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Novos "shows de calouros", musicais dominam espaço na TV aberta em 2016

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo*

11/07/2016 07h00

Prestes a entrar em sua reta final, o quadro "Iluminados", do "Domingão do Faustão", se juntou aos quatro programas musicais que a TV aberta exibirá neste ano – “The Voice”, “The Voice Kids”, "SuperStar" e a versão nacional do “The X Factor”. Pela primeira vez, o cenário é semelhante ao que de grandes mercados como o Reino Unido e os Estados Unidos, já acostumados com os grandes talent shows musicais.

O relacionamento das competições musicais com a TV vem de longa data, quando os shows de talentos das rádios foram levados para a telinha. Apresentadores como Bolinha, Chacrinha, Raul Gil e Silvio Santos promoviam a popularidade dos concursos. Só o “Show de Calouros”, de Silvio, teve uma vida bem longa: ficou no ar de 1973 a 1992, num total de 19 anos.

Com a familiaridade do público, o formato começou a se transformar no início dos anos 2000, na esteira do surgimento do neozelandês “Popstars” e do britânico “Pop Idol” – que viria a dar origem ao longevo “American Idol”, que acabou neste ano após 15 temporadas. A versão nacional do “Popstars” e o reality “Fama” estrearam em 2002, com boa repercussão de público, e ganharam novas temporadas nos anos seguintes.

Mas demorou até que outro formato musical chegasse às telinhas. Isso só foi acontecer com o “Ídolos”, lançado em 2006. O programa ficou sete anos no ar (dois no SBT e cinco na Record) e rendeu dois frutos: O “Ídolos Kids” e o “Astros”, versão não oficial que o SBT produziu após perder os direitos sobre o formato.

O novo grupo de jurados do "The X Factor" é formado por Paulina Rubio, Demi Lovato, Kelly Rowland e Simon Cowell - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O "X Factor" é o último dos grandes realities importados musicais a ganhar versão nacional
Imagem: Reprodução/Facebook

No último ano do “Ídolos”, 2012, a Globo resolveu entrar na briga com o “The Voice”, que havia estreado nos Estados Unidos um ano antes – e ganhou. A final, exibida em dezembro, marcou 14 pontos de audiência, mais do que o dobro da final do “Ídolos”, exibida poucos dias antes. A aposta da Record em 2013, uma versão nacional do “Got Talent”, com Rafael Cortez, não deu certo, e deixou a grade da emissora após apenas uma temporada.

A partir de 2014, a Globo expandiu seus musicais, com a estreia do “SuperStar”, competição de bandas. Nesse ano, veio seu terceiro produto, o “The Voice Kids”, que conquistou elogios do público e da crítica especializada.

Com estreia prevista para o segundo semestre, o “X Factor” é o único dos grandes formatos que ainda não havia ganhado uma versão nacional. E a aposta nele veio motivada por outro produto bem-sucedido da Band, o “MasterChef”. “Normalmente o sucesso de um programa de determinado gênero influencia sim, mas você tem encontrar um equilíbrio. A ideia de trabalhar o próximo talent show que vamos lançar – o ‘X Factor’ – tem em parte a motivação do sucesso alcançado com o ‘MasterChef’. Vamos aproveitar a experiência adquirida em um novo formato”, afirmou ao UOL Diego Guebel, diretor geral de conteúdo da Band.

Surpresa ajuda a explicar sucesso

Um dos reis dos shows de calouros, Raul Gil até hoje dá espaço para os artistas principiantes em seu programa no SBT. Ele tem facilidade em explicar o sucesso dos concursos – que em seu programa têm dado mais audiência do que cantores já conhecidos.

“Se vai cantar um cantor que você conhece, você já sabe que ele canta bem, já sabe do sucesso dele. Mas quando entra uma pessoa, Manoel da Silva, você às vezes fala 'Esse cara tem cara de que não canta nada’, aí abre a boca e o cara canta muito. Como aconteceu com o Rinaldo, Liriel, todo esse pessoal que eu lancei aí. Era uma surpresa, entrava e explodia.”

O 'The Voice' não é nada mais nada menos do que o programa de calouros do Raul Gil, do Silvio Santos
Raul Gil

O produtor musical Rick Bonadio, que foi jurado do “Ídolos” e do “Popstars” e será do “X Factor”, concorda – e diz que o público também gosta de brincar de “produzir” os novos artistas: “O público brasileiro tem um fascínio por novos talentos. A musicalidade é algo forte na vida das pessoas e os programas geram uma grande curiosidade nas pessoas em saber quem são os novos talentos. A chance de poder ver e opinar sobre esse ou aquele cantor também é algo que as pessoas gostam muito. Brincar de produtor na frente da TV é mais do que divertido.”

