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"Não tenho medo de rejeição", diz diretor de "O Outro Lado" sobre violência

Clara (Bianca Bin) foi violentada por Gael (Sergio Guizé) em "O Outro Lado do Paraíso" - Reprodução/TV Globo
Clara (Bianca Bin) foi violentada por Gael (Sergio Guizé) em "O Outro Lado do Paraíso" Imagem: Reprodução/TV Globo

Guilherme Machado

Do UOL, em São Paulo

17/11/2017 04h00

Desde a sua estreia, “O Outro Lado do Paraíso” chama a atenção pelo apuro estético de suas imagens e as cenas de violência. Com diversos temas espinhosos, a trama das 21h de Walcyr Carrasco tem ganhado elogios e críticas, mas para o diretor artístico, Mauro Mendonça Filho, é necessário explorar esses assuntos, tendo em vista a sua relevância e a força da telenovela brasileira.

“A gente está em uma revolução internacional histórica das mulheres não aceitarem mais certas coisas. Estamos seguindo o movimento do mundo, dando sequência a algo que está acontecendo de não aceitação de certas práticas machistas. As pessoas correm risco de vida”, disse ao UOL sobre uma das questões centrais desse folhetim, a violência contra a mulher. 

Mendonça Filho conta que toda a construção imagética da novela foi pensada como uma forma de contrapor seus aspectos mais tensos com ilustrações mais agradáveis ao olhar.

“A gente tentou equilibrar o máximo possível de beleza visual porque, quando você guarda uma imagem bacana, adoça os olhos um pouco, e com essas metáforas eu de certa forma tiro um pouco a carga emotiva, que é muito negativa. Quando eu fui gravando as cenas de violência, eu olhava para o lado e só via as pessoas com sobrancelha franzida, é muito perturbador”.

Em tempos em que exposições, peças e outras obras artísticas sofrem com patrulha de setores mais conservadores do público, o diretor diz não temer rejeição: “Não tenho nenhum medo”, diz ele, que cita o exemplo de “Verdades Secretas” (2015), sua parceria anterior com Carrasco, que explorou temas como prostituição, uso de drogas e exploração sexual e se tornou um sucesso de audiência para o horário das 23h.

“A gente não estava querendo falar que sexo é um pecado, que é ruim. Queríamos mostrar uma coisa bastante erótica, libertina mesmo, não tenho o menor problema com isso. Mas, ao mesmo tempo, você tem o uso de menores de idade para prostituição, tem uma denúncia. Então, acaba mostrando um assunto para todos os públicos. Não tenho grilo de mostrar por medo de rejeição, pelo contrário, eu tento achar a linguagem certa para que aquela temática seja aceita, sem ficar mascarando. Sem falsa modéstia, acho que tenho sido muito bem-sucedido até aqui”.

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Inspiração em Marina Abramovic

Um dos recursos utilizados pelo diretor são as “epifanias”, momentos em que a ação é intercalada por imagens poéticas, que criam uma jornada visual do sofrimento dos personagens. A fórmula está presente, por exemplo, nas cenas em que Clara (Bianca Bin) é agredida pelo marido Gael (Sergio Guizé), que se misturam a visões da jovem se afogando ou vestida de noiva em um deserto. Ou ainda quando Estela (Juliana Caldas), a filha anã de Sophia (Marieta Severo), se imagina como palhaça de um circo, após sofrer humilhações da mãe.

O diretor artístico explica que a ideia para essas quebras metafóricas surgiu de conversas com seus colegas de direção, que trouxeram diferentes conceitos, incluindo materiais de artista sérvia Marina Abramovic. “Estava buscando alguma coisa que tivesse uma relação com a natureza. Aí, eu falei: ‘De repente a gente fica ilustrando alguma espécie de sentimento dos personagens relacionados com a natureza. A natureza tem sempre uns elementos que são da vida: água, fogo, terra, ar”.

Sem se preocupar com possíveis confusões, ele diz ter ficado contente com as múltiplas interpretações que já ouviu do público. “Eu acho que tento mais é que gerar interpretações do que ficar definindo. A gente faz um negócio meio abstrato e o resultado da interpretação é individual. Então, não sou eu que vou chegar e falar o que é. Eu vou deixar ainda no terreno da imaginação”.

Sofrimento de Clara é ilustrado com imagens metafóricas em "O Outro Lado do Paraíso" - Raquel Cunha/Globo - Raquel Cunha/Globo
Sofrimento de Clara é ilustrado com imagens metafóricas em "O Outro Lado do Paraíso"
Imagem: Raquel Cunha/Globo
Novela ou cinema?

Logo no primeiro capítulo da novela, em que a abertura foi substituída por créditos nas cenas iniciais, além do estilo de direção, deram a muitos telespectadores a impressão de estar assistindo a um filme, e não uma novela. Para Mendonça Filho, romper com o padrão visual é necessário, uma vez que a fronteira entre a telona e a telinha é cada vez menor. 

“Hoje em dia os seriados diminuiriam a distância entre televisão e cinema. Os profissionais são os mesmos, não tem mais diferença. Eu acho que se a gente tem esse reconhecimento internacional de fazer a melhor novela do mundo, é legal também a novela ficar próxima disso [da linguagem]. Como é um programa muito referente no audiovisual no Brasil, não pode ficar aquém de uma revolução que está no mundo todo”.

O diretor rechaça quem classifica, ainda hoje, o cinema como linguagem superior à TV. “É lógico que não é cinema, é televisão, mas cinema existe de uma forma usada muito como adjetivo. Cinematográfico é um adjetivo às vezes de qualidade. Nem todo filme é bom cinema, e nem toda novela é má TV”, critica.

Segunda fase menos dark

"O Outro Lado do Paraíso" se prepara para entrar em sua nova fase, e promete uma série de reviravoltas. Clara será internada em um hospício, num plano tramado por Sophia, que pretende se apoderar das esmeraldas nas terras da moça. Depois de ficar dez anos presa, a mocinha fica rica e volta para se vingar de todos que a maltrataram.

“De uma certa forma, a novela vem muito 'dark' até agora, mas será uma novela como as outras, com muita coisa divertida também”, garante Mauro Mendonça Filho, que define o folhetim de Walcyr Carrasco como “um épico de vingança”. “Foi longo um pouco demais esse primeiro momento, a gente chegou a essa conclusão de que poderia ter sido um pouco menor, uma ou duas semanas. Mas a gente vai fazendo e vai vendo. Acho que plantamos muito bem as questões centrais da história".