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"Queriam que Xica da Silva fosse uma branca que tomasse sol", diz autor

Taís Araújo como Xica da Silva, em novela de Walcyr Carrasco em 1996 - Alexandre Campbell/Folhapress
Taís Araújo como Xica da Silva, em novela de Walcyr Carrasco em 1996 Imagem: Alexandre Campbell/Folhapress

Janaína Nunes

Colaboração para o UOL

15/03/2016 18h45

Alvo de críticas nas redes sociais depois que a atriz Flávia Alessandra divulgou uma imagem em que Marco Nanini aparece pintado de preto nos bastidores de "Êta Mundo Bom", o autor Walcyr Carrasco diz que "a onda do politicamente correto se confunde com uma repressão às manifestações criativas", garante que a cena vai ao ar sem alterações e lembra que foi pioneiro ao colocar uma negra como protagonista, em "Xica da Silva". 

Na foto, publicada por Flávia no começo do mês, o ator Marco Nanini, que interpreta o professor Pancrácio, aparece pintado de preto ao lado da própria Flávia e de outras atrizes do folhetim. A cena em que o personagem utiliza o recurso chamado de blackface para se disfarçar já foi gravada e vai ao ar nesta semana.
 
“A cena estava escrita e gravada. É inocente, de um humor ingênuo e não vejo motivo para mudá-la. Acho que os radicais estão ultrapassando as fronteiras da defesa de problemas que são, sim, existentes para partirem para um tipo de censura. Também crio personagens femininas para o Nanini. Seria o caso das feministas me atacarem para uma pretensa defesa da mulher?", disse o autor em entrevista ao UOL.  
 
Na história, Pancrácio vive disfarçando para pedir esmolas. Walcyr chegou a discutir com internautas usando argumentações semelhantes. "Negro não é fantasia", argumentaram alguns. Um rapaz afirmou: “Negro usado como boneco de chacota dos brancos. Nojo desse racismo camuflado”. Outro disse: “Blackface não tem graça. Racismo é crime”.
 
Nanini pintado de preto nos bastidores de "Êta Mundo Bom" - Reprodução/Instagram/flaviaalereal - Reprodução/Instagram/flaviaalereal
Nanini pintado de preto nos bastidores de "Êta Mundo Bom"
Imagem: Reprodução/Instagram/flaviaalereal
 
Depois de criticar o politicamente correto, o autor fez questão de lembrar aos internautas que foi primeiro autor a colocar uma atriz negra como protagonista, em “Xica da Silva”. A trama lançou Taís Araújo, foi exibida entre 1996 e 1997 na extinta Rede Manchete e teve grande sucesso.
 
Ao UOL, ele foi além e revelou ter sofrido pressões para que a protagonista da história da mulher negra que deixou de ser escrava para virar madame e mulher de um comendador fosse branca. “Na época, eu e o falecido diretor Walter Avancini lutamos muito para que a protagonista fosse uma negra. Havia na direção da emissora um grupo de pessoas que queria colocar uma branca que tomasse muito sol e fizesse o papel. Não aceitamos. Xica da Silva é um símbolo da luta dos negros. Jamais poderia ser uma branca”
 
"Amor à Vida"
Não é a primeira vez que Walcyr Carrasco sofre pressões deste tipo. Durante a novela "Amor à Vida" parte do público fez duras críticas ao autor porque a novela não tinha negros no elenco. Coincidentemente, dias depois após os questionamentos, a atriz Ana Carbatti entrou na trama para viver uma psicóloga. Ela alegou que já estava prevista de entrar na história muito antes da polêmica.
 
“Não teve nada a ver. A novela é feita com muita antecedência. As críticas vêm depois. A atriz já havia sido convidada”, completa o autor. Sobre "Êta Mundo Bom!", o escritor faz questão de ressaltar: "Quero lembrar que na minha atual novela um dos principais personagens é Pirulito, um menino negro. Eu escolhi em homenagem a um dos maiores atores negros que o país já teve: Grande Otelo".