Cobertura do Carnaval exige pesquisa, pique e muda rotina de apresentadores
Celso Portiolli passa as noites à base de shakes porque não tem tempo de comer. Patrícia Maldonado leva tampões de ouvido para não passar a madrugada cantando os hits do axé (que ela adora) e conseguir dormir um pouco. Fatima Bernardes se hospeda num hotel nos dias de transmissão para ficar focada nos estudos. Pode parecer que o Carnaval é só curtição, mas os âncoras da televisão que transmitem a festa ao vivo se viram como podem para aguentar o pique da ralação e garantir que não faltem confetes - e informações - para os foliões de sofá.
Assídua no evento em Salvador, que frequenta há 16 anos e cobre desde 2007 no "Band Folia", Patrícia só deixou o posto quando a filha mais nova, Maitê, 4, estava recém-nascida. Até grávida de cinco meses de Nina, 5, ela bateu ponto na Bahia. "Brinco dizendo que antes eu pagava para ir e agora recebo", diz ela, que mora desde junho nos Estados Unidos e este ano sofre com a distância das meninas por dez dias.
Às 17h, a jornalista começa a se arrumar para o primeiro link do dia, no "Jornal da Band". Em seguida, começam as gravações, e à noite tem a transmissão ao vivo, que segue até as 3h. Os exercícios físicos ajudam a manter energia até o terceiro dia - depois, é só amor pela festa mesmo. Mas ela ainda faz questão de dar um pulo nos camarotes para ver os amigos. "Não dá para dormir direto. Trago um creme para ajudar a relaxar e um tampão de ouvido, ou fico cantando as músicas de madrugada. Sei todas! Durmo até 9h30, no máximo, porque quero aproveitar o dia", conta ela, que ainda vai a shows e eventos durante a temporada na cidade.
Já Betinho, seu companheiro de transmissão, há 17 anos na função, prefere se poupar. Segundo ele, é questão de sobrevivência. "Digo sempre para quem vem pela primeira vez que isso aqui é maratona, não é corrida de 100m. Economiza voz, não fica pulando, não se empolga. Se não, fica maluco", diz ele, que sempre foi à folia de Salvador a trabalho.
Logo em sua estreia o apresentador aprendeu que a cobertura exige muita pesquisa, ao contrário do que a maioria pensa. Afinal, o Carnaval baiano vai muito além dos clipes que bombam no YouTube - conhecer a cultura afro e os lugares cantados em muitas canções locais são parte fundamental do trabalho. Daí o interesse dele em conversar com gente que entende do riscado, como Daniela Mercury, Margareth Menezes, Ricardo Chaves e Durval Lelys, procurar livros antigos em sebos e até correr atrás de um associado dos Filhos de Gandhy para conseguir emprestado o DVD de um documentário exclusivo para poucos.
"Mostrar Ivete Sangalo, Claudia Leitte é fácil. Mas quando passa o Cortejo Afro, o Muzenza, muita gente não tem ideia do que representam. As pessoas desconhecem a história do Olodum. No meu primeiro ano, ouvi pelo ponto eletrônico que iam exibir um VT de 13 minutos dos Filhos de Gandhy. Disseram: 'Por favor, cubram'. Isso foi há 18 anos, não se podia 'dar um Google'", lembra ele, que dividia a transmissão com Fernando Vanucci. A dupla foi salva pela colega Rosana Jatobá, então repórter da Band Bahia, que estava nos bastidores, e passou preciosas informações.
Ainda assim, eventuais gafes em transmissões ao vivo que duram horas a fio são inevitáveis. Como na vez em que Betinho errou a cidade natal de Beto Jamaica, no auge do É o Tchan, e foi massacrado. "Com essas novas tecnologias a gente passa por umas também. Recentemente tinha que postar nas redes sociais e apresentar. Fiz um post dizendo 'Como sempre linda e maravilhosa, parabéns, Claudia Leitte', com uma foto da Ivete Sangalo. Esse foi clássico", conta.
Conversas com historiadores e taxistas
Nas transmissões dos desfiles das escolas de samba, na Globo, a rotina de apresentadores como Fatima Bernardes e Luís Roberto, no Rio, e Chico Pinheiro e Monalisa Perrone, em São Paulo, inclui acompanhar escolhas dos enredos, dos sambas e as eventuais trocas de profissionais entre as agremiações ao longo do ano. Um mês antes, carnavalescos, coreógrafos das comissões de frente, mestres-salas, porta-bandeiras, mestres de bateria e puxadores viram as principais fontes nas visitas aos barracões. Na quinta-feira anterior aos desfiles, a equipe se reúne para um ensaio em que todos os posicionamentos e todo sistema de som são checados.
"As escolas preparam para entregar à Liga das Escolas de Samba o que eles chamam de 'abre alas', que é todo desfile detalhado passo a passo, com a defesa do enredo, a argumentação histórica, e isso também serve como material de pesquisa. Se tenho alguma dúvida, volto a checar com o historiador que está trabalhando com a escola. Mas é importante ficar bem fiel à angulação que eles vão dar, porque os enredos são muito amplos e cada um escolhe um fio condutor", conta Fatima, que considera seu primeiro ano na Avenida, em 1989, ainda como repórter, o mais marcante.
Poupar a voz e esticar as horas de sono ao máximo são as regras para se manter com energia durante a transmissão - mas a adrenalina do ao vivo ajuda a espantar o cansaço.
"Normalmente, no segundo dia, eu consigo ficar na cama entre oito da manhã e cinco da tarde. O sono é o melhor remédio pra voz. Mas como o som é muito alto, exercícios de fonoaudiologia ajudam muito", conta Luís Roberto, que chega ao estúdio por volta das 18h.
Âncora que divide a cobertura do "SBT Folia" com Ticiana Villas Boas e Helen Ganzarolli, Portiolli conta com as reuniões de equipe, uma semana antes, e o suporte da direção durante as horas ao vivo para se sentir seguro. Mas ele também gosta de colher informações com os locais.
"Converso geralmente com taxistas, garçons e pessoal que trabalha no hotel e vive de perto o Carnaval da Bahia", diz ele. "Sou da época do Carnaval de salão. Curti uns dois carnavais na minha vida, o resto já trabalhei em transmissão de rádio. Gosto de ver e sentir o clima dessa festa", conta.
Como boa baiana, Ticiana inaugura a cobertura na sexta-feira usando branco. A jornalista, que já fez quatro transmissões pela Band, volta à folia este ano pelo SBT. Envolvida com as gravações do reality "BBQ Brasil", que estreia dia 13, a apresentadora diz que não teve tempo de preparar o físico nem fiscalizar a dieta antes da rotina acelerada. Por sorte, vai ter até mais tempo livre agora - e poder curtir a família, que é de Salvador. Podem invejar: ela diz que vai acordar, dar um mergulho no mar, almoçar e só depois trabalhar.
É com os parentes que ela se atualiza sobre o universo musical da festa, que ela só redescobriu a trabalho, aos 21 anos. "Na minha fase adolescente eu era da turma meio bicho grilo, metida a intelectual. A gente curtia MPB, rock alternativo do Rio Vermelho, gostava de viajar nessa época e fazer trilha", conta.
Traduzir a grandiosidade e a animação do evento é o principal desafio para ela. "Não é fácil fazer transmissão do Carnaval de Salvador, não tem o espetáculo dos carros alegóricos do Rio, por exemplo. É um Carnaval mais para se curtir do que para se ver. Então o desafio é fazer com que o telespectador viva essa festa como se estivesse lá", conta.
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