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"Machistas nos subestimam", diz Cris Arcangeli, do "Shark Tank"

Gisele Alquas

Do UOL, em São Paulo

11/11/2016 07h00

Não é por acaso que Cristiana Arcangeli é um dos “tubarões” do “Shark Tank Brasil”, reality show sobre empreendedorismo da Sony. Conhecida por organizar os primeiros eventos de moda do Brasil e pioneira no desenvolvimento de produtos de beleza à base de colágeno, a empresária tem perfil linha-dura, inovador, e chegou a ganhar o prêmio de Mulher Mais Influente do país da revista Forbes, em 2004. De família rica, se formou em odontologia, largou a profissão para investir em moda e beleza, enfrentou crises econômicas que, segundo ela, não a impediram de desistir de nenhum negócio, e foi obrigada a lidar com machismo de sócios que a subestimaram por ser mulher.

“Tive uma experiência com um grande grupo composto por homens. Eles subestimam as mulheres, não respeitam. Nunca tinha passado por nada parecido. E foi aí que percebi como existem homens machistas no mercado", afirmou a empresária ao UOL.

Arcangeli recebeu a reportagem em sua mansão de 1,8 mil metros quadrados na região dos Jardins, zona oeste de São Paulo, onde mora há dez anos. Em uma sala ampla, há vários sofás, uma mesa de jantar para doze pessoas, fotografias do premiado Mário Cravo Neto nas paredes, uma enorme garrafa Moët & Chandon bordado com o nome da empresária em cristais Swarovski e um elevador transparente privativo que a leva para o segundo andar da casa.

Apesar da ostentação – ela ainda tem uma academia nos fundos da mansão, espaço gourmet e piscina – a empresária diz que mantém hábitos simples, como receber amigos, fazer passeios com a filha mais nova, Isabela, de 17 anos, e aconselhar jovens que a procuram pelas redes sociais. “Eles me procuram, dizem que se inspiram em mim, querem conselhos sobre profissões, empreendedorismo. E eu respondo todo mundo, adoro estar nesse meio, tenho amigas da idade das minhas filhas", afirma ela, que namora há um ano o ator e empresário Carlos da Cruz.

Cris arcangeli - posada - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
A empresária posa em uma das áreas de sua mansão
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

No “Shark Tank Brasil”, Arcangeli é a avaliadora com fama de brava -pecha que a empresária não aceita. Para ela, a impressão é culpa da edição do programa, no qual empreendedores buscam apoio financeiro dos investidores para seus projetos. "Todo mundo me elogia e diz que meus argumentos são bons. É que às vezes apareceram pessoas ali que apresentaram projetos sem pé nem cabeça, não dá mesmo para acreditar”, diz ela, que se orgulha de falar francês, inglês, italiano e espanhol.

Um dos grandes nomes da indústria da beleza, a empresária diz encarar o envelhecimento com naturalidade, assume que foi uma das primeiras mulheres do país a aplicar botox e diz que o preconceito dos brasileiros com pessoas mais velhas é que incomoda. Confira a entrevista:
 

UOL - Você se formou em odontologia, exerceu a profissão e abandonou a carreira para investir em produtos de beleza e eventos de moda. Como foi esta mudança?
Cris Arcangeli -
Exerci a profissão por cinco anos, minha especialidade era endodontia. Sou movida a novos desafios, já tinha cumprido o que queria na odontologia. Aí quis fazer algo para o cabelo. Como consumidora, eu sentia a necessidade de um produto melhor para cuidar dos meus. E assim eu comecei. Contratei uma química por anúncio no jornal. Ela trabalhava em uma fábrica de shampoo. Vendi minha cadeira de dentista e comprei a fábrica. Modernizei e lançamos o produto, que se chamava Phytoervas, em 1986. Foi o auge do Plano Cruzado, depois o Plano Bresser. Já passei por mais de 15 planos econômicos no Brasil e muitas crises.

E te afetaram muito?
Me atrapalhou bastante. Mas a gente se acostuma, busca alternativas e acredita que sempre há uma luz no final do túnel. Essa atual é uma crise diferente, eu sofro de ver o desemprego. Eu tinha 250 funcionários e hoje somos 35. Reduzimos a nossa estrutura, temos marketing, administração, logística. O resto é tudo terceirizado. Tem que ter paciência. Nessas horas que vemos quem são nossos parceiros de verdade. E graças a Deus tive grandes parceiros durante a vida. Ninguém ganha sozinho, ninguém faz nada sozinho. Quando a empresa vai mal, todo mundo perde. Mas vamos sair dessa também. Como o [juiz responsável pela Operação Lava Jato] Sérgio Moro diz: "Se o Brasil sobreviver, a gente vai sair dessa."

