Morte de travesti no Ceará inspirou cena em "A Força do Querer", diz ator
Em “A Força do Quer”, Gloria Perez incumbiu o ator Silvero Pereira, que há 17 anos fundou o grupo Coletivo Artístico As Travestidas, o papel de mostrar a difícil realidade das travestis no Brasil. Ator de teatro há 20 anos, em sua estreia na TV, ele vive Nonato, motorista de dia e Elis Miranda à noite, que esconde do patrão homofóbico Eurico, interpretado por Humberto Martins, seu sonho de viver dos palcos.
Mas foi uma história real que inspirou a sequência em que o personagem ganhou destaque na trama recentemente. Descoberto pelo irmão vestido como Elis, Nonato foi brutalmente espancado, numa cena que chocou e comoveu o público. Silvero conta que Glória Perez havia ficado emocionada com a história da travesti Dandara dos Santos, assassinada por um grupo de jovens em Fortaleza em fevereiro, e estava preocupada em como contar a história que “muitas Dandaras” enfrentam no Brasil.
“Ela queria abordar que a violência está presente e que não falamos sobre isso. Gravamos a cena do espancamento com muito cuidado das 5h da tarde às 3h da madrugada, com muito figurante, muito movimento de câmera, com uma equipe muito preocupada em mostrar que aquilo era apenas uma parcela do que acontece na vida real”, conta o ator, de 34 anos, em entrevista ao UOL.
A intenção, segundo Silvero, era mostrar o maior realismo possível. “A Elis não morreu como a Dandara, mas me trouxe muitas lembranças das histórias que havia pesquisado tanto da Dandara como da Érika, que foi jogada de um viaduto pouco tempo depois da Dandara. E depois que a cena da Elis foi ao ar uma outra travesti do Ceará foi assassinada com 15 facadas. É muito difícil fazer um trabalho tão próximo da realidade. Em uma rede social, a cena teve 600 mil visualizações e comentários positivos de pessoas dizendo tem que ser mostrado, que a gente precisa abrir os olhos para o que acontece na sociedade”, afirma.
Além da interação nas redes, o ator cearense diz receber diversas mensagens desde que apareceu na novela. Em uma delas, ele conta que um jovem o agradeceu por tê-lo encorajado a contar para os pais que era gay após assistir à cena com Nonato/Elis, que foi ao ar no último dia 9. “Ele disse que assistiu à cena com os pais e naquele momento se assumiu gay para eles. Na hora, os pais ficaram assustados, mas no dia seguinte o chamaram para conversar para entender melhor. Fiquei muito feliz e fico emocionado só de lembrar dessa história.”
Preconceito da classe artística
De uma família pobre de Mombaça, a 305 km de Fortaleza, Silvero Pereira sempre quis ser ator. Se formou em artes cênicas, fundou o grupo Coletivo Artístico As Travestidas e ganhou notoriedade com o espetáculo “BR-Trans”, escrita e protagonizada por ele, em que dá vida a histórias vividas por travestis, transformistas e transexuais. Foi durante uma das apresentações no Rio de Janeiro, em julho de 2016, que Gloria Perez o viu e convidou para a novela. Fora do roteiro inicial, o personagem Nonato foi criado especialmente para o ator.
“Trocamos contato e ela me ligou dizendo que tinha interesse em criar o personagem que ainda não existia. E essa alegria se concretizou. É minha primeira vez na televisão e fui muito bem recebido. Tenho aprendido no dia a dia com o desenrolar das cenas e com a equipe que vem conduzindo de uma maneira bem afetuosa”, disse ele.
Porém, nem tudo foi fácil. Silvero enfrentou preconceito da própria classe, que, segundo ele, não enxergava os artistas do coletivo As Travestidas, do qual também fez parte Jesuíta Barbosa, como atores.
“No início me taxavam como não ator pelo fato de fazer trabalhos onde me travestia no teatro. O que a gente faz é um movimento de luta como todas as artes são, que tem figurino, interpretação e construção cênica. Eu faço teatro há 20 anos. Me identifiquei com o grupo e a gente se considera um coletivo artístico, ou seja, a gente não faz só teatro, fazemos música, dança, exposição, designer. Queremos questionar, provocar e trazer novas informações”, diz ele.
Na trama das 9, Nonato tem que lidar com o preconceito do patrão, Eurico, que já demonstrou que não acha “normal” travestis, porém o empresário tem afeição pelo motorista. Silvero acredita que vai ser comovente quando o patrão descobrir que o empregado trabalha como Elis Miranda nas horas vagas.
“Acho que vai ser uma cena bonita. O Eurico vai amolecer quando perceber que o Nonato e Elis Miranda terão qualidades que vão falar muito mais alto do que o preconceito dele. E Humberto tem sido um grande mestre. É meu primeiro trabalho na TV e ele é uma das pessoas que mais me acolhe nos bastidores, que me ensina diariamente como ser um bom profissional dentro da televisão”, afirma o ator.
No país que mais mata LGBTs, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (17) pelo Grupo Gay da Bahia, Silvero acredita que cabe à arte mostrar a realidade e alertar. “Na política, temos uma banca [de congressistas] que é muito mais conservadora e contrária do que a favor de ter disciplinas que falem a respeito nas escolas e universidades. Então nossa esperança é a arte. E poder mostrar essa realidade na televisão aberta em horário nobre tem um alcance mais imediato. A arte é uma das nossas armas mais poderosas para que pelo menos um diálogo aconteça”, acredita o ator.
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