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Ricardo Feltrin

Análise: Silvio, Macedo e Justus, os "poderosos" que duvidaram do ibope

Roberto Justus, apresentador do reality "O Aprendiz", da Band - Divulgação/Band
Roberto Justus, apresentador do reality "O Aprendiz", da Band Imagem: Divulgação/Band

Colunista do UOL

29/05/2019 06h12

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A semana começou com a repercussão da entrevista que Roberto Justus deu à coluna de Mônica Bergamo, da Folha, na qual colocou sob suspeita a lisura da medição de audiência da TV brasileira, hoje feita pela empresa Kantar Ibope Media.

Por trás do súbito ataque de Justus estão os péssimos números de seu reality show na Band, "O Aprendiz". O programa chegou ao ínfimo índice abaixo de 1 ponto no país (cerca de 254 mil domicílios), como demonstrou o colunista Maurício Stycer, do UOL.

Silvio x Ibope

Justus não foi o primeiro e provavelmente não será o último "poderoso" da TV a atacar a empresa que mede audiência de programas e publicidade de TV aberta e paga (e rádio).

Duas décadas atrás, Silvio Santos foi o primeiro a duvidar dos dados do ibope. Ao ponto de investir e tentar trazer ao Brasil uma empresa concorrente, a Nielsen. Objetivo era mostrar que Globo era beneficiada. A empreitada acabou não dando em nada.

Dez anos atrás foi a vez de a Record, de Edir Macedo, por meio de seu então vice-presidente artístico, Honorilton Gonçalves, mover ação contra o Ibope. O motivo era outro: Gonçalves acusou o Ibope de lhe vender um serviço então inútil: o "realtime" (a medição de audiência em tempo real).

Record x Ibope

Explico: na ação, a Record provou que, em 2012, por exemplo, os dados do "realtime" só se repetiram na medição consolidada num único dia daquele ano. Ou seja, nunca "batiam". Então a pergunta era: por que o Ibope vende para nós, por uma fortuna, um serviço que não serve para nada?

Já nesta década o Ibope foi novamente desafiado quando uma joint-venture formada pelas TVs Record, SBT e RedeTV (Simba) investiu milhões de reais para trazer para o Brasil a empresa GfK.

Simba x Ibope

Empresa alemã de medição de audiência, rival do Ibope, a GfK foi criada em Nuremberg nos anos 1930, por um grupo de intelectuais e cientistas. Hoje ela é uma potência na União Europeia.

A GfK parecia então ser a grande esperança de "desmascarar" o Ibope no Brasil, que sempre deu liderança à TV Globo.

Em pouco mais de 3 anos aqui, a GfK pediu o boné e deixou o Brasil derrotada, humilhada e sem provar com seus próprios números que os da rival estavam errados.

Pior: ainda teve de indenizar os canais da Simba em cerca de R$ 40 milhões, por rescisão de contrato. Definitivamente um vexame corporativo histórico.

A diferença é que, com exceção de Justus, as "ações" anteriores foram contra "outra" empresa chamada Ibope, ou com ela em processo de transição.

O Ibope como o conhecíamos, aquele que foi alvo de ataques de Silvio, Macedo e Marcelo Carvalho (RedeTV), não existe mais. Acabou no final de 2014 quando foi vendido para o Grupo Kantar Media --parte da WPP, maior conglomerado de publicidade do mundo.

O azar --se é que se pode dizer isso-- da GfK foi chegar ao Brasil no momento em que a tecnologia da Kantar passou a ser implantada na medição de audiência da mídia brasileira.

Ibope na eleição e na TV

Muitas pessoas têm o hábito de criticaar pesquisas de Ibope e as acusam de errar previsões em eleições, por exemplo.

Não posso falar sobre metodologia eleitoral, mas não há como compará-la com a de telespectadores.

Uma eleição envolve uma série de variáveis que não existem quando você faz medição com "peoplemeters" nas casas das pessoas. O aparelho sabe quem está assistindo, o que está assistindo e por quanto tempo; se mudou de canal; se está usando a TV para jogar videogame. Não é uma previsão, mas uma compilação de dados existentes, de fatos.

Como jornalista que cobre TV há mais de 20 anos, posso dizer que a grande diferença entre a expressão "dados de ibope" sem Kantar e com ela é que hoje eles são realmente confiáveis.

A Kantar ampliou o número de residências com aparelhos aos milhares no país; refinou sua metodologia e sua captação de dados (até disponibilizou parte deles ao público em geral); se tornou transparente com a imprensa especializada; elevou o nível de sua metodologia e de seu serviço.

Hoje a variação entre o chamado "realtime" e os dados consolidados de audiência dos programas de TV é mínima.

A empresa que Justus --um publicitário renomado-- colocou em desconfiança na entrevista à Folha nunca deu motivos (tampouco dados) para isso.

Talvez valha a pena também tentar a autocrítica como apresentador. Ou no mínimo admitir que pode ser um grande erro apostar que celebridades de internet dão algum ibope na TV.

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