"Justiça": Ator se livra de bigode e diz que estuprador terá fim "violento"
Interpretar um estuprador em sua estreia na TV foi algo transformador para o ator Pedro Wagner, o Osvaldo de “Justiça”. Tanto que ele resolveu tirar o bigode, marca registrada de seu visual há anos, para evitar olhares nas ruas. “Era um tanto difícil porque às vezes eu estava na fila do mercado, e as pessoas falavam: ‘Olha o estuprador”, conta Wagner em entrevista ao UOL.
A trama de Osvaldo, que vem sendo perseguido por uma de suas vítimas, Débora (Luisa Arraes), chega ao fim nesta quinta-feira (22), e Wagner adianta que o desfecho “terá uma potência muito grande”. “Obviamente que talvez seja o mais violento porque está num lugar de um abuso abominável e as consequências são pesadas, mas acredito que segue uma coerência. O texto inteiro da Manuela Dias é como se os botões de uma camisa estivessem sendo fechados. Vai ter uma força. As pessoas podem esperar que a coisa vai ser pesada”, diz.
O intérprete do sombrio pintor Osvaldo não poderia ser mais diferente de seu personagem. Falante e solar, o ator nascido em Garanhuns, interior de Pernambuco, se define como “um aprendiz” do audiovisual. Aos 34 anos, ele se profissionalizou no teatro e faz parte do grupo Magiluth desde 2009. “É minha casa, onde me reconheço”, diz.
Para Wagner, estar em uma obra que discute a violência sexual foi um modo de dizer basta aos abusos contra mulheres. "A questão do estupro é abominável e a série só assume essa coerência dos tempos de hoje porque não dá mais. É isso, não dá mais, estamos todos gritando que não dá mais”, afirma.
O processo de preparação para viver Osvaldo envolveu encontros com a atriz Luisa Arraes, intérprete de Débora, a vítima do crime. “Trabalhar com um ator que você não conhece, num lugar de violência, que exige muita energia, é muito desconfortável”, conta Wagner. Ele, no entanto, afirma que em nenhum momento experimentou conflitos morais por estar na pele de um criminoso sexual.
“Na hora do fazer é o ator. Enquanto eu estou fazendo, eu não estou nessa camada. Estou na concentração, na respiração, na presença, porque eu não posso ter esse moralismo até para isso não me afetar. Se eu fizer um assassino psicopata, se eu fizer um fascista se eu fizer um senhor do engenho, isso não pode me afetar”, conta.
Se no set de filmagens, lidar com Osvaldo foi tranquilo, Wagner admite que ler sobre abusos sexuais causou desconforto. “Foi difícil quando eu fiquei lendo sobre [casos de estupro]. Quando eu fiz uma pesquisa e descobri que tem sempre uma mesma posição em que os caras estupram as mulheres, tem uma posição específica, normalmente é a mulher de bruços”, diz.
"Cheguei a ler comentários que me fizeram passar mal"
O ator também conta ter ficado enojado com os comentários que surgiram na internet logo após a cena do estupro ir ao ar. “Essa coisa de culpar a vítima: ‘Ah, mas ela estava vestindo o quê? Ah, mas olha onde ela estava’. Isso é muito grave. Gerou muita discussão o fato de que a Débora estava num Carnaval e se afastou um pouco para fumar um béque [maconha]. Cheguei a ler comentários que me fizeram passar mal. E daí que estava rolando tudo isso? O ‘e daí’ tem que vir de dentro e não vem. Isso é muito doido”, afirma.
Satisfeito com a repercussão de “Justiça”, Wagner diz que espera que a série tenha contribuído para a reflexão, principalmente dos homens. “As pessoas não refletem sobre isso [abuso sexual] porque a situação da mulher é a situação do subjugado, do que não me interessa, o mundo é feito pelo masculino. É uma coisa extremamente opressora e precisa mudar”, conclui.
Com o fim de “Justiça”, Wagner vai voltar a excursionar com o espetáculo “A Tragédia Latino-Americana”, de Felipe Hirsch. Ele também pode ser visto nos filmes “O Roubo da Taça”, em cartaz, e "TOC - Transtornos de uma Obsessiva Compulsiva), com estreia prevista para novembro.
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