Topo

Com cenas no Tocantins, novela das 9 incomoda moradores, mas ajuda turismo

Bianca Bin e Erika Januza em gravação na vereda do Capim Dourado, no Jalapão - Globo/Raquel Cunha
Bianca Bin e Erika Januza em gravação na vereda do Capim Dourado, no Jalapão Imagem: Globo/Raquel Cunha

Guilherme Machado

Do UOL, em São Paulo

04/12/2017 04h00

Era um dia de comemoração. Telões foram erguidos em diversas regiões de Palmas, capital do Tocantins, em uma parceria entre a prefeitura da cidade e a TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo. A cidade estava toda preparada para assistir à estreia de “O Outro Lado do Paraíso”, primeira novela do horário nobre a retratar as paisagens do estado da região Norte. Um motivo para celebrar. Pouco mais de um mês depois da estreia, no entanto, moradores da cidade dizem estar decepcionados.

“No primeiro dia foi muito emocionante ver como eles conseguiram captar imagens maravilhosas aqui do Estado, porque realmente tudo aquilo existe e é tão ou mais bonito do que foi registrado. Mas depois dos três primeiros capítulos a expectativa foi ao contrário. Acho que não vejo ninguém daqui que esteja efetivamente gostando da produção da novela”, opina Marina Oliveira ao UOL.

Para ela, a trama de Walcyr Carrasco, com direção de Mauro Mendonça Filho, mostra uma versão distorcida da realidade tocantinense e não valoriza a cultura do estado. “Eles poderiam ter pegado o regionalismo, a forma como as pessoas costumam falar aqui, como se vestem, comidas típicas, o que mais me incomodou foi isso. Além de não pegar, eles distorceram a realidade aqui de uma forma que ficou completamente surreal para nós que vivemos aqui”.

o outro lado do paraíso - Marieta Severo será Sophia, a maior vilã da novela. Ela vai infernizar a vida da nora, Clara, e do avô dela, Josafá, personagem de Lima Duarte - Divulgação/TV Globo - Divulgação/TV Globo
Marieta Severo é Sophia, vilã de "O Outro Lado do Paraíso". Aspectos da caraterização da personagem foram criticados
Imagem: Divulgação/TV Globo
Marina, 27, se mudou para o Tocantins quando tinha por volta 1 ano de idade. Sua mãe, a professora Stelamaris Oliveira, não nasceu no estado, mas mora nele há 26 anos e compartilha dos sentimentos da filha em relação ao folhetim das 21h.

Stelamaris diz ficar revoltada ao ver Palmas ser retratada como o que chama de “capital do preconceito”. “É um absurdo! Nós estamos vivendo uma época em que o planeta todo está tentando vencer preconceitos e eles estão colocando Palmas como a campeã do preconceito. Violência contra a mulher, racismo são conotações péssimas para nós aqui. Realmente não representa [a cidade]”, desabafa.

Mãe e filha também criticam o vestuário dos personagens, que, na visão delas, é muito distante de como as pessoas de fato se vestem na região. “É ridículo, na verdade, uma caricatura. Parece até que eles não tiveram um cuidado de fazer um laboratório na cidade, no estado. Totalmente fora da realidade”, opina Marina.

Proprietária de uma agência de turismo, Thaysa Demarchi concorda. “Palmas é muito quente, e eles vivem de bota”, diz, rindo. O guia turístico Sandro Noleto também observa que botas e chapéus são adereços utilizados em ocasiões específicas. “Não é uma prática cotidiana”, enfatiza. 

Noleto, que nasceu no Pernambuco e vive no Tocantins desde os 13 anos, elogia a novela por levar temas importantes ao horário nobre, mas critica a abordagem. “Eu sei que é um tema imporante que eles estão abordando, contra a violência doméstica, mas botaram nas costas da gente”, diz ele, que contou ter sido questionado por uma cliente se os tocantinenses são agressivos. 

“Ela viu a novela e, durante o passeio, perguntou se a gente é mais ou menos como o personagem que agredia a mulher”, conta o guia, em referência a Gael, personagem de Sergio Guizé que bateu diversas vezes em sua mulher, Clara (Bianca Bin).

Quilombo real

A atriz Erika Januza - Cesar Alves/Globo - Cesar Alves/Globo
Érika Januza é Raquel em "O Outro Lado do Paraíso". Sua personagem tem uma grande virada na segunda fase, ao tornar-se juíza
Imagem: Cesar Alves/Globo
Líder da comunidade quilombola Mumbuca, uma das referências de Walcyr Carrasco para a trama, Ilana Cardoso diverge dos conterrâneos. “O papel da Érika Januza está muito bonito, ela está representando bem a comunidade. Ela esteve aqui, fez laboratório. Enfim enxergaram a gente e mostraram um pouco como que é”, elogia, citando a atriz que interpreta Raquel, ex-empregada doméstica que se tornou juíza.

A moradora do Jalapão também vê semelhanças dos preconceitos exibidos na trama com a vida real. “Aqui tem preconceito sim. Eu vim do interior para o Jalapão e tive a maior dificuldade para arrumar emprego. É uma visão muito política, você consegue um emprego através de um deputado ou se tem algum padrinho. E também novela é ficção, o povo tem que entender isso”. 

Procurada para comentar as questões da novela apontadas pelos moradores do Estado, a Globo respondeu que "as belezas da região são o pano de fundo da história escrita por Walcyr Carrasco e que contribuem imensamente para a exuberante fotografia da novela."

Quando às críticas ao figurino, a emissora disse que a equipe responsável fez "uma ampla pesquisa de referência in loco e contou também com auxílio local para desenvolver o estilo dos personagens que vivem na região, de acordo com o perfil construído pelo  autor para cada um deles."

O texto ressalta ainda que a protagonista Clara (Bianca Bin) é "nascida e criada no Tocantins, uma mulher de boa índole" e cita personagens como Raquel (Erika Januza), Josafá (Lima Duarte) e Mercedes (Fernanda Montenegro) como "pessoas exemplares". "Vale lembrar ainda que as novelas são obras de ficção que têm como principal objetivo entreter, sem compromisso com a realidade", diz o texto.

Impacto no turismo

A despeito das críticas de alguns moradores, agências ouvidas pelo UOL reconhecem que as belas paisagens mostradas no horário nobre já podem estar rendendo frutos para o turismo da região. Embora não cite números, Thayssa Demarchi assegura que o interesse na região aumentou após a estreia da novela.

“A procura pelo Jalapão em si já vinha crescendo ao longo do tempo. Mas com a novela a gente vê que está aumentando o fluxo de gente. Começou na segunda-feira a novela. Na terça-feira já me ligaram perguntando: ‘Olha, é muito bonito, isso é verdade mesmo?’", lembra.

Priscilla Maso, da Korubo Expedições, agência que é uma das principais que operam no Parque Estadual do Jalapão, também afirma que clientes citam a novela como fonte de interesse pelo local. “A novela realmente deu um ‘up’ para essa região”, diz.

Nádia (Eliane Giardini) em "O Outro Lado do Paraíso" - Raquel Cunha/TV Globo - Raquel Cunha/TV Globo
Eliane Giardini interpreta a vilã Nádia, representante da elite de Palmas na novela
Imagem: Raquel Cunha/TV Globo
Segundo Flávio Ribeiro, diretor-comercial da Norte Tur, a novela deixou as pessoas curiosas, mas o impacto não é imediato. “Aumentou a procura, mas as pessoas estão pesquisando e se preparando para viajar. A gente acredita que o reflexo disso vai vir daqui seis meses, um ano. As pessoas ficaram interessadas”.