Ativista, atriz resgata personagem Filó para mostrar tragédia no Rio Doce
Oh! E agora, quem poderá me defender? Não, não é o Chapolin Colorado e tampouco algum super-herói de habilidades fantásticas. Recorrendo à personagem mais popular que jé fez na carreira, Gorete Milagres viu com os olhos de Filomena a difícil realidade de quem tenta se reerguer da tragédia provocada pelo rompimento das barragens da mineradora Samarco. Usando do poder do humor, a comediante conseguiu livre acesso a histórias de quem ainda sofre os reflexos da lama que, ela diz, tornou amargo o rio que um dia foi doce.
Ao lado do fotógrafo italiano Domenico Pugliese, que se tornou seu companheiro de aventuras após uma viagem a Cuba, a atriz percorreu sete cidades mineiras (Mariana, Barra Longa, Governador Valadares, Resplendor, Regência e Rio Doce) diretamente afetadas pelo crime ambiental e documentou em vídeo, publicado em seu canal no YouTube, as consequências da morte do Rio Doce para indígenas, pescadores, surfistas, gente que vive da agricultura e cidadãos em geral.
“Em Regência, senti que estava saindo de um enterro. A morte do rio envolvendo um monte de gente. Olhava para os olhos de cada pescador, e aquilo me machucava muito, ver as plantações e o rio mortos... Faz você pensar, esse pode ser o fim do mundo. Um monte de indústria poluindo tudo e tudo morrendo. Eu me vi à beira do fim e me emociono até agora porque é uma dor que não passa. Eu sei que eles estão lá”, lamenta ela, que define-se como alguém tão sensível a tragédias que evita até mesmo assistir à televisão.
No município de Governador Valadares, ela diz ter compartilhado uma dor difícil de suportar.”Lá é muito quente, e eu senti muita sede junto com as pessoas. A pior sensação do mundo é estar num lugar muito quente e sentir sede”, conta a atriz, que se tornou atração na fila de pessoas que se organizavam para que cada uma pudesse receber, de uma igreja que concentrava as doações, o seu galão de água potável.
Sem saberem a quem mais recorrer, muitos foram os que lamentaram suas desgraças para a empregada doméstica caricata, de sotaque mineiro carregado, maquiagem reforçada e figurino tipicamente caipira que ficou famosa pelo bordão “ô coitado” e ganhou programa próprio no SBT, no final da década de 90. A identificação tão logo chamou atenção de Pugliese, que pela primeira vez testemunhou a amiga interagindo com outras pessoas na pele de Filó. “Como vocês dizem, ela chega chegando. Todo mundo se apaixona por esse personagem. Ela tem essa facilidade de se aproximar do povo, que fala a mesma língua dela. A Filó consegue penetrar e tem um potencial de mudar as coisas. Na brincadeira, ela fala a verdade”, diz.
“Se consigo com ela [Filomena] fazer um trabalho de utilidade pública e ainda levar um pouco de alegria, poxa, tenho na mão quase uma dádiva. É uma esperança e ameniza a dor”
Atriz Gorete Milagres
Valendo-se do seu superpoder, Gorete fez de sua Filomena um catalisador de alívio e até tirou risadas mesmo naquela situação adversa e pouco propícia à esperança. “O humor é necessário quando há tristeza. Se consigo com ela [Filomena] fazer um trabalho de utilidade pública e ainda levar um pouco de alegria, poxa, tenho na mão quase uma dádiva. É um presente que o universo me deu, para mim e para as pessoas. Rir é o melhor remédio. É uma esperança e ameniza a dor”, afirma.
O fazer rir também vem acompanhado de indignação. Como uma porta-voz das injustiças sociais, ela protesta e faz seu alerta à população: “Não pode passar quatro vezes por dia na televisão que a água é boa para consumo e as pessoas serem enganadas. Isso é uma coisa revoltante. Há sessenta dias, em Governador Valadares, já estavam tratando a água para banho e limpeza das casas. E tinha gente reclamando de coceira. O consumo é também para o banho. Isso é uma falta de respeito com o ser humano”, protesta.
Filó no cinema: "Não poso fazer um filme só para fazer rir"
Engajada em trabalhos voluntários muito antes de levar a Filó para a TV, quando visitava doentes em leitos de hospitais, Gorete Milagres diz que a jornada às cidades que margeiam o Rio Doce a fez repensar no potencial da personagem, que ela já sabia possuir, mas agora pretende explorar ainda mais.
“Essa tragédia me alertou de que eu preciso me empenhar em mais causas, me dedicar mais a conscientizar o povo que é tão ligado na minha personagem para sobretudo informar e educar. O governo e a televisão não fazem isso”, alerta ela, que já pensa na próxima bandeira que irá defender. “Tenho vontade de ir com a Filó para a Amazônia a uma comunidade que produz alimentos sem agrotóxicos. As pessoas não têm noção de que somos o segundo maior país do mundo que consome organismos geneticamente modificados. Daqui a pouco, a terra vai estar morta”, diz ela, que recebeu convite de uma ONG para apresentar o documentário feito em Minas nos Estados Unidos. “Vai ser um evento da Terra Brasil Foundation sobre água contaminada em Nova York”, conta.
Enquanto se desdobra em novos projetos sociais, a atriz fala do sonho de levar sua Filomena para os cinemas, de forma que comungue com a missão social da personagem. “Não posso fazer um filme só para fazer rir, mas jogar um assunto no ar. Depois do programa [‘Ó Coitado’], Filó se alfabetizou, tirou a barriga, tratou os dentes e montou uma empresa. Fez muitos cursos, virou governanta mensalista e abriu a própria empresa, mas continua com a mesma essência. Ela vai passar por isso tudo, contar a história dela do princípio até onde vai chegar. Quero fazer algo grande, interessante”, afirma a atriz, que está trabalhando no roteiro e negociando com produtoras a realização do longa.
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