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Milionários da noite para o dia, nerds viram 'cool' na TV e no cinema

Thomas Middleditch em "Silicon Valley" e Rami Malek, da série "Mr. Robot" - Reprodução
Thomas Middleditch em "Silicon Valley" e Rami Malek, da série "Mr. Robot" Imagem: Reprodução

James Cimino

Colaboração para o UOL, de Los Angeles

17/05/2016 07h30

Houve um tempo em que ser nerd/geek era sinônimo de humilhação, vida sexual quase nula e esquisitice. Isto até que a internet se transformou em uma indústria e aqueles rapazes franzinos, branquelos e super inteligentes começaram a ficar bilionários da noite para o dia. E, como se diz nas redes sociais, parece que o jogo virou, não é mesmo?

De olho neste público, tanto a TV quanto o cinema mudaram totalmente a forma de retratar esse tipo de personagem. Filmes como “A Rede Social” e “Jobs” mostram as histórias dramáticas — e às vezes patéticas — de homens de negócios muito inteligentes, nem sempre motivados pelos mais nobres objetivos, mas que conquistaram o mundo com seus produtos da tecnologia da informação.

Mas é na televisão e nos serviços de streaming que pode-se ver que este tipo de programa se tornou um novo filão de negócios. Que o diga a comédia “The Big Bang Theory”, que já levou nove prêmios Emmy ao retratar o dia a dia de quatro cientistas e suas namoradas mais inteligentes que eles.

Também no ano passado surgiu uma nova favorita, mas na categoria drama (“Mr. Robot”), cujo personagem principal é um hacker metido em um trama que envolve grandes corporações e que levou seu protagonista Rami Malik a receber uma indicação ao Globo de Ouro na categoria melhor ator.

Mas quem faz a grande análise do Vale do Silício, onde estão situadas empresas como Google, Facebook, Twitter, Apple, Microsoft, em que um nerd espinhento vira, da noite para o dia, o dono de uma fortuna de bilhões de dólares, é a produção da HBO “Silicon Valley”, cuja terceira temporada estreou dia 24 de abril.

Eu rio de coisas como esse 'story telling' de que o Snapchat vai mudar o mundo... Só que você usa o Snapchat e percebe que é um negócio que no fundo só serve pra ver foto de piroca  Thomas Middleditch, protagonista da série "Silicon Valley"


Com narrativa de comédia, a série faz uma sátira de um mundo que conserva a essência do nerdismo, que é a excentricidade nos hábitos e comportamentos. Mas o programa vai além ao mostrar como o excesso de dinheiro que é investido em aplicativos que, daqui a um ano, estarão esquecidos ou obsoletos, acaba se tornando banal e extremamente virtual.

“Dez ou 15 anos atrás estávamos fazendo filmes sobre os ricos que comandavam indústrias, usando ternos e trabalhando em bancos. Hoje, se você analisa a vasta maioria de bilionários do mundo está na internet. O dono do Snapchat, que fatura bilhões e bilhões de dólares tem apenas 25 anos”, diz Alec Berg produtor executivo da série, que também já garantiu seus dois Emmys.

Mudando o mundo?

O protagonista de “Silicon Valley”, o canadense Thomas Middleditch, conversou com UOL em janeiro deste ano sobre o fenômeno e brincou: “Mudou muito. Se estamos em um mundo em que um cara como eu pode ser considerado ‘cool’ é graças a essa mudança. O nerd é o novo ‘cool’.”

Apesar do hype, no entanto, Middleditch conserva um certo cinismo sobre a indústria, algo que está sempre muito presente no roteiro da série quando seus personagens ridicularizam as empresas que vendem a ideia de que estão mudando o mundo para melhor.

“Eu rio de coisas como esse ‘story telling' de que o Snapchat vai mudar o mundo, por exemplo. No começo da primeira temporada eles valiam uns US$ 100 milhões, daí recebemos a notícia de que valiam US$ 2 bilhões, US$ 3 bilhões, US$ 5 bilhões. Porque parece que alguém acreditou que aquilo ali seria a sensação do momento. Só que você usa o Snapchat e percebe que é um negócio que no fundo só serve pra ver foto de piroca”, esculhamba o ator.

“Agora, tem coisas”, continua ele, “que eu acho sensacionais, como essa bateria para armazenar energia solar. Esse é um tipo de bilionário que está realmente mudando alguma coisa e que eu gostaria de ser.”

E embora o comentário geral no Vale é de que a série é bastante conectada com a realidade dessas empresas, muitos dos “personagens reais” acham engraçado que se faça piada de sua pretensa filosofia de que há algo mais importante que ganhar dinheiro neste ramo. Quem relata isso é o produtor executivo.

“Eles acham hilário que a gente esteja fazendo piada com o fato de eles acreditarem que estão mudando o mundo. Chegam em mim e dizem: ‘Mas nós estamos mudando o mundo!’ Veja, não posso negar que minha vida é muito melhor hoje em dia porque tenho este telefone. Mas Mark Zuckerberg coloca 99% de seu dinheiro em uma organização que promove caridade para se autopromover como filantropo, só que aplicar dinheiro em caridade é bem diferente de doar seu dinheiro para a caridade”, analisa.

Por fim, Thomas Middleditch explica que aprendeu muita coisa sobre tecnologia, mas que ainda não entende muito bem como uma pessoa fica rica do dia para a noite.

“Aprendi um pouco mais sobre os financiamentos, como algumas empresas despejam milhões e milhões de dólares em certas ideias e por que a Amazon ainda vale tanto, mas perde cada vez mais dinheiro a cada ano. Ok, mesmo trabalhando nesta série eu ainda não entendo completamente como acontece. E sobre as personalidades. Tem o cara que tem uma grande ideia, mas ontem ele era só um cara que trabalhava numa garagem em seu computador. Então é o mesmo cara, mas ele tem US$ 1 bilhão. O que isso significa? Outro dia conheci o cara que criou o Minecraft. Ele é um cara super legal. E ele deu uma festa de US$ 2 milhões em um estádio. É isso…”