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"Vamp - O Musical" aposta em personagem inédito e final diferente da novela

Giselle de Almeida

Do UOL, no Rio

23/03/2017 08h32

Ele está por aí há muitos, muitos anos, e roubou a alma e a fé de uma mulher, como diz a letra de “Sympathy for the Devil”, mas também arrebatou muitos fãs. Sim, estamos falando do inesquecível conde Vladimir Polanski, o Vlad para os incautos que caíram na sua lábia há quase 26 anos, quando “Vamp” estreava na Globo e nem sonhava em virar musical. O personagem, que deveria ser uma participação de poucos capítulos no folhetim e virou protagonista, também domina o palco na adaptação, que estreou no último fim de semana no Teatro Riachuelo, no Rio.

O jeito debochado e cruel do líder dos vampiros, que ameaça transformar seus subalternos em sapo cururu e adora esbofeteá-los por puro prazer ajuda, claro. Mas o carisma de Ney Latorraca em cena é a cartada final: completamente à vontade, ele diz que está carente e pede aplausos, distribui dentes postiços à plateia, inclui cacos e tira proveito do que a peça oferece. Se a novela tinha efeitos especiais, o espetáculo se apoia em alguns artifícios mecânicos para dar conta da trama sobrenatural. Quando Gerald (Pedro Henrique Lopes) flutua, Ney brinca com a plateia: “Gostaram do efeito? São meus poderes”. Também não perde a oportunidade de repetir o bordão “Gotoso” sempre que tem oportunidade.

O enredo continua a mesmo: em busca de fama, a jovem roqueira Natasha (Claudia Ohana) faz um pacto com Vlad. Atormentada pela maldição, aceita o conselho de um aliado para encontrar uma maneira de destruir seu algoz. Na novela, a cantora recebia a dica de seu anjo da guarda, Rafael (Marcos Breda), que lhe conta a lenda da Cruz de São Sebastião, adormecida em algum lugar da fictícia Baía dos Anjos. No musical, tal personagem nem existe: quem lhe sopra a saída para seu dilema - o Medalhão do Poder - é Mrs. Penn Taylor, uma implacável britânica caçadora de vampiros, numa inspirada recriação de Evelyn Castro para o papel que já foi de Vera Holtz na TV.

Em ambos os casos, apenas um homem chamado Rocha é capaz de livrar Natasha, já que a ligação entre eles vêm de encarnações passadas. A diferença é que no musical, o capitão Jonas Rocha (Luciano Andrey) é bem mais jovem do que o papel de Reginaldo Faria, assim como sua mulher, Carmem Maura (Erika Riba), interpretada por Joanna Fomm no folhetim. Na condensação de meses de novela em pouco mais de duas horas de espetáculo, a filharada do casal perde protagonismo e até o envolvimento de Natasha com o mocinho Lipe (Oscar Fabião) acaba ofuscado.

Claudia Ohana e Ney Latorraca em cena de "Vamp - O Musical" - Roberto Filho/Brazil News - Roberto Filho/Brazil News
Claudia Ohana e Ney Latorraca em cena de "Vamp - O Musical"
Imagem: Roberto Filho/Brazil News
 

Destaque na TV, a cômica família Matoso - Mary (Lívia Dabarian), Matoso (Osvaldo Mil), Matosão (Thadeu Matos) e Matosinho (Xande Valois) - também tem importância na peça, mas as principais cenas de humor ficam com Penn Taylor (sem seu fiel escudeiro, o atrapalhado Augusto César) e a inédita Madrácula (Cláudia Netto), a mãe de Vlad, com sotaque português (!) e que dança até o vira. Inusitada, a “rainha da Transilvânia” faz boa dobradinha com o conde, que revela seu lado mais infantil e vulnerável com ela.

Piscadela para os fãs da novela, o circo até aparece na adaptação, mas nem sinal de Simão ou Jezebel, vividos na novela por Evandro Mesquita e Bete Coelho. Também não houve espaço para o popular padre garotão de Nuno Leal Maia. Mas o clima de nostalgia fica evidente nas próprias músicas da peça concebida por Jorge Fernando e dirigida também por Diego Morais, que resgata muita coisa da trilha sonora da novela. “Noite Preta”, de Vange Leonel, o marcante tema de abertura, entra em cena junto com “Sympathy for the Devil” e “Doce Vampiro”, parte do repertório de Natasha, “Felicidade Urgente”, de Elba Ramalho, e “Grunir”, de Orlando Morais, entre outras.

Uma sequência marcante da trama de Antonio Calmon, aliás, ganha releitura no espetáculo. É quando Vlad interpreta “Thriller” num cemitério, acompanhado por dançarinos mortos-vivos, com o acréscimo de um número de sapateado e mais piadas de Ney (“Me deu cãimbra”), lembrando que o tempo passa até para os imortais. Vinte e seis anos depois, embora mencione um LP em determinado momento, o texto faz citações mais modernas, a Beyoncé e Rihanna, e abre espaço para referência até a “Deu Onda” (num provável caco de Osvaldo Mil). O roteiro também busca surpreender o público que conhece a história de trás para frente e aposta num desfecho bastante diferente do original. Uma coisa é certa, no entanto: a lenda chamada Vladimir Polanski não morre tão cedo.