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Filho trans de Marcelo Tas foi inspiração para Gloria Perez: "Ele é o cara"

Marcelo Tas e o filho Luc, de 28 anos, que é transgênero  - Reprodução/Instagram
Marcelo Tas e o filho Luc, de 28 anos, que é transgênero Imagem: Reprodução/Instagram

Gisele Alquas

Do UOL, em São Paulo

28/08/2017 04h00

Quando decidiu contar ao público que sua filha Luiza tornou-se Luc, há três anos, Marcelo Tas sabia que sua atitude ajudaria pais a lidar com a transição de gênero de seus filhos. O que ele não sabia era que, três anos depois, veria parte da sua história familiar inspirar a primeira personagem trans de uma novela no horário nobre da Globo. 

Foi a própria Gloria Perez que procurou o apresentador logo após ele revelar que o filho era transgênero, bem antes de dar vida à Ivana em "A Força do Querer". “A gente conversou umas três horas e foi bem legal. A Gloria se preparou muito para isso, e me pediu para conversar com o Luc. Ela sempre trata de temas que fazem as pessoas pensarem”, conta Tas em entrevista ao UOL.

Tas e Luc, que é filho do apresentador com a figurinista Claudia Kopke, revelaram a transição de gênero do jovem em entrevista à revista “Crescer”, em 2014. O apresentador, que mantém uma coluna no veículo há sete anos, ligou para editora e pediu para que mudasse a descrição dele no pé da página, onde informava que era pai de Luiza, Miguel e Clarice.

“Pedi que, por favor, eles trocassem o nome da Luiza por Luc porque ele era oficialmente homem. Quando ele estava preparado, demos a entrevista. Recebi e recebo mensagens até hoje de pais e filhos que não têm coragem de conversarem sobre o assunto.”

Ao contrário de Ruy (Fiuk), que acha um absurdo a irmã se vestir com roupas masculinas, Miguel e Clarice sempre apoiaram as escolhas de Luc. Segundo Tas, a relação entre eles é de cumplicidade e "muito amor".

Com uma experiência diferente da de Joyce, a mãe interpretada por Maria Fernanda Cândido, Tas espera que a trama encoraje pais a aceitarem seus filhos como são. Segundo o apresentador, o primeiro momento não é fácil de entender, mas respeitar é o caminho.

“A vida é tão curta. Perdemos muito tempo desperdiçando oportunidade de ser feliz, de estar bem com as pessoas. Pais, não abram mão da vida e de seus filhos por causa do preconceito”, recomenda. A tão esperada cena em que Ivana conta para a família que é trans vai ao ar nesta segunda-feira (28).

Marcelo Tas com os outros dois filhos, Miguel, de 17 anos, e Clarice, de 12 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Marcelo Tas com os outros dois filhos, Miguel, de 17 anos, e Clarice, de 12
Imagem: Reprodução/Instagram

A seguir, Marcelo Tas conta em depoimento emocionante ao UOL como ele e a família ajudaram Luc durante seu processo de transição de gênero.

Desde pequeno, ela se sentia ele

"O Luc desde pequeno não se enquadrava como menina. Ele adorava se vestir de soldado. Uma vez ele iria ser dama de honra do casamento do meu irmão e se recusou a colocar a roupa de daminha cheia de fru-fru. E quando colocou ele arrancou tudo. As pessoas perguntavam: ‘Ai, o que a gente faz?’. Eu respondia: ‘Deixa ele assim, fazer o que?’ Mas aí chegou na igreja, tinha o cenário, aquela coisa teatral de carregar as alianças e ele acabou entrando com a roupa. O Luc sempre foi diferente em relação às outras crianças, tanto do ponto de vista de gênero quanto do ponto de vista da sexualidade. Eu cheguei a ver Luc com meninos e com meninas no colégio entre os 15 e 18 anos. Não era uma criança trivial. Mas claro que ele teve suas variações, tipo momentos de querer tirar fotos com vestidos."

