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De onde vem o "mimimi"? Criadores do "Fudêncio" criticam mau uso do termo

Giga, rinoceronte protagonista de "Gigablaster", desenho que será lançado pelo canal pago Gloob em 2019 - Divulgação/Estricnina - Divulgação/Estricnina
Giga, rinoceronte protagonista do desenho "Gigablaster"
Imagem: Divulgação/Estricnina

Paulo Pacheco

Do UOL, em São Paulo

06/10/2017 04h00

Você certamente já fez ou já viu alguém fazer "mimimi", principalmente na internet. A gíria, que parece um choro, ganhou força nas redes sociais ou na seção de comentários de portais, quando alguém quer diminuir a reclamação de uma pessoa. Mas onde surgiu o "mimimi"? Na TV brasileira, a expressão começou em "Fudêncio e Seus Amigos", desenho politicamente incorreto da MTV. O protagonista Fudêncio falava apenas a língua do "mimimi" e atormentava o reclamão e irritado Conrado.

Fudêncio, protagonista da animação "Fudêncio e Seus Amigos", da MTV - Reprodução/MTV - Reprodução/MTV
Fudêncio, protagonista da animação "Fudêncio e Seus Amigos", da MTV
Imagem: Reprodução/MTV
A animação, com 179 episódios e seis temporadas, popularizou a única fala de Fudêncio como gíria para zoar qualquer queixa. Atualmente, porém, há muito "mimimi" desnecessário na internet, na opinião dos criadores de "Fudêncio", os animadores Marco Pavão e Thiago Moraes. Sócios do apresentador Cazé Pecini na empresa Estricnina Desenhos Animados, eles admitem que a expressão extrapolou o sentido da animação e virou arma para detonar qualquer manifestação, impossibilitando a troca de ideias.

"Muita gente considera bandeiras legítimas como 'mimimi', sem uma boa vontade de tentar entender aquilo. Não sei mais classificar o que é 'mimimi'. No começo, parecia pessoas fazendo reivindicações. Hoje, há tanta polarização que está começando a haver problematizações desnecessárias, e muitas coisas estão virando grandes histerias desnecessariamente", argumenta Marco Pavão ao UOL, enquanto comia um chocolate com "mimimi" escrito na embalagem.

Cazé Pecini, Marco Pavão e Thiago Moraes Martins, sócios da Estricnina Desenhos Animados - Paulo Pacheco/UOL - Paulo Pacheco/UOL
Cazé Pecini, Marco Pavão e Thiago Moraes Martins, sócios da Estricnina Desenhos Animados
Imagem: Paulo Pacheco/UOL
"Não tenho rede social, mas às vezes vejo notícias no UOL e entro só para ler os comentários, porque aí que você vê o demônio do ser humano lançando toda sua ignorância. Hoje em dia, partiu para o bizarro polarizado, mas na verdade é culpa do próprio hiato político de tudo. Acho que o 'mimimi' é mimadão", opina Thiago Moraes Martins, voz de Fudêncio.

Ex-VJ da MTV e atualmente na Band, Cazé acredita que as redes sociais exacerbaram a polarização de opiniões e distanciaram as pessoas da capacidade de dialogar.

"É muito difícil conversar com as pessoas porque elas assumem posições extremadas, têm muita dificuldade de ouvir e sair do lugar que escolheram para se posicionar. As discussões estão cada vez mais inflamadas. As redes sociais, ao contrário do que a gente estava imaginando, só estão exacerbando isso. As pessoas vivem em bolhas que concordam e atacam as outras bolhas em que seus inimigos estão", critica.

Criadores preparam desenho infantil

Marco Pavão e Thiago Martins começaram a trabalhar juntos na MTV em 2003, na "Megaliga MTV de VJs Paladinos". Empolgada, a emissora criou um departamento próprio, "Drogaria MTV de Desenhos Animados", responsável por "Fudêncio" e seu spin-off, o talk show "Infortúnio", da ranzinza Funérea, além das animações "Rockstar Ghost", estrelada por Nasi, vocalista da banda Ira!, e "The Jorges, com a voz de Jimmy, líder do Matanza.

Da amizade com Cazé, os dois animadores fundaram em 2007 e Estricnina Desenhos Animados e continuaram prestando serviços para a emissora até o fechamento da pela Abril, em 2013. Pavão e Thiago passaram a produzir comerciais e curtas-metragens, mas agora a dupla craque no humor adulto se prepara para produzir seu primeiro desenho infantil: "Gigablaster".

Sem perder o humor nonsense, a animação, com 52 episódios de 11 minutos, é centrada em uma família com um pai zumbi dono de um karaokê e um protagonista rinoceronte. O desenho deverá estrear no Gloob, canal pago infantil da Globo, em 2019. Para dar conta da alta demanda, o trio de sócios da Estricnina instalou-se em um prédio na zona oeste de São Paulo e dividiu tarefas: a parte criativa fica com eles; o trabalho "braçal", com outro estúdio de animação. A passagem pelo politicamente incorreto com "Fudêncio" fez diferença para a parceria com o canal infantil se concretizar.

"Trazemos um pouco dessa coisa espertinha, uma bagagem um pouco mais picante por termos passado pela MTV e termos um senso de humor moderno, que não subestima a criança", explica Marco Pavão.

"Normalmente, as produções começam com uma temporada fechada, e nós já estamos iniciando com duas e 52 episódios. Sentimos que existe uma confiança do canal e uma aposta muito grande no projeto, como um divisor de águas na nova identidade do Gloob. Eles participam das reuniões criativas e tem sido uma relação bacana", elogia Cazé.

Os animadores, que começaram na publicidade, voltaram para a área com status melhor por causa de "Fudêncio" e outros desenhos com pegada underground. Eles lamentam a falta de espaço para desenhos adultos na TV e a mudança de controle da MTV, da Abril para a Viacom.

"A MTV é bem diferente da que era. Não há nem comparação. Não só pela quantidade de conteúdo nacional, mas pelo próprio comportamento de ser um canal que tem uma grade com muita produção, com estúdio. Hoje, a produtora fornece o produto e eles passam", observa Thiago Moraes.

"Honestamente, depois que a MTV acabou, não existe mais espaço para fazer animação adulta do jeito que a gente queria e com o controle que a gente tinha", lamenta Marco Pavão.