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Indígenas elogiam atores de "Novo Mundo", mas apontam "estereótipo"

Aldeia tucaré em "Novo Mundo" - Estevam Avellar/TV Globo
Aldeia tucaré em "Novo Mundo" Imagem: Estevam Avellar/TV Globo

Giselle de Almeida

Do UOL, no Rio

10/06/2017 04h00

A luta de Jacira para traçar seu próprio caminho em “Novo Mundo” tem inspirado várias jovens bem além da aldeia tucaré, segundo sua intérprete, Giullia Buscacio. Mas a representação da cultura indígena na novela das 18h é alvo de críticas de indígenas de diferentes tribos, que veem "estereótipos" e "generalização".

"É incrível como tem meninas indígenas que me mandam mensagens no Instagram! Elas falam que acompanham e agradecem por estarmos retratando tão bem. Que bom que elas falam isso, eu fico muito feliz. Porque não acho uma coisa muito comum de se ver na televisão. É uma coisa nova", diz Giullia.

Já a atriz Silvia Nobre Waiãpi, que interpretou Domingas na minissérie "Dois Irmãos", afirma que o núcleo não é verossímil. "Acho demais fantasioso. Cria um estereótipo pernicioso para a cultura indígena. Mesmo sendo uma obra de ficção, os personagens são muito exagerados. Cada vez que vejo não consigo definir a linha de interpretação dada, se é mais naturalista, modernista, humorística...", critica.

"Acho que estão perdendo a oportunidade de um clássico. Falta laboratório e vivência pra quem quer se arriscar a fazer índio. Se não tiver vivência, vira o desastre que está a maioria das interpretações que tentam ser e não convencem, infelizmente."

Para Kapaí Kalapalo, também atriz, que fez participação na novela, a trama gera críticas e elogios entre os povos indígenas.

"A maioria das tribos está assistindo. A principal crítica é sobre a fala dos personagens. Eles usam muito a terceira pessoa: Jacira vai fazer isso, Jacira vai fazer aquilo. Na tribo não tem isso. Dizemos 'eu vou fazer'. Outra coisa é a mistura de culturas. A pintura corporal, por exemplo, é xavante. Mas eles falam tupi. Existe uma mania de generalizar os índios, de achar que é tudo igual. Mas entre nós percebemos as diferenças", afirma.

A própria Kapaí precisou se aproximar de outras culturas para algumas cenas. "Tive que fazer cauim [bebida feita através da fermentação da mandioca ou do milho] numa cena, meu povo não tem isso. A Giullia me procurou no início para orientá-la em algumas coisas. Existem índios de outras tribos ajudando também, talvez seja por isso a confusão. Mas os atores estão se esforçando, merecem esse reconhecimento", diz.

Seu namorado, o ator Aruan Kaiowá, reforça que, por mais que seja uma história fictícia, a representação pode reforçar alguns estereótipos. "Em todo lugar que a gente vai a pessoa acha que a gente fala desse jeito. Pode confundir", diz.

Segundo ele, assistir a novelas é um hábito em sua aldeia, no Mato Grosso do Sul.

"Todo final de tarde, eles acompanham. Como não é todo mundo que tem TV, a criançada se junta na casa da tia, da professora. Quando a gente foi para a Globo gravar outras coisas [ele e Kapaí fizeram participação em 'Brasil a Bordo'], as pessoas vinham me perguntar se eu conheci a Jacira, o cacique... Dizem que estão de parabéns por estarem representando os índios. Eles sabem o esforço deles, sabem que o papel é totalmente diferente do que eles são, e isso é um desafio", conta.

O xavante Miguelito Acosta, coordenador de comunicação da Aldeia Maracanã, diz que o problema começa com a não escalação de indígenas para os papéis. Ele mesmo, também ator, fez teste para viver o cacique Ubirajara, personagem interpretado por Allan Souza Lima.

"Creio que, quando se trata de uma história de um povo, a forma mais fidedigna é com esse povo sendo protagonista. Conheci outros parentes no teste, atores com registro, que também não foram contemplados. Temos um grupo de WhatsApp com mais de 30 atores, nenhum deles foi chamado. Não foi por falta de atores. Começa aí o primeiro pecado. Tem que ter tempo hábil para fazer a preparação e interesse de propagar a cultura de forma fidedigna. Mas tudo que se faz pra divulgar a cultura é importante", pondera.