A transição de Luiza para Luc

"Foi um pouco diferente da novela, que ainda vai ter a revelação da Ivana para os pais, a cena que ela vai cortar o cabelo. A novela tem uma narrativa que talvez não seja a vida real. É diferente. Pelo menos na minha experiência não existiu isso de revelar ser trans. É uma coisa que vem ao longo do tempo, que vamos percebendo as mudanças nos anos, vai conversando, até que seja verbalizado de uma forma mais concreta. Teve um dia que ele contou abertamente, mas muito anos antes ele já havia me dito que iria procurar um terapeuta nesse assunto, que ser transgênero era uma coisa que passava pela sua cabeça. Até que ele se demonstrou seguro de iniciar sua transição. Eu creio que os pais que são muito próximos de seus filhos vão percebendo, não acontece de uma hora para outra. Mas é inegável que dá medo, angústia, dúvida, é uma sensação de algo que você nunca viveu e acha que não vai saber lidar."

Ao contar para os meus pais, tive uma surpresa

Minha família é muito grande. Até hoje tem gente que não tem a menor ideia do que se passa, que talvez por causa da novela agora entenda a história do Luc. Meus pais são de Ituverava, no interior de São Paulo. Lá esses assuntos não eram visíveis, e agora são. A novela permite esta comunicação. Eu criei todo um drama interno para poder contar para eles. Chamei a Bel (atual mulher) para irmos até em Ituverava. Chegamos lá tarde, estávamos exaustos e no dia seguinte eu falaria. Mas aí abrimos um vinho e comecei a falar, de uma forma muito simples e direta: ‘A Luiza não é Luiza, a identidade que ela se reconhece é masculina’. E eles ficaram me olhando. Meus pais contrataram uma empregada nova, aí meu pai me disse: ‘Deus é muito engraçado. Estamos adorando a Luciana e pessoas da cidade começaram a implicar porque a gente a contratou. Foi quando descobri que a Luciana é travesti. Pensei: Ela chega no horário, trabalha com alegria, a tratamos com respeito e ela nos trata com respeito. O que tem ela ser travesti?'E agora você me conta isso do Luc’. Eu não sabia que a Luciana era travesti. Foi surpreendente, fiquei muito tocado. Eu levei uma lição de um homem de 83 anos. A minha mãe, que tem mais dificuldade em entender, disse: ‘Vamos em frente, eu amo minha neta. Não, meu neto’. Eu que estava morrendo de medo de falar com eles, fui lá e vi que é uma realidade que está na cara de todos. A gente só tem que acabar com nosso preconceito e ignorância. Tenho mais dois filhos, Miguel, de 17, e Clarice, de 12. O Miguel é heterossexual e tem uma relação linda com o Luc. A Clarice, com a idade que tem, foi quem me deu a ‘chave’ em como contar para meus pais. Ela disse: ‘Gente, não estou entendendo qual é o problema. O Luc é menino e ponto’. Ela é uma que nunca mais trocou o pronome [masculino por feminino]."

Violência sem explicação

"Existe muito ódio no Brasil em relação a transexual e homossexual. O Brasil, que se diz tão liberal, está no ranking do país que mais mata gays no mundo. É uma violência que não tem explicação. Não podemos aceitar isso. Transgênero não tem a ver com sexualidade, tem a ver com gênero, tem muita gente que confunde. Nas redes sociais, as pessoas me perguntam: ‘Tas, você tem uma filha sapatão’?' É ignorância, gênero é gênero, masculino e feminino, e sexualidade é sexo, orientação. O Luc já tinha a questão de bixessualidade na adolescência, que para a gente também foi uma novidade e um choque na época. Mas eu tive que entender e vivenciar, mesmo convivendo com amigos gays. Quando é na sua casa é diferente. O Luc é um privilegiado, mora em Washington (EUA), trabalha na área de direitos humanos e liberdade de expressão em uma instituição que cuida desses assuntos na América Latina. Tudo que ele conquistou é mérito dele. Luc é o cara. Ele me ensinou a ter coragem, determinação e não abrir mão da felicidade."

Obrigado, Gloria Perez

"A novela da Gloria Perez é uma plataforma que ajuda muitos pais a tratarem o assunto de uma maneira mais humana. Eu respeito muito a Gloria, ela sempre trata de temas que fazem as pessoas pensarem. É fundamental isso nos veículos de comunicação. Obrigado, Gloria, pela delicadeza e talento que você trata o tema. A Carol Duarte soube se preparar para o personagem. O Luc até sugeriu para a Gloria que o ator/atriz que fizesse o personagem fosse trans. Mas a Carol [Duarte, que interpreta Ivana] foi uma escolha acertada, não tem o que discutir, ela está excepcional. Se fosse um ator trans teria tocado ainda mais fogo nesse tema. Mas toda minha admiração para ela."