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Neto de Nelson Rodrigues, produtor faz série só com latinos nos EUA

Maurício Mota é um dos produtores executivos de "East Los High", série sobre adolescentes americanos de origem latina - Reprodução
Maurício Mota é um dos produtores executivos de "East Los High", série sobre adolescentes americanos de origem latina Imagem: Reprodução

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

16/11/2016 07h00

Tão longeva quanto “House of Cards” e “Orange is the New Black”, da Netflix, a série “East Los High” foi uma das primeiras a ser concebida originalmente para um serviço de streaming – no caso, o Hulu, ainda indisponível no Brasil. Mas não só. A produção, sobre adolescentes que vivem na zona leste de Los Angeles, também foi pioneira ao colocar um elenco totalmente latino falando inglês. E ela tem um brasileiro entre seus idealizadores: o carioca Maurício Mota, neto do escritor Nelson Rodrigues.

Um dos produtores executivos da trama, Mota viu o projeto surgido em 2013 dar frutos: indicada a cinco Daytime Emmys (versão do prêmio dedicada aos programas diurnos), a série é a original mais antiga do Hulu e está entre as dez mais vistas do serviço de streaming. O sucesso, ele diz, não está restrito à comunidade latina.

“Hoje, a cada um milhão de pessoas que assistem ‘East Los High’, 60% da nova audiência é branca, negra e asiática”, conta Mota ao UOL. A série é tão autêntica e tão localizada que atrai outros tipos de audiência que estão interessados em saber ‘caramba, como é um high school totalmente latino?’ Acho que a série capitalizou a partir disso”.

A mesma diversidade que é o trunfo da série, porém, vive um momento complicado nos Estados Unidos. O bilionário Donald Trump foi eleito presidente do país prometendo deportar milhões de imigrantes ilegais e referiu-se aos mexicanos como “traficantes de drogas e estupradores”. Para agravar a situação, nos dias seguintes a sua eleição, foram reportados vários ataques de ódio a latinos, negros e muçulmanos.

Série "East Los High" - Divulgação - Divulgação
Série "East Los High" enfrentou resistência por ter elenco latino
Imagem: Divulgação

Nesse novo contexto político, o papel das artes – e de Hollywood – vai ser muito importante, acredita Mota, que aposta no crescimento de histórias focadas em outros grupos da população e diz que já notou uma mobilização da classe artística contra a onda conservadora que se avizinha.

“A gente tem uma função social como artista, como produtor, como roteirista”, afirma. “Agora, mais ainda. Você tem aí a escuridão que vai começar a tomar conta dos Estados Unidos e que já está acontecendo nos últimos dias. A gente está tendo um aumento absurdo de crimes de ódio racial. Mas vamos lá. A gente tem que estar de volta contando histórias positivas, contando histórias para dar poder a essas vozes, que vão começar a tentar ser engasgadas agora. É o nosso papel. A diversidade é boa, a diversidade sempre gera boas histórias”.

Questionado sobre o que seu avô, Nelson Rodrigues, diria sobre a política atual, Mota foi categórico: “Tem aquela citação: ‘O mundo será controlado pelos idiotas, não pela sua competência, mas pela quantidade.’ É isso que ele diria hoje, tanto para o Brasil quanto para os Estados Unidos.”

Resistência e preconceito

“East Los High” percorreu um longo caminho antes de chegar ao Hulu – com muitos obstáculos ligados à temática da trama. Maurício Mota e a Katie Elmore, sua parceira no projeto, que mais tarde viria a se tornar sua sócia e mulher, conduziram uma extensa pesquisa que comprovava a demanda por uma série mais voltada ao público latino. Mas, mesmo assim, ouviram de grandes produtoras e canais que ninguém iria assistir ao programa. A justificativa? “Porque o mercado não está pronto para ver latinos como protagonistas e falando em inglês”, recorda o produtor.

Determinados a investir no projeto, Mota e Elmore buscaram financiamento fora de Hollywood, e conseguiram captar toda a quantia que precisavam por meio de doações. Com o dinheiro, eles conseguiram desenvolver o piloto e receberam ofertas de quatro canais – que haviam criticado o projeto antes. Mas os problemas persistiram: o programa foi criticado por ser “latino demais” e os executivos chegaram a sugerir que, ao invés de um elenco completamente latino, houvesse personagens brancos, negros e asiáticos.