Você veio de uma família de classe média alta, deve ter tido uma boa estrutura familiar.
Sim. Meu pai é italiano imigrante e veio para o Brasil com uma mão na frente e outra atrás. Minha mãe era secretária de uma empresa de máquina de escrever. Foi devagar e montou uma construtora de oleoduto e estradas. Os dois trabalharam juntos e foram construindo o patrimônio deles. Meu pai me deu uma formação ótima, estudei em um colégio inglês, aprendi várias línguas. Falo italiano, francês, espanhol. Tive oportunidades maravilhosas. Mas logo que me formei eu comecei a trabalhar.

Quantos países você conhece?
Muitos, mas nem tanto. Eu sempre gostei de esquiar, então viajava para os mesmos lugares. Principalmente para a casa da minha avó, em Bolonha (Itália).  Cheguei até a ser da equipe brasileira de esqui, competi algumas vezes.

Você foi uma das pioneiras em organizar desfiles de moda e beleza no Brasil, com o Phytoervas Fashion, e lançou nomes como os estilistas Alexandre Herchcovitch e Fause Haten. Quantos estilistas fazem sucesso graças a você?
Todos eles. Qualquer um que você falar o nome fui eu que lancei. Mais de sessenta nomes de renomados estilistas saíram das oito edições do Phytoervas Fashion. Eles me chamam de madrinha até hoje.

Cris arcangeli - academia - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Cris Arcangeli tem uma academia completa em sua casa
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Em 2010, você lançou a Beauty’in, empresa de produtos alimentícios à base de proteínas e colágeno. Teve resistência no mercado?
Muita. Não existe nada parecido aqui nem fora. Produtos alimentícios com colágeno era completamente inovador quando começamos. Foi muito combatido, as pessoas diziam que eu que estava maluca. De tudo que fiz, foi a linha mais difícil que já investi. Começamos com as bebidas e hoje temos as balas, chocolates, temos licenciamentos com a Cacau Show. São mais de 80 produtos. Patrocinamos o London Fashion Week e a procura internacional cresceu muito. 

Já sofreu preconceito nos negócios por ser mulher?
Tive uma experiência com um grupo grande composto por homens. Eles subestimam as mulheres, não respeitam. Nunca tinha passado por nada parecido. Foi aí que percebi como existem homens machistas nesse mercado.

Mas o que eles falaram?
Foi implícito, mas eu senti. Não me respondiam, não se comunicavam comigo. Era um relacionamento bastante difícil e foi uma experiência muito desagradável que eu ainda não tinha vivido. Nunca tiveram sócia mulher, então não souberam lidar. Mas tudo bem, sou mulher, mas sou uma líder e meus funcionários se espelham em mim. Minha empresa é um pouco do eu que sou. Essas coisas não me afetam. Mas sempre sei onde quero ir e tenho argumentos para isso. Então acabo convencendo as pessoas a fazerem do meu jeito.

Você tem algum ídolo?
Steve Jobs. Ele é um cara que transformou muitos mercados. Ele antecipava tendências.

Você apresentou a versão brasileira de “Extreme Makeover”, que ajudava a construir creches em cidades carentes do Brasil. Como foi para uma empresária bem sucedida carregar sacos de cimento?
Foi incrível. Este formato é da Endemol, que é aquele quadro ‘Lar Doce Lar’, do Luciano Huck. Começamos a primeira temporada em 2010, mas em vez de casas, decidimos construir creches, queríamos deixar um legado. Eu me envolvia muito, apresentei três temporadas, era um programa difícil. Me desdobrava para dar conta, mas era muito prazeroso. Eu colocava a mão na massa mesmo. Comecei fazendo televisão na RedeTV!, em 2001, onde apresentei um programa que falava de qualidade de vida. E fiz uma temporada de ‘O Aprendiz’ [na Record], como conselheira.

Os investidores do "Shark Tank Brasil": Carlos Wizard, Robinson Shiba, Cristiana Arcangeli, Sorocaba, João Appolinário e Camila Farani - Divulgação/Canal Sony - Divulgação/Canal Sony
Os investidores do "Shark Tank Brasil": Carlos Wizard, Robinson Shiba, Cristiana Arcangeli, Sorocaba, João Appolinário e Camila Farani
Imagem: Divulgação/Canal Sony

Vamos falar de “Shark Tank Brasil”. O que te motivou a participar do programa da Sony?
Há uns quatro anos, a presidente da [produtora] Floresta me falou que tinha o sonho de trazer o programa “Shark Tank” para o Brasil. E ela dizia sempre que queria que eu fizesse. Então esse namoro já vinha há muito tempo. E o programa me deixa falar e fazer o que eu quero.