Na visão do diretor Henrique Mathias, esses motivos também ajudam a explicar a boa recepção do "Iluminados", que ao contrário dos outros programas globais, não tem uma grande marca internacional por trás. "Todo mundo tem um pouco de técnico da seleção ou de cantor. É a coisa do brasileiro, isso de cantar e dançar. E temos também milhões de pessoas que saíram da pobreza e da miséria cantando. O outro caminho, além de ser jogador de futebol, é o meio artístico. As pessoas investem nisso. Tem muita gente que está aqui, que não teve oportunidade e está vendo isso como a grande oportunidade. É uma mudança muito radical. Quando você aparece no domingo, na segunda você tem mais 10 mil seguidores que nunca ouviram falar de você. Todo mundo cria a empatia de 'poderia ser eu ali'."

Críticas e falhas

Raul Gil - Manuela Scarpa/Photo Rio News - Manuela Scarpa/Photo Rio News
O apresentador Raul Gil é um dos pioneiros dos shows de calouros na TV
Imagem: Manuela Scarpa/Photo Rio News

Há anos promovendo concursos musicais, Raul Gil acredita que não haja tanta diferença assim entre os importados e seu quadro – ainda que os jurados do “The Voice” tenham se queixado da comparação, feita por um candidato no palco do programa no ano passado.

“O ‘The Voice’ não é nada mais, nada menos do que o programa de calouros do Raul Gil, do Silvio Santos”, afirmou. “Mais Raul Gil, porque não tem gozação, o ‘The Voice’ é um programa de calouros sério, como eu faço. Não tem gongo, não tem gozação, não tem tiração de sarro, eu sou contra isso. Eu gosto de fazer a coisa séria. Tanto que tem muita gente que começou no meu programa: Gian e Giovani, Simony, Mara Maravilha”.

Apesar do apreço aos musicais, o apresentador não costuma acompanhar os programas inspirados nos formatos gringos. “Eu não acompanho porque eu fico nervoso de ver a forma que eles se apresentam e depois não têm futuro nenhum, vai ficar por ele mesmo, não acontece nada. Eu não gosto nada”.

Para Raul, o fato de muitos dos artistas que foram ao seu programa terem conseguido construir uma carreira se deve justamente ao fato de ele dar apoio aos cantores. “Eles ganham o programa e desaparecem. Não é o meu caso. A pessoa ganha meu programa, eu continuo dando força. Erykah Rodrigues, Liriel, eu continuo trazendo eles no meu programa, com profissionais”, afirmou. “Se a Globo quiser, um vencedor da Globo, eles põem em tudo quanto é programa, até no ‘Fantástico’. Faustão, Luciano Huck, ninguém põe, os coitados ficam procurando outros programas”.

Ele não é o único a apontar falhas no formato. Maria Gadú, recentemente, disse à "Folha de S.Paulo" ter ficado "chocada" com a dinâmica do "The Voice" quando atuou como técnica do programa: "Fiquei um pouco chocada com isso de procurar uma voz. Acho que o caminho artístico não se baseia só nisso. Eu não vi um conteúdo da voz, qual a mensagem que você quer transmitir. Por isso até que eu nem quis participar mais". 

Bonadio, que tentou emplacar um formato diferente no reality “Fábrica de Estrelas” no Multishow, criticou o fato de alguns programas forçarem os candidatos a saírem de seu gênero - caso do “Ídolos”, no qual os competidores tinham de se aventurar em estilos diferentes a cada semana.

“Eu sou a favor de que se mantenha e explore a personalidade natural do artista. Não acho que se deva forçar o candidato a cantar coisas fora de seu estilo. É importante que um formato tenha em suas etapas a divisão de estilos nos candidatos para que eles comprem a atração e não que os candidatos tenham que se moldar para atender as necessidades de audiência do programa.”

Quanto à falta de destaque dos competidores fora do programa, o produtor musical ponta que esse problema poderia ser resolvido se os campeões pudessem lançar seus álbuns mais cedo: “Acredito que apenas falta uma sintonia maior entre os programas e as gravadoras que lançam os ganhadores. O ganhador precisa ter seu trabalho lançado imediatamente após a final do programa. Isso exige uma logística bem complicada, mas funciona. Na época do ‘Popstars’, fizemos isso com o Rouge e deu muito certo. O disco de estreia das meninas vendeu mais de 1 milhão de cópias! Muita coisa está sendo feita nesse sentido e cada vez mais teremos artistas aparecendo depois dos programas”.

Diferentemente dos colegas, Henrique Mathias disse que, apesar de ser satisfatório ver um candidato fazendo sucesso, o jogo também é interessante - e citou como exemplo o caso de Jeferson, vencedor da temporada passada. "Nas audições, o cara chegava com um chapéu de sertanejo e eu pedia para ele cantar um samba. O cara chegava armado, a música que ele ensaiou a semana toda e aqui não é assim. Quando a pessoa chega para mim e fala ‘eu não conheço “Travessia”’, eu falo: vai estudar, tem que saber o que é música brasileira, depois vai ver que é pop, o que já bombou, o que rendeu."

*Colaborou Natália Guaratto