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"Black Mirror" explora mau uso da tecnologia para expor "falhas" humanas

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

21/10/2016 17h01

Mesmo que secretamente, que eleitor resistiria a ver o presidente de seu país ser obrigado, em rede nacional de TV, a passar por uma situação muito vexatória e humilhante como… transar com um porco, por exemplo?

A imagem, ao mesmo tempo perturbadora e atraente, aparece no primeiro episódio da série britânica “Black Mirror”, lançada em 2011. E imagens perturbadoras são a especialidade deste programa. Encerrado em 2012, ficou pouco conhecido fora do Reino Unido, mas se tornou cult. Em boa parte, devido a eventos mostrados na série que estranhamente se tornaram ou estão se tornando realidade.
 
“Já li que tem gente inventando uma ferramenta para você tuitar depois de morto, que foi tema de um episódio. As lentes de contato que funcionam como câmeras são de certa forma o que é o Google Glass" diz o criador Charlie Brooker, que conversou com a reportagem do UOL junto com Annabel Jones, que produz a terceira temporada, disponível a partir desta sexta (21), no Netflix.
 
Para eles, a pecha de “profética” que a série ganhou entre seus admiradores, se deve ao fato de que o roteiro usa tecnologias e comportamentos muito contemporâneos para contar histórias absurdas — ou nem tão absurdas assim.
 
Ano passado, o primeiro-ministro britânico David Cameron teve de negar publicamente que tenha participado de um ritual de iniciação na universidade de Oxford que consistia em simular sexo com a cabeça de um porco. 
 
A história/fofoca foi contada, pasmem, por um lorde, contemporâneo de Cameron em Oxford, que teria presenciado o fato e que afirma haver evidências fotográficas — que nunca chegaram a público.
 
“Ficamos surpresos e achamos que não é verdade, mas que é engraçado é”, dizem, aos risos, os “profetas” por trás de “Black Mirror”.
 

Espelho negro

O nome da série, explica seu criador, é uma referência às telas dos smartphones, das TVs, dos tablets, dos laptops e dos monitores em geral. Quando desligados, elas se tornam um “espelho negro”, onde vemos nossa imagem projetada. O programa materializa esse espelho negro da nossa alma. Como a tecnologia potencializa nossa maldade ou nossos delírios de imortalidade.
 
Foi assim nas duas primeiras temporadas, com apenas três e quatro episódios, respectivamente. Nos vemos nos reunindo em um bar com amigos para assistir à lastimável situação do primeiro ministro. Nos vemos pagando por um serviço que nos permite filmar prisioneiros sendo torturados em uma cadeia-reality show. Nos vemos no casal em crise que usa lentes de contato com câmeras para remoer cada cena de seu relacionamento fracassado.
 
Brooker e Jones, no entanto, refutam qualquer discurso antitecnológico: “Primeiramente queremos entreter as pessoas, muito mais que mandar uma mensagem, mas se isso ressoa nas conversas, melhor ainda. É reação emocional e relaxamento”, explica Brooker.  “Mas como a tecnologia é usada no nosso show? Ela nunca é a vilã. São as falhas humanas que são instrumentalizadas pela tecnologia. É o ser humano que ferra com tudo.”
 

"Big Brother"

De entretenimento e tecnologia os dois entendem. Tanto Broker quanto Jones trabalharam na Endemol, a empresa que tem os direitos sobre o “Big Brother”, aquele programa que nós brasileiros adoramos odiar. A experiência com a TV na era do reality show também se reflete nos episódios.
 
“Embora a série mostre as falhas humanas potencializadas por novas possibilidades de erro, a gente tenta não vilipendiar as pessoas. O segundo episódio desta temporada, por exemplo, fala desse menino, que cresceu tendo acesso a todo o tipo de imagem. E nós estamos criando filhos neste ambiente, que embora saibam distinguir o certo do errado, podem não ter algum guia moral pelo caminho”, afirma Jones.
 
“Antes a TV era uma experiência familiar, em que todos sentavam ao redor para assistir e você aprendia sua moral através da discussão daquilo que estava sendo mostrado. Hoje as pessoas estão mais isoladas em seus computadores, smartphones. Não tem mais essa discussão”, explica.
 
Os dois também garantem que nestes seis novos episódios haverá espaço para a doçura e para a exploração do lado bom da tecnologia. “Há outros episódios que mostram como a tecnologia oferece outras oportunidades de como manejar sua vida, como o quarto episódio, que acontece em 1987.”