Você passa a impressão que é a “tubarão” que mais intimida o participante...
Eu acho que as pessoas me veem como objetiva. Dependendo da edição parece que sou agressiva e brava, mas não é meu jeito de ser na vida. Se você corta uma frase no meio e entra a vinheta com aquela música tensa, dá a uma sensação que eu dei "porrada" no participante, mas não é assim. Minha filha assistiu esses dias e perguntou: ‘Mãe, você não deu ‘porrada’ nele não, né? Mas gente, eu não dou porrada em ninguém. Percebo que as pessoas estão me achando a "má", mas elogiam e gostam dos argumentos, dizem que são bons. É que às vezes apareceram pessoas ali que apresentaram projetos sem pé nem cabeça, não dá mesmo para acreditar.

Tipo o quê?
Um dia uma moça nos ofereceu uma canga. Ela chegou apresentando o produto dizendo que finalmente o Brasil tinha uma marca de canga. Achei que era algo inovador, um tecido que não amassa, que não molha, que tem protetor solar. Não, era apenas uma canga de viscose. Ela pediu R$ 500 mils por 10%. Mas canga se compra em praia, ninguém vai em loja para comprar uma canga de grife. Ninguém investiu no negócio.

Cris arcangeli - elevador - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Arcangeli tem elevador em sua casa
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Você investiu em muitos produtos no programa? Acredita de verdade que terá retorno financeiro?
Investi em seis e até agora não me arrependi de nenhum. Mas temos seis meses para estudar os produtos e fechar negócio. Tem um de alimento que ainda não foi para o ar que estou muito empolgada, tem a ver comigo, com meu segmento, natural. E teve um rapaz que apresentou próteses para pessoas com deficiência.  Ninguém entrou no negócio dele porque ele não tinha nenhum registro da Anvisa. Mas depois do programa eu o procurei para encontrar um investidor para ele. Merece, o projeto é muito bacana.

Além de você, o programa tem o cantor Sorocaba e os empresários João Appolinário, Robson Shiba, Camila Farani e Carlos Wizard. São pessoas com características bem diferentes. Já teve discussão acalorada entre vocês?
Nada. O Sorocaba não existe, é um cara fantástico. O João [Appolinário] já conheço há muito tempo, amo. O [Robson] Shiba é um doce de pessoa. Isso que é o mais legal. Somos de ramos diferentes.

Como é sua rotina?
Eu acordo entre 7h30 e 8h30, depende da hora que vou dormir. Ai vou treinar, tenho uma academia em casa que facilita. Sair de casa para treinar me faz perder muito tempo e me atrapalha. Perco tempo para me arrumar, no trânsito, depois lá as pessoas querem conversar e eu não treino direito. Em casa, eu treino com qualquer roupa e com o mesmo personal há 20 anos. Demoro mais ou menos duas horas e depois vou trabalhar.

Você não tem cara de que já limpou banheiro na vida...
Mas já limpei banheiro, já lavei muita louça. Eu prefiro fazer faxina do que cozinhar. Outro dia eu tinha que refogar couve para um churrasco e perguntei pra minha mãe como fazia.

O que te deixa irritada, de mau humor?
Gente prepotente, odeio. Gente que se acha. Ninguém é melhor que ninguém. Perdeu a humildade, eu não consigo mais lidar.

O que te faz chorar?
Não choro há muito anos.

Já fez cirurgias plásticas? Quantas?
Já fiz várias. Coloquei silicone duas vezes, operei duas vezes o nariz, fiz a pálpebra. Eu gosto, não tenho nada contra cirurgia. Coloquei botox e não coloco mais. Paralisa o músculo, comecei a achar meu rosto flácido. Comecei com 30 anos, fui uma das primeiras a fazer botox no Brasil.

Envelhecer te assusta?
É uma boa pergunta. Eu não tenho medo de envelhecer. Tenho medo de não me deixarem fazer as coisas que eu tenho vontade de fazer porque no Brasil as pessoas têm muito preconceito com gente mais velha. Aqui os mais velhos não podem usar determinada roupa porque não é para a idade deles, não podem ir em uma festa porque só tem gente jovem. As pessoas começam a te dizer o que você tem que fazer. Vai se ferrar. Outro dia uma pessoa me disse que ouviu alguém dizer que eu tenho que parar de trabalhar tanto. Onde está escrito que tenho que me aposentar e deixar de fazer tantas coisas? Uma vez eu ganhei dez minisaias da John John e postei no meu Instagram. E tiveram comentários do tipo: ‘Onde já se viu ela dessa idade usar essas saias?’. Mas teve pessoas que me defenderam também. Foram 250 comentários. Virou polêmica.