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Em Hollywood, brasileiros ganham a vida dublando novelas hispânicas

A diretora Leila Vieira e o engenheiro de som Danilo Guilherme, com o dublador André Engracia ao fundo - James Cimino/UOL - James Cimino/UOL
A diretora Leila Vieira e o engenheiro de som Danilo Guilherme, com o dublador André Engracia ao fundo
Imagem: James Cimino/UOL

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

25/04/2016 07h00

O sonho de um brasileiro que pretende trabalhar como ator em Hollywood nem sempre acontece da forma que se espera. Em um mercado ultra competitivo, os grandes papéis em séries e filmes de sucesso em geral são abocanhados por aqueles que têm bons agentes e que já vieram do Brasil com uma carreira proeminente na TV e no cinema nacionais — Alice Braga, Wagner Moura, Rodrigo Santoro — ou que cresceram nos Estados Unidos, como Morena Baccarin (estrela de “Deadpool” e “Homeland”).

Mesmo assim, é possível ganhar dinheiro sendo artista estrangeiro na América. E um dos mercados que há algum tempo tem ofertas de trabalho aos brasileiros é o das dublagens. No estúdio Voxx, em Glendale (leste de Los Angeles), brasileiros de diversos estados estão trabalhando com dublagens de novelas hispânicas para o mercado africano, mais especificamente Angola.

A carioca Raquel Urey, 49, veio para a Califórnia em 1993. O objetivo era estudar artes cênicas e seguir a carreira de atriz. “Foi muito difícil por causa do meu sotaque brasileiro. Naquela época Hollywood não tinha essa abertura para a diversidade. Sou da geração pré Jennifer Lopez e Ricky Martin, porque foram eles que abriram o espaço para o mercado de atores latinos e estrangeiros. Quando você vem pra Hollywood para atuar é como ir para Las Vegas para jogar. Você pode ganhar ou pode perder. Eu vim para ganhar!”

O dublador Mauro Blanco, apelidado por amigos de "papa da dublagem" - James Cimino/UOL - James Cimino/UOL
O dublador Mauro Blanco, apelidado por amigos de "papa da dublagem"
Imagem: James Cimino/UOL

Nessas idas e vindas, começou a dublar filmes para companhias aéreas em 1997. “Já fiz ‘Legalmente Loira’, ‘O Aviador’, muitos… Aqui faço duas novelas. ‘Pele Selvagem’ e ‘Voltei a Amar’. Faço quatro personagens.”

Quem já está neste ramo há 19 anos é o também carioca Mauro Blanco, 49, que veio inicialmente para estudar música. “Sou guitarrista e acabei ficando. Estudei teatro por cinco anos. Trabalhei em alguns filmes independentes, fiz novelas aqui. Cheguei em março de 1997. O primeiro filme que dublei foi o ‘Fantasma’, com o Billy Zane, fazendo a voz dele. Também dirigi a dublagem de ‘Cold Mountain’ para DVD no Brasil, fiz a voz do Leonardo DiCaprio em ‘O Lobo de Wall Street’…”

Blanco diz, no entanto, que o mercado é de altos e baixos, pois há épocas que não tem tanto trabalho. Especialmente porque existe uma lei de reserva de mercado para dubladores brasileiros que garante que mais de 70% dos trabalhos sejam realizados em território nacional.

Mesmo assim, a voz de Blanco e de seus colegas de Hollywood poderão ser ouvidas no Brasil, já que uma das tramas hispânicas que eles estão dublando, “Allá te Espero”, será disponibilizada na Netflix. Chamado pelos amigos de “papa da dublagem”, o ator conta que já fez muita voz de fundo de grandes produções, como “Guerra dos Mundos”. “Já teve filme que dublei em 2003 e que recebo cheques até hoje.”

O paulista André Engracia, 41, diz que sempre ouviu que tinha voz de dublador, mas nunca investiu na carreira do Brasil por causa do corporativismo da profissão. “Sempre tinha que fazer um curso muito caro, para então começar a fazer parte de um grupo superseleto. Acabei seguindo para outros caminhos. Um dia vim com uma amiga esperar que ela fizesse um teste para esse trabalho. O diretor de casting me ouviu conversando e me chamou, me botou no estúdio, deram uma cena, fiz a cena. Chamaram a diretora, o dono do estúdio e perguntaram onde eu estava escondido. Conclusão: minha amiga não pegou o trabalho e eu peguei.”

Usurpadora

Durante a reportagem, um dos melhores momentos foi acompanhar o trabalho da diretora Leila Vieira, 28, catarinense de Joinville. Ela veio aos Estados Unidos para estudar direção, mas já na faculdade demonstrou familiaridade com novelas hispânicas. Seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na faculdade de jornalismo foi sobre a novela “A Usurpadora”.

O trabalho, segundo Leila, analisa o sucesso das diversas reprises desta novela e como o SBT usa as novelas “mexicanas” para recuperar seus rankings de audiência de tempos em tempos.

O plano é voltar para o Brasil para dirigir filmes nacionais ou novelas. “Adoro novelas. Assisti ‘A Usurpadora’ cinco vezes. Eu vendia Jequiti porque queria ir no ‘Roda a Roda’. Eu era a loca do Silvio Santos. E isso era mais engraçado ainda porque eu sou de classe média alta. As pessoas não entendiam como eu podia gostar tanto do SBT. E meu estudo mostra que, embora o SBT seja um canal supostamente para a classe C, tem gente das classes B e A que assiste. As pessoas assistem pra zerar o Q.I. mesmo”, conta aos risos.

Ela conta ainda que, ao mesmo tempo em que trabalha, consome o produto da dublagem. Por isso está sempre fazendo comentários sobre a trama e sobre a condução deste ou daquele personagem. “Muitos dos nossos engenheiros de som, que nunca assistiram a uma novela que não fosse da Globo, começam a se interessar. Por pior que sejam, você começa a assistir e fica intrigado.”

Censura

Dublar novelas hispânicas é, além de trabalho, uma diversão. Seja pela atuação exagerada dos atores, seja pela língua espanhola. Por isso, a equipe de dublagem, que inclui também diretores e engenheiros de som, costuma colar na parede do estúdio as frases mais engraçadas que cometam durante o processo.

“Depois de meses dublando aquele personagem, você passa a praticamente pensar como ele. Aí a tradução às vezes vem de uma forma que você, instintivamente, sabe que não é como ele se expressaria. E saem absurdos que, no contexto, fazem sentido. Mas isso não chega a ir para a edição final”, conta Engracia.

No entanto, às vezes é necessário censurar núcleos inteiros, de acordo com as determinações dos países consumidores.

“No caso de Angola, eles têm uma série de restrições. Na novela ‘Allá te Espero’, tem um núcleo com um casal homossexual que foi totalmente cortado. Então, semana passada, o personagem francês que eu interpreto usa muitas drogas. Numa conversa ele dizia: ‘Isso é um cigarro de maconha! Natural…’ Existe a diretriz que não se pode citar maconha. Dublamos como ‘um cigarrinho do diabo’”, finaliza André Engracia.