Calligaris diz que semelhanças com protagonista dão credibilidade a "Psi"
Carlo Antonini, o psicoterapeuta criado pelo psicanalista Contardo Calligaris, retorna às telas da HBO neste domingo (4), quando estreia a segunda temporada da série “Psi”. E comparações entre o criador e seu personagem, que apareceu pela primeira vez no livro “O Conto do Amor”, são quase inevitáveis – principalmente ao se ver o cabelo grisalho e encaracolado adotado pelo ator Emílio de Mello para a série.
“É o que todo mundo diz”, brinca Calligaris em entrevista ao UOL durante uma visita da reportagem ao set de filmagens da série. “Eu acho divertido. Até porque as pessoas vem uma certa semelhança física que eu não vejo. Durante os quatro meses de gravação teve o meu aniversário e o dele, então cada um ofereceu ao outro um bolo com duas fotografias bastante ridículas”.
Semelhanças físicas ou não à parte, o autor vê muito de si no Carlo interpretado por Emílio. “Acho que Emilio realmente encarnou uma personagem que tem vários lados parecidos comigo – não sei se é comigo ou com qualquer um que realmente tenha um tipo de experiência clínica, que seja um cara que não tem muitas emoções, que dificilmente acha surpreendente qualquer coisa que seja, que tem um olhar para o mundo que não é, mas poderia facilmente ser cínico. É quase um olhar de compaixão e empatia, mas ao mesmo tempo sem sentimentalismo.”
E a credibilidade da história só tem a ganhar com as similaridades entre criador e criatura, acredita o psicanalista, que é diretor-geral e corroteirista da série. “Isso eu acho, francamente, ótimo. Até porque na construção de uma narrativa, se você reconhece um certo parentesco com o protagonista é uma facilidade, porque você pode imaginar facilmente como vão ser as reações. Mas é caso de um número enorme das grandes narrativas. Será que existe um romance de Philip Roth em que ele não seja o protagonista? Se ele tem câncer de próstata, você pode saber no romance. Acho que isso foi e continua sendo útil. Dá até uma certa credibilidade inclusive, às reações do Emílio.”
Mas não são apenas as suas características que Calligaris emprestou ao personagem principal. Os casos vivenciados pelo autor ao longo de 38 anos de profissão em cidades como Nova York, Paris e São Paulo inspiraram vários com que Carlo lida nesta temporada -e isso se aplica até ao episódio que traz cenas de exorcismo. “A ideia de que alguém que enlouquece seja endemoniado é uma das ideias mais velhas, mais antigas e mais enraizadas na cabeça das pessoas. A ideia que alguém seja possuído é realmente uma descrição do doença mental tradicional. Para mim, pensar em alguém como possuído pelo demônio, realmente é o dia a dia. E as pessoas não sabem quando não estudam a psicanálise, mas vários grandes psicanalistas, quando me formei, eram padres. Um dos meus melhores amigos era um dominicano vitorino”.
Violência e desejo
Na segunda temporada, o tema central da temporada é a violência em suas várias formas. O primeiro episódio já deixa isso claro ao trazer como principal paciente de Carlo uma mulher que é repetidamente agredida pelo marido e vai parar no abrigo para vítimas de violência doméstica com o qual Carlo e sua colega Valentina (Claudia Ohana) se envolvem.
“No fundo, o primeiro motivo é que a gente queria subir o tom da dramaticidade, e a violência é um excelente meio de fazer isso”, explica Calligaris. “E nos interessava mesmo mostrar a violência como uma parte do cotidiano de todos, ou uma potencialidade do cotidiano. Mas temporada acabou sendo menos violenta do que em seu design. Ela acabava com Carlo matando alguém”.
Ao invés de um assassinato, porém, Carlo deve acabar a segunda temporada tendo de lidar com a solidão. “O tema central do décimo episódio é o custo do desejo. Parece ser a queixa tradicional das pessoas, que elas não sabem o que desejam e não estão dispostas a pagar o preço de seu desejo, e esse preço geralmente é alto, incômodo. Um dos primeiros preços do desejo em geral é a solidão, e isso acaba sendo a conclusão dessa temporada”.
Tendo estreado na TV com “Psi”, o psicanalista vê uma evolução dos trabalhos em relação à primeira temporada. “A segunda temporada é filmada de uma maneira muito mais interessante. Acho que a escrita é melhor também. Claro, você vai evoluindo e aprendendo, mas também porque tem muito mais cinema e muito menos fala, o que é surpreendente em uma serie que é a história de um psicanalista”, diz ele, que escreveu nove versões do roteiro com Thiago Dottori e os revisava sempre nos dias anteriores às gravações.
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