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Cura gay? "Outro Lado" irrita público com recaídas héteros de Cido e Samuel

Samuel beija Suzy após se separar de Cido - Reprodução/Globo
Samuel beija Suzy após se separar de Cido Imagem: Reprodução/Globo

Marcela Ribeiro

Do UOL, no Rio

10/04/2018 04h00

Assim como acontece na vida real, não foi fácil para Samuel (Eriberto Leão) sair do armário em "O Outro Lado do Paraíso". O receio da reação da mãe sobre o fato de ser gay sempre pesou. Foi preciso que Suzy (Ellen Roche), com quem era casado, o desmascarasse, após flagrá-lo na cama com Cido (Rafael Zulu). O médico acabou assumindo o relacionamento com o motorista e esse se tornou o núcleo cômico da novela.

O casal estava indo bem, apesar da gravidez de Suzy. Mas Walcyr Carrasco começou a deixar trama confusa. Há duas semanas, Samuel e Cido tiveram "recaídas héteros" com Suzy e Irene (Luciana Fernandes) e terminaram o relacionamento para a alegria de Adnéia (Ana Lúcia Torre), mãe do médico, que ofereceu os direitos e "mais três meses de salário" para a ex-empregada como recompensa por ela ir embora com o namorado do filho. Confuso, o médico pediu conselhos a Mãe do Quilombo (Zezé Motta), após passar a noite com a mãe de sua filha.

No Twitter, dezenas de internautas criticaram o desenrolar da trama, escrita pelo mesmo autor de "Amor à Vida" (2014), que exibiu o primeiro beijo gay entre Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso).

"Enquanto Gloria Perez trabalhou brilhantemente a questão de gênero e identidade sexual em 'A Força do Querer', Walcyr Carrasco vem com Cura Gay em 'O Outro Lado do Paraíso. Desserviço!", escreveu  Danyllo Junior.

"Estamos em 2018 e a novela está tentando emplacar que a cura gay existe (e ainda mais em tom de comédia)", comentou outra internauta.

"Que desserviço essa novela. Trata cura gay como possível e trata racismo como piada, banalizando o assunto", criticou Lucas de Paula no Twitter.

Rafael Zulu defende seu personagem e diz que entende o envolvimento de Cido com Irene. "No caso do Cido, não é uma questão de ser gay e virar hétero. Ele já teve uma relação com a Irene e, num momento de vulnerabilidade e que sua relação com Samuel não estava tão bem, acabou tendo uma recaída com a ex. Acho que essa reaproximação com a Irene se dá justamente por eles já terem tido uma história juntos. Então, eu não colocaria que foi uma 'recaída hétero'", diz.

"Não acho, por exemplo, que um gay vire hétero. Há, sim, quem se sinta atraído tanto por mulheres quanto por homens, como acredito ser o caso do Cido", completa.

Adnéia, mãe de Samuel, já falou algumas vezes que acredita na "cura gay" do filho e incentiva muito para que ele fique com Suzy. Quando ele anunciou a separação de Cido, ela soltou: "Tudo o que quero é o seu bem. Vai ser uma família igual as outras, papai, mamãe, filhinha".

"Nós somos uma família perfeita. É assim que tem que ser? É assim que vai ser então", disse Samuel para Suzy e Adnéia, depois que Cido saiu de casa.

ADINÉIA (Ana Lucia Torre) entre Samuel (Eriberto Leão) e CIDO (Rafael Zulu) - Divulgação/TV Globo/Raquel Cunha - Divulgação/TV Globo/Raquel Cunha
Adinéia (Ana Lucia Torre) entre Samuel (Eriberto Leão) e Cido (Rafael Zulu)
Imagem: Divulgação/TV Globo/Raquel Cunha


Ana Lúcia Torre diz que a personagem representa uma parte da sociedade que ainda tem uma visão preconceituosa de relacionamentos homoafetivos.

"Tenho absoluta certeza que a Adnéia representa uma parte da sociedade. Já ouvi uma vez uma mulher dando uma entrevista na rua dizendo que ela preferia que o filho dela fosse bandido do que gay. Como se uma pessoa ser gay significasse não ter caráter. