Mangueira como dreno e cão na emergência: O que é real em "Sob Pressão"
Além das filas, da falta de estrutura e de recursos, "Sob Pressão" trouxe emprestadas da vida real várias histórias que cruzam a emergência de Evandro (Júlio Andrade), Carolina (Marjorie Estiano) e toda a equipe médica da série "Sob Pressão", num hospital público do subúrbio do Rio de Janeiro. O público reconhece ali várias situações críticas - a veracidade é tanta que muita gente acredita que se trata da biografia do cirurgião Marcio Maranhão, autor de "Sob Pressão - A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro" (Globo Livros), que inspirou o programa.
"Muitos leigos confundem o doutor Evandro comigo. O que tenho em comum com ele é acreditar que a saúde pública tem jeito, o empenho dele, o jeito como se dedica aos doentes. E como ele tem inúmeros. O resto é ficção. Muita gente vem tirar dúvida se eu tinha operado minha mulher [situação retratada no primeiro capítulo]. Um maqueiro comentou: 'Poxa, doutor. Não sabia que sua vida era tão sofrida...'. Ele ficou sensibilizado. Acontece muito essa confusão", conta.
Sucesso de audiência, a atração, exibida pela Globo às terças, depois de "A Força do Querer", termina esta semana com bons índices de audiência - chegou a marcar 29 pontos no Ibope em SP - e com planos de uma continuação. Maranhão comemora a oportunidade de falar sobre assuntos relevantes para um público ainda mais amplo (o livro já havia inspirado um filme, também dirigido por Andrucha Waddington, em 2016, e exibido na Globo antes do início da temporada).
"Na série, a gente consegue abordar vários temas, como a violência contra a mulher, HIV, transplante, doação de órgãos com boas histórias e fazer entretenimento de forma responsável. Com essa audiência toda, a responsabilidade é ainda maior, temos sempre que pensar na forma de utilizar a dramaturgia também para ajudar a construir uma imagem positiva do SUS [Sistema Único de Saúde], que tem programas fundamentais", diz.
O cirurgião cita como exemplo bem-sucedido o terceiro episódio, que gerou em torno de doação de órgãos. Segundo ele, após a exibição, o site da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos, teve um aumento de acesso de 90%.
"Foram cerca de 11 mil pessoas, que hoje representam mais de um terço de pacientes na fila de espera. A gente fica esperançoso e animado em contribuir", diz.
Com o programa, o cirurgião agora enfrenta jornada tripla de trabalho, já que também é consultor técnico da série. Ele participa das reuniões com a equipe de roteiristas chefiada por Jorge Furtado, quando leva temas que podem render boas histórias, e, junto com mais quatro médicos e três enfermeiros, auxilia o elenco durante as gravações.
"É uma correria louca", diz ele, que é chefe do serviço cirurgia torácica da Aeronáutica e trabalha também num hospital da rede particular, após um dia inteiro de cirurgia. "A reunião de roteiro é à noite, e a gente faz muito por Skype", conta.
Ver na tela a representação de uma realidade que ele encara com frequência é emocionante, ele diz. "Quando a gente perde o doente por falta de recurso é muito marcante. Isso marca profundamente a carreira de um médico. E isso o Julinho Andrade e a Marjorie Estiano estão sabendo fazer perfeitamente. A dor é muito grande, eu me envolvo", conta ele, que já viveu várias experiências como essa.
"Uma vez, entubei na ambulância do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] um menino de 16 anos, que havia caído de uma laje. Depois de passar por dois hospitais consegui que ele fosse absorvido em um que tinha vaga para trauma. Isso foi na parte da manhã. Depois de rodar o dia inteiro, voltei ao mesmo hospital para deixar outro paciente e soube que ele tinha falecido. Ele ficou sem assistência nenhuma, sem respirador. É muito frustrante", lembra.
Não é mera coincidência
No episódio de estreia da temporada, Evandro improvisa um dreno com um pedaço de mangueira de jardim para atender uma paciente grávida. Por mais estranho que pareça, a solução pouco ortodoxa é real e foi vivida pelo próprio Maranhão. "A gente drenou um paciente que estava morrendo e não estava conseguindo respirar. Precisamos adaptar uma mangueira para drenar o tórax, foi um caso real. Era uma situação precária na minha época de residência. Fizemos uma gambiarra, totalmente fora dos padrões, mas foi a única alternativa que tivemos. E o paciente sobreviveu", lembra o médico.
A impressionante história de Apolônia (Zezé Motta) que chega andando ao hospital com uma bala no coração também partiu de um caso verídico, contado pelo ex-chefe do cirurgião. "Aconteceu no Hospital Alberto Torres [em São Gonçalo, região metropolitana do Rio]. Chegou uma mãe com uma criança de colo, elas tinham ficado no meio de uma troca de tiros. Ela se virou e recebeu um tiro na região axilar, entrou numa veia e foi migrando até o coração. Ela chegou, de fato, andando até o hospital. É um caso extraordinário até para a gente, é difícil entender."
"Já chegou um caso de um paciente que levou dois tiros no crânio, que não foi perfurado. São casos pitorescos, que parecem fantasiosos, mas a emergência é muito rica em histórias", conta.
Assim como Evandro, Maranhão também já "atendeu" um cachorro no hospital durante um plantão. No entanto, ele não chegou a fazer uma cirurgia no animal, como o médico da ficção. "Cuidei de um que estava no box da emergência. Abri a cortina achando que era um paciente e encontrei ele lá, com pata quebrada", lembra. O cachorro, assim como o da ficção, sobreviveu.
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