“Pô, a gente não está fazendo comercial da [marca] Benneton. A gente não está criando o ‘Capitão Planeta’, a gente está criando uma história autêntica sobre uma audiência que é completamente negligenciada e esquecida pela mídia. Então a gente decidiu não aceitar – e a gente recebeu propostas milionárias – e filmar 24 episódios de 30 minutos, mais dez horas de conteúdo transmídia, sem ter nenhum comprador garantido”, conta Mota. O projeto interessou ao Hulu, que foi escolhido pelos criadores justamente por ser uma plataforma online, mais utilizada pelos jovens que eram (e são) o público alvo da trama.

A iniciativa foi bem-sucedida, e logo em sua primeira semana a audiência de “East Los High” bateu a da consolidada “Grey’s Anatomy” no serviço de streaming. Isso, acredita Mota, ajudou a incentivar séries com elenco latino que vieram depois, como “Jane the Virgin” e “Telenovela”: “A gente provou que existia demanda e existia a necessidade de narrativas diferentes”.

Apesar do avanço, porém, ainda persistem muitos estereótipos em relação aos personagens que pertencem a minorias. “Ou você é a gostosa burra, ou a gostosa que fala errado, ou você é criminoso, ou você é empregada, ou você é membro de gangue, ou a negra histérica, mal-humorada. A gente ainda está 20 anos atrás. Fora isso, não é só questão racial, mas a questão feminina. A mulher ainda é apresentada de maneira negativa, inferior na TV americana”, opina.

Jane (Gina Rodriguez) e Michael (Brett Dier) em cena de "Jane The Virgin"  - Divulgação/CW  - Divulgação/CW
Séries com latinos, como "Jane the Virgin", ficaram mais comuns, mas ainda há muito estereótipos
Imagem: Divulgação/CW

Para o produtor, o mercado de TV ainda está em uma fase na qual se tem que provar a necessidade de investir em outras histórias. E parte disso, diz ele, tem a ver com o fato de as decisões de Hollywood serem tomadas quase sempre por executivos de mesmo perfil: homens, brancos e de classe média ou alta. "Se você é um homem branco, geralmente classe média alta ou rico, o seu repertório não é um repertório baseado em diversidade, a não ser que você seja um cara que nasceu em um ambiente de diversidade". 

Brasil

A situação das tramas no Brasil, avalia Mota, também não está tão distante assim do preconceito. “A gente é um país muito racista, muito preconceituoso, muito machista”, diz. Para ele, um “East Los High” no país provavelmente teria como protagonistas adolescentes nordestinos. “Eles são bonitos, ambiciosos, corajosos, querem ser diretores, presidentes, professores, eles não querem ser só o que a gente diz que o nordestino quer ser no Brasil”, acrescenta.

À parte do preconceito, o Brasil também tem muito a avançar também na área de séries, segundo Mota, que elogiou o papel da Ancine (a Agência Nacional do Cinema) no incentivo ao formato nos últimos anos.

“A gente aplicou à TV o mesmo modelo exportador de matéria prima por anos. ‘Vamos fazer e vender novela e filme por décadas e não formar um mercado e mão de obra para série’”, diz. “São modelos narrativos completamente diferentes. Mas a gente acha que fazer série de 120 capítulos melodramática é a mesma coisa que fazer uma de 12 dramática. Aí grande parte do mundo investiu em séries e conteúdo digital e agora temos que correr atrás. Estamos atrasados, mas acelerando. Agora é continuar fazendo isso e também criar uma cultura de desenvolvimento de séries que não envolva só o roteirista e o produtor, mas também o executivo dos canais.”

O próprio produtor resolveu contribuir para dar aquele empurrãozinho ao formato, e criou em parceria com Carla Esmeralda, curadora do evento RioContent Market, a Escola de Séries, que tem a intenção de criar uma cultura do desenvolvimento de séries no Brasil. “Hoje o Brasil tem muita criatividade, ótimas histórias e ideias, mas não gostamos de método e processo”, afirma. “Do argumento até o piloto ir ao ar há um longo caminho que muita gente acha fácil. Os norte-americanos não têm metade de nossa criatividade e repertório mitológico (sincretismo religioso, influência indígena, afro-brasileira, etc). Mas eles compensam com método e processo”.

Mota vem ao Brasil como parte do Encontro SPCine, que acontece na quinta (17) e na sexta-feira

Encontro SPCine
Onde: Centro de Convenções Frei Caneca (Rua Frei Caneca, 569, São Paulo)
Valor: Gratuito