasileira, em 1963.
Nascida há 88 anos na cidade mineira de Itanhandu, Vida radicou-se em São Paulo.
"Sua Vida Me Pertence foi a primeira novela que eu fiz", diz, acrescentando que o autor era Walter Foster - que além de galã e protagonista da novela, também era diretor da TV Tupi.
"O primeiro beijo precisou de autorização do meu marido, é claro".
Vida era recém-casada e Walter Foster era um amigo muito próximo do casal.
"Nós morávamos bem perto, a um quarteirão de distância".
"Foi um beijo técnico. O Walter Foster apareceu na minha casa e disse: vamos ensaiar. Meu marido ficou meio assim, meio esquisito, mas concordou".
Sob o olhar do marido e na sala de estar de Vida, os atores ensaiaram o que viria a ser o primeiro beijo da TV brasileira.
"Walter ficou de pé, fez um carinho no meu cabelo, no rosto, no braço e encostou os lábios de leve nos meus. Eu fiquei ali, quietinha, esperando... e não aconteceu nada. O Walter disse: pronto".
A atriz lembra que o marido perguntou se o ensaio não ia continuar e Walter Foster respondeu que não, porque eles estavam prontos para a cena.
"Não foi uma coisa diferente demais. Era um beijo simples, não uma bitoca como falam hoje em dia. Não era uma coisa espantosa, barulhenta. Era apenas um encostar de lábios", descreve.
"O beijo não chegou a ser muito falado nos jornais e rádios. Não pensei que fosse ser uma coisa importante. Era um trabalho como outro qualquer".
Beijo gay
A TV Tupi também apresentava o programa Grande Teatro, com adaptações de peças de teatro e romances literários.
"O teleteatro foi um trabalho feito com todo o capricho. Não era fácil fazer TV porque era ao vivo. A gente tinha que saber de cor todas as falas. A nossa e a fala do outro".
Vida Alves foi pioneira novamente no teleteatro A Calúnia, quando protagonizou um beijo gay com a atriz Geórgia Gomide, o primeiro da TV.
Os teleteatros eram espetáculos com começo, meio e fim exibidos em uma noite só, com duas horas de duração.
Em A Calúnia, Vida e Geórgia interpretavam as diretoras de um colégio de meninas adolescentes.
No enredo, uma das alunas espalha que as duas eram amantes. Revoltados, os pais promovem uma debandada do colégio, que é obrigado a fechar.
No dia em que a escola fecha, as diretoras se olham, "de uma forma muito terna e se beijam".
"Elas, que até então não tinham qualquer envolvimento, perceberam que realmente se amavam. E assim foi o primeiro beijo gay da televisão brasileira", contou Vida, em entrevista de 2011 à revista Época.
Avó da cantora Tiê, a atriz é uma das fundadoras da Associação dos Pioneiros da Televisão (Pró-TV) e durante muito tempo se dedicou ao Museu da Televisão Brasileira, em São Paulo.
Em 2014, aos 86 anos, Vida Alves viu de casa o beijo gay entre Félix e Niko na novela Amor à Vida. A cena foi então alardeada como o primeiro beijo gay da TV aberta brasileira no horário nobre.
"São coisas que existem, e se bem focadas e realizadas, contribuem para uma sociedade mais aberta e mais consciente", disse na época.
A trajetória da atriz é contada na biografia Vida Alves - Sem medo de viver, de Nelson Natalino, lançado em 2013 pela Editora Imprensa Oficial.
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