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"Mudei a história da televisão brasileira", diz autor de "Os Mutantes"

O roteirista Tiago Santiago, que hoje estuda cinema nos EUA, pretende lançar um livro sobre a saga "Mutantes" - Luciana Whitaker/Folhapress - Luciana Whitaker/Folhapress
O roteirista Tiago Santiago, que hoje estuda cinema nos EUA, pretende lançar um livro sobre a saga "Mutantes"
Imagem: Luciana Whitaker/Folhapress

Guilherme Machado

Do UOL, em São Paulo

29/11/2017 04h00

No Brasil dos anos 2000, uma médica ligada a uma clínica de reprodução cria secretamente 30 seres humanos geneticamente modificados, mutantes com poderes sobrenaturais, como o Curupira e a Mulher-Zumbi. Difícil imaginar nos dias de hoje, mas há dez anos, a trama que mais parece uma versão nacional dos “X-Men”, deu dor de cabeça para a Globo e fez tanto sucesso que a Record resolveu estendê-la por mais duas temporadas.

“Caminhos do Coração”, ou “Os Mutantes”, como ficou mais conhecida, ficou mais de 580 capítulos no ar em suas três temporadas: a original (2007), “Mutantes: Caminhos do Coração” (2008) e “Mutantes: Promessas de Amor” (2009). Sucesso que surpreendeu até mesmo seu autor, Tiago Santiago, hoje longe das novelas.

“Eu sempre espero sucesso de tudo que eu faço", contou, rindo, ao UOL, de Los Angeles, onde vive com a família. "Sou um otimista compulsivo, mas mesmo assim fiquei surpreso”. O escritor não ignora que boa parte da repercussão também se deveu às críticas e brincadeiras com os efeitos especiais da novela e ao humor (involutário?) de algumas de suas cenas, como o embate entre o Homem-Cobra (vivido por Theo Becker) e a Mulher-Aranha (encarnada pela ex-Miss Brasil Natalia Guimarães).

“A novela era pura diversão, um entretenimento fabuloso, então continua a ser. A gente tinha uma produção diária de efeitos especiais, não podia se comparar com Hollywood. Fizemos o melhor que podíamos e eu acho que a gente fez muito bonito”, defende Santiago, que garante rir dos memes que circulam na internet até hoje sobre os heróis brasileiros.

“Tem uma gíria nova chamada ‘sapão’ [pessoa atraente]. Criaram um meme do sapão de ‘Mutantes’ [o personagem Sapo Bufo]. Até hoje as pessoas brincam muito com a novela. Isso me diverte muito, na verdade”, conta ele, que também afirma não ter mágoas das críticas.

Bianca Rinaldi, protagonista da primeira temporada de "Os Mutantes" - Divulgacão - Divulgacão
Bianca Rinaldi, protagonista da primeira temporada de "Os Mutantes"
Imagem: Divulgacão

Com um elenco que incluía nomes como Bianca Rinaldi, Gabriel Braga Nunes, Leonardo Vieira e Tuca Andrada, além das cantoras Fafá de Belém e Preta Gil, o autor hesita em apontar seus mutantes favoritos, mas cita alguns, como Metamorfo (Sasha Bali), Gor (Julianne Trevisol) e Aquiles (Sérgio Malheiros).

Precursora das novelas bíblicas?

Tiago Santiago iniciou sua carreira como roteirista na Globo, onde foi colaborador de produções como “Vamp” (1991) e “Kubanacan” (2003). Em 2004, assinou uma adaptação de “A Escrava Isaura”, na Record, que se tornou um sucesso, já reprisado várias vezes na emissora. Em seguida, escreveu “Prova de Amor” (2005), outra novela que, faz questão de frisar, superou “Os Dez Mandamentos” (2015), considerado o maior fenômeno da emissora no Ibope, na média geral de audiência.

Santiago também destaca que exerceu um papel importante na revitalização do núcleo de dramaturgia da Record, levando para a emissora autoras como Vivian de Oliveira (“Os Dez Mandamentos”) e Cristianne Fridman (“Chamas da Vida, “Vidas em Jogo”), além do diretor de “Mutantes”, Alexandre Avancini.

“Eu montei aquele núcleo. A vinda do Alexandre Avancini e toda estruturação do departamento de efeitos especiais foram fundamentais para a continuidade deste sucesso. Eu acho que realmente não teriam acontecido as novelas bíblicas se não fosse ‘Os Mutantes’”, diz.

Bianca Rinaldi em versão de "Escrava Isaura" escrita por Tiago Santiago na Record - Divulgação - Divulgação
Bianca Rinaldi em versão de "Escrava Isaura" escrita por Tiago Santiago na Record
Imagem: Divulgação

O autor recorda que, depois de certo desgaste na Record, principalmente devido à redução de investimentos na saga dos mutantes, foi atraído por uma proposta do SBT. “O Silvio Santos me ofereceu um caminhão de dinheiro, era minha independência financeira para o resto da vida”. Lá, escreveu duas novelas: “Uma Rosa com Amor” (2010) e “Amor e Revolução” (2011).

Deixou ainda duas tramas inéditas, voltadas para o público infantojuvenil. No entanto, elas nunca foram ao ar, o que o deixou frustrado e o fez acionar a Justiça. “Passei mais de três anos escrevendo para cumprir meu contrato. Eu cumpri minha parte e o SBT não cumpriu com a sua, que é de produzir esses trabalhos. Se o SBT produzir os trabalhos não existe mais razão para perseguir isso na Justiça. São trabalhos excelentes, que poderiam colocar o SBT na liderança”, afirma.

“Mudei a história da TV”

Longe da TV desde sua saída do SBT, Santiago estuda na Universidade da Califórnia e prepara seu primeiro roteiro em inglês. “Voltei a ser estudante, porque estou aprendendo tudo sobre a técnica e o formato do roteiro de cinema norte-americano. Estou decidido a escrever e produzir para o mercado americano agora”, explica. Não compreende, entretanto, por que não foi mais chamado para escrever novelas no Brasil.

“Eu tenho quatro das seis maiores médias da Record. Toda minha carreira de 14 anos como roteirista na Rede Globo foi pontuada por enormes sucessos. No SBT, creio que eu deixei um núcleo mais sólido, estruturado. Não sei porque não me contratam mais. Talvez não me contratem na Globo porque eu ajudei a montar a Record, talvez não me contratem na Record porque eu decidi ir para o SBT, e no SBT só tem espaço para a Televisa e Dona Iris [Abravanel] hoje em dia. Será que é isso? Pode ser, mas eu acho isso tão pequeno de considerar”, desabafa.

O roteirista, que ainda prepara um livro sobre “Os Mutantes”, diz que mantém contato com as emissoras e que não se sente abandonado pela TV por se considerar parte de sua história.

Eu sou realmente um dos roteiristas de maior sucesso da minha geração, mudei a história da televisão brasileira. E hoje em dia não me contratam. Sabe o que penso de tudo isso? Me sinto trazido para cá, sinto que faz parte um plano divino que eu não seja contratado nesse momento para eu poder me dedicar a essa nova carreira no cinema”.