Giullia Buscacio é Jacira em "Novo Mundo" - João Miguel Júnior/TV Globo - João Miguel Júnior/TV Globo
Giullia Buscacio é Jacira em "Novo Mundo"
Imagem: João Miguel Júnior/TV Globo

Engajada na causa

O fato de a tecnologia fazer parte do dia a dia de algumas tribos ainda pode causar espanto em alguns, mas não em Giullia, que conviveu com os Parkatêjê, em Marabá, no Pará, junto com colegas do elenco antes da estreia da novela, no fim do ano passado.

"Hoje em dia, muita coisa mudou. Eles também evoluíram, usam celular o tempo inteiro. Talvez no Xingu ou em outros lugares não. Ouvi de um índio: se a gente não usa mais a roupa que Dom Pedro e Leopoldina usavam, por que eles têm que continuar andando de tanga? É errado chegar lá achando que eles estão parados no tempo", afirma.

Por se saber tão pouco sobre a cultura indígena no Brasil, Giullia acredita que tem uma grande responsabilidade nas mãos. Não só enquanto interpreta, mas também fora de cena, quando passou a se interessar mais pelo tema e se sensibilizar mais com a causa. Em seu perfil no Instagram, por exemplo, ela tem feito posts mais engajados.

"Tenho noção desse papel que a arte desempenha, de fazer as pessoas se questionarem, buscarem informação. Os jovens que me acompanham desde 'Velho Chico' também estão descobrindo uma nova forma de ver esse lado indígena, que eu acho que a gente está retratando com muito respeito. Não estamos fazendo caricatura de nada. Essa visibilidade tem que servir para o bem de alguma forma", opina.

Repercussão do casal Jacirã

A coragem de Jacira de enfrentar as imposições da tribo pelo fato de ser uma mulher também repercutem, afirma Giullia. "As mulheres comentam: 'Nossa, a Jacira já era feminista desde aquela época. E é verdade. É uma coisa que ela faz sem ter ideia de que está sendo revolucionária na aldeia. É uma coisa natural. Eu acredito nisso, na igualdade de gêneros. Se eu posso, se eu quero e tenho a mesma capacidade, por que não? Acho que ela está certa em lutar por isso", diz.

Jacira (Giullia Buscacio) e Piatã (Rodrigo Simas) em "Novo Mundo" - João Miguel Júnior/TV Globo - João Miguel Júnior/TV Globo
Jacira (Giullia Buscacio) e Piatã (Rodrigo Simas): casal Jacitã faz sucesso com o público
Imagem: João Miguel Júnior/TV Globo
Se a postura da personagem causa admiração, o romance com Piatã (Rodrigo Simas) anda derretendo corações, ainda mais porque o irmão de Anna (Isabelle Drummond) apoia sua decisão de não se conformar com as regras.

"Todo mundo vem falar comigo desse romance! O pessoal diz que estava ansioso por esse encontro, porque ele estava buscando um lugar e ela também. Então, quando eles se encontram, conseguem caminhar de mãos dadas. Ele a aceita do jeito que ela é e a incentiva", conta ela, num intervalo de gravação, nos Estúdios Globo, ainda pintada e enrolada numa toalha.

"Braço forte"

Na visita aos Parkatêjê, Giullia, assim como os colegas, foi batizada e ganhou um nome indígena, que significa "braço forte". Logo ela, que precisou recorrer ao crossfit para ganhar fôlego para as cenas de Jacira atirando, subindo em árvore...

"Eles estavam de luto, porque o cacique tinha morrido. Eles não podiam se pintar, e mesmo assim pintaram a gente, ofereceram almoço. O que a gente aprende na escola é pouco para o que eles são, saí com essa sensação. Saí de la querendo conhecer mais. Eles têm tanta coisa para falar, tanta coisa para ensinar."

 

Pra quem quiser ver o video completo, esta logo na minha bio! Assistam #DemarcaçãoJá #Repost @oficialchicocesar with @repostapp ??? DEMARCAÇÃO JÁ letra: Carlos Rennó música: Chico César video: André D'Elia

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É todo dia. Neste ano passo um Dia do Índio diferente. Sigo refletindo sobre o que eu aprendo com eles, sobre a riqueza de valores e cores que sempre estiveram aqui. Respeito. "O território do homem é o mundo"

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