Herdeiro da "Playboy" diz que não lê revista e vê futuro da marca digital
Na época pré-internet e telefone celular, os hoje populares “nudes” só podiam ser encontrados nas páginas de revistas masculinas como a “Playboy”, cuja versão brasileira levou a público — muito mais que qualquer revista de fofoca — a intimidade de grandes estrelas da TV como Maitê Proença, Vera Fisher, Betty Faria, Xuxa, além de uma infinidade de ex-BBBs.
Mas o que talvez pouca gente saiba é que nenhuma revista foi mais influente na revolução sexual e na defesa dos direitos civis nas décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos que a “Playboy”. Este pelo menos é o argumento da série documental “American Playboy: the Hugh Hefner Story”, que chega ao serviço de streaming Amazon nesta sexta-feira (7).
A reportagem do UOL assistiu ao primeiro episódio (serão seis no total) que mostra o envolvimento do fundador da revista, Hugh Hefner, com figuras históricas como Martin Luther King (ironicamente, a festa lançamento foi no aniversário da morte do ativista), mesclando imagens reais do arquivo pessoal do publisher em meio a inúmeras coelhinhas.
A exibição foi em uma sala de cinema que fica dentro da lendária Mansão Playboy, no oeste de Los Angeles, que foi vendida recentemente por US$ 100 milhões para o vizinho do lado, o milionário Darren Metropoulos, 33. Como parte do acordo, Metropoulos concordou em deixar que o antigo proprietário, o eterno playboy Hefner, prestes a completar 91 anos, continuasse morando no local até morrer.
O tom da série é meio heróico e, segundo o produtor Stephen David, este foi um pedido pessoal de Hefner. “No andar de cima da mansão há milhares e milhares de fotografias, videos… Hugh Hefner nos deu acesso a seus blocos de anotação, que ele escreve e guarda desde os 15 anos. São cerca de 2.900. Ele disse que queria mostrar que mesmo quando enfrentou obstáculos, foi tudo muito divertido. ‘Quero mostrar que eu me diverti’, ele me disse. Quando perguntei para ele durante a pesquisa de que se tratava a 'Playboy', ele foi categórico: ‘Liberdade!’”
Após a exibição do capítulo de estreia, o local abrigou uma festa open bar que recebeu convidados como os atores Orlando Bloom e Jared Leto, além de outros convidados que se revezavam para tirar fotos com as seis (sim, apenas seis!) coelhinhas em uma estrutura que imitava a capa da revista.
O clima de orgia, portanto, deu lugar a um clima de buffet de eventos. Restou a quem esteve presente apenas imaginar que celebridades já teriam se agarrado naquela piscina com cascata e ouvir as piadas dos que entravam na gruta/sauna/jacuzzi adjacente: “Isso aqui devia ficar igual a uma pintura do Jackson Pollock!” — uma rápida pesquisa no Google ajuda a esclarecer a piada.
A reportagem até que tentou arrancar alguma história sórdida de Cooper Hefner, o herdeiro do império hoje não tão majestoso, em uma curta entrevista que ele deu com exclusividade para o Brasil após a première, mas o rapaz disse que “preferia não entrar em detalhes”. Leia:
UOL — Você já via o trabalho do seu pai muito além da nudez?
Cooper Hefner — Meu pai sempre teve esse “approach” europeu para o sexo, diferentemente da maioria dos americanos…
UOL -- Assim como os brasileiros também…
CH -- OK! Vamos mudar isso. (risos) Europeu no sentido de que há um conforto em relação à sexualidade. E sim, isso é muito brasileiro também. Mas havia um entendimento dentro de casa de que violência era errado e que não havia motivo algum para haver desconforto em relação ao sexo. Obviamente nos EUA tendemos a ir na direção contrária. Então isso nunca foi grande coisa. Eu sempre achei que sexo não era algo estranho até que as outras pessoas faziam soar estranho. Sempre houve obras de arte que mostravam homens e mulheres nus pela casa, portanto, para mim, sempre foi natural.
UOL -- Você cresceu nesta casa vendo todas aquelas festas… O que você presenciou?
CH -- Nada muito louco…
UOL -- Por favor, detalhes sórdidos…
CH -- Ok, eu sei. Sempre teve muita baixaria, mas acho melhor deixar isso para a imaginação…
UOL --Ah, por favor! (risos)
CH -- Veja bem. Nas circunstâncias em que meus pais estiveram juntos… Minha mãe… Olha, não quero dizer que ela punha a coleira no cachorro, mas ela sempre pediu que ele se comportasse. Havia um grau de sofisticação, mas eram festas selvagens. No entanto, havia um entendimento que não era um ambiente para crianças. Meus pais se separaram quando eu tinha 7 anos, compraram a casa ao lado, derrubaram o muro e eu estava sempre entre lá e cá. E a segurança aqui era como uma patrulha de babás. Quando meu pai dava as festas, ele dava ordens expressas para que eu e meu irmão permanecêssemos na casa ao lado. Claro que houve momentos em que eu tentei me infiltrar, especialmente quando eu tinha uns 14 ou 15 anos, mas… Bem, não vou entrar em detalhes…
UOL -- Quão importante foi pra você retratar essa história do seu pai?
CH -- Imensamente importante. Especialmente porque há muitas similaridades com o que está acontecendo na sociedade hoje com o houve no passado, nos anos 1950, 1960 e 1970. Há um movimento conservador assolando os Estados Unidos e a Europa. Acho fascinante que assuntos que sempre estiveram nas páginas da revista, como direitos dos LGBTs, direitos civis, estejam novamente em ampla discussão. Acho que o subtexto dessa série é que a história tende a se repetir. E nós estamos vivendo exatamente este momento.
UOL --Você falou de como a revista sempre se pronunciou sobre direitos dos LGBTs, embora sempre tenha sido uma revista masculina. A Mansão Playboy também era um refúgio para que gays pudessem expressar sua sexualidade?
CH -- Não especificamente a mansão, mas a Playboy sempre foi uma instituição que reunia pessoas que se sentiam reprimidas, porque quando você analisa a história vê que meu pai e a marca gastaram muito tempo lutando pela normalização do sexo. Acho que há uma relação clara entre a repressão ao sexo heterossexual e falta de compreensão da comunidade LGBT. Isso é algo que meu pai sempre entendeu e tentou comunicar através das páginas da revista.
UOL -- Como você o futuro da "Playboy"?
CH -- Esta é pegadinha. Eu não vejo o futuro da revista. Eu vejo o futuro da "Playboy". No fim das contas, eu também não sou um cara que consome a revista Playboy. Sou um cara que se movimenta e pensa digital. Pertenço a essa geração que consume mídia de forma diferente da geração do impresso. Mas dou esse passo atrás para entender que a revista é icônica e representa a marca. Entendo que esta não é a forma com que vamos comunicar nosso produto e refletir nossa audiência. Estamos pensando digital primeiro e orientando nosso time a pensar estrategicamente o digital. Já está funcionando. Somos a marca masculina mais popular nas mídias sociais no mundo e nosso concorrente principal em visitas únicas é a [revista] “Vice”.
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