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Sem glamour, série sobre Surfistinha quer olhar crítico sobre prostituição

Maria Bopp é Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, na série "Me Chama de Bruna" - Divulgação
Maria Bopp é Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, na série "Me Chama de Bruna" Imagem: Divulgação

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

29/09/2016 17h33

Depois de chegar às livrarias e aos cinemas, a história de Bruna Surfistinha, alter-ego de Raquel Pacheco, estreará na TV no dia 8 de outubro. A série “Me Chama de Bruna”, do FOX1, contará o início da carreira de Raquel como garota de programa – mas quer passar longe da acusação de “glamourizar” a prostituição, que frequentemente recai sobre obras que tratam do tema, como “O Negócio”, da HBO.

A produção traz já no primeiro de seus oito episódios as dificuldades com que Raquel terá de lidar, assim como as prostitutas da vida real: assédio sexual, rivalidade das colegas, corrupção policial e problemas familiares. Tudo isso ajuda a compor o que a protagonista Maria Bopp, 25, define como um ponto de vista mais “maduro e responsável” sobre a prostituição.

“A direção é de uma mulher, o elenco é majoritariamente feminino. Existe essa energia no set de filmagens e acho que o olhar é diferente, é mais responsável nesse assunto. Acho que a história da Bruna Surfistinha representa muito uma ideia de prostituição romantizada. Eu acho que não foi assim de fato na vida da Raquel, mas esse foi o imaginário que se cristalizou”, disse a atriz durante o lançamento da série, nesta quinta-feira (29).  

Bruna Surfistinha (Maria Bopp) e a gerente de bordel Stella (Carla Ribas) em cena da série "Me Chama de Bruna" - Divulgação - Divulgação
Bruna Surfistinha (Maria Bopp) e a gerente de bordel Stella (Carla Ribas) em "Me Chama de Bruna"
Imagem: Divulgação

Segundo a diretora Márcia Faria, “Me Chama de Bruna” desde o início teve a intenção de trazer um olhar crítico sob a prostituição, “mas também sem demonizar”. “A opção que a gente teve pra tratar disso foi falar de pessoas, pessoas que estão vivendo isso. Mais do que uma prostituta, é uma pessoa que está ali, que tem seus problemas em casa, que está vivendo seus dramas”.

O sexo, claro, é parte importante da trama. Mas Márcia acredita que a série tire a mulher do posto de mero objeto sexual. “Ela meio que faz uma inversão disso. Ao invés de a prostituta ser o objeto sexual, acaba sendo o cliente. Você tira ela do lugar esperado”, afirmou, acrescentando que todas as cenas quentes servirão a um propósito dramático dentro da trama. A estreia, por exemplo, tem apenas uma cena de sexo – que retrata o primeiro programa de Raquel com um cliente, longe de ser idealizado.

No intuito de ser fiel à realidade, cenas de abuso sexual também estarão presentes na série. “Tem histórias de abuso e estupro, que acontecem muito na prostituição, ao contrário do que muitas pessoas pensam. Pensam que se elas [prostitutas] são pagam, são obrigadas a fazer. Isso é muito forte pra mim porque é muito difícil você trazer à tona coisas que as mulheres passam todos os dias”, contou Maria.  

Encontro com Raquel

Novata na TV, Maria Bopp trabalhava como continuísta de cinema quando foi escalada para viver Raquel. Até então, ela só havia feito uma participação na série “Oscar Freire 279”, exibida no Multishow em 2011 e também dirigida por Márcia Faria. Como parte de sua preparação, ela conheceu a verdadeira Raquel Pacheco duas semanas após ganhar o papel. No encontro, ela e a empresária tiveram os olhos vendados e as mãos colocadas sobre o coração uma da outra.  

“A Raquel falava sobre a vida dela, as memórias, toda a trajetória dela, e tudo o que ela falava eu repetia na primeira pessoa”, lembrou Maria. “Ao mesmo tempo eles tiraram a venda das duas. Foi muito emocionante. Não era a Deborah Secco, não era livro, não era entrevista, era a Raquel na minha frente, foi um momento de catarse”.

Apesar de não estar envolvida diretamente com os roteiros da série, Raquel teve uma grande contribuição nos bastidores. “Além de uma entrevista muito longa com ela, a gente fez um dia de ensaio, a gente trouxe ela e fez improvisação. Tem coisas que são falas dela que estão na série”, disse Márcia.

Experiências pessoais e vida real

A verdadeira Raquel Pacheco não foi a única referência de Maria e das outras atrizes que interpretam prostitutas na série. Parte delas visitou um bordel no Rio de Janeiro, onde a série foi gravada, para conhecer mais a vida das garotas de programa. “Foi pra mim uma conversa muito fundamental, de ouvir da boca das mulheres as suas vivências, os motivos pelo quais elas escolheram, entre aspas, estar lá”, afirmou a protagonista.

“É um universo muito distante pra mim e muito dolorido de entrar em contato”, definiu Carla Ribas, que interpreta Stella, a gerente da casa onde Raquel começa a trabalhar. “Elas começaram distante de nós, dessa distância elas passaram a uma curiosidade. E no final do encontro, que era pra ser de duas horas, a gente ficou lá quatro ou cinco. Elas só deixaram a gente ir embora porque os clientes estavam chegando. Era uma carência dessas meninas de contar para a gente as histórias e dividir”.

Mas o preparo não ficou só na teoria: Maria e Nash Laila -- que na trama é Jéssica, uma garota de programa que começa a rivalizar com Raquel -- chegaram a andar pelo bairro do Botafogo, no Rio, para ver como seria a abordagem masculina. “A gente não estava vestida de sainha, a gente estava vestida pro ensaio, com salto alto, e resolveu andar na rua pra ver o que ia acontecer. De fato os caras começaram a parar. Era uma coisa estranha, começaram a parar e ‘perguntar o que vocês estão fazendo aí?’ A gente inventou uma história, viveu isso um pouco e é bem doido”, relembrou Nash, acrescentando que a postura das pessoas em volta também mudou: “As pessoas não se comportam do mesmo jeito”.

Por coincidência, na época as redes sociais estavam tomadas pela hashtag #meuprimeiroassédio, usada por muitas mulheres para revelar casos de abuso e assédio sexual. E as experiências pessoais das atrizes também a ajudaram a se preparar para seus respectivos papéis. “Cada uma tem uma história pra contar sobre assédio, sobre a gente ser vista como objeto sexual a vida inteira desde que é menina”, refletiu Nash. “Então a gente também buscou isso na nossa experiência, sendo mulher dentro desse mundo. Como que é trazer isso à máxima potência, que é a prostituição?”  

"Me Chama de Bruna"
Onde: FOX1 (canal do pacote FOX Premium, disponível pelas Vivo e pela Oi)
Quando: 8/10, às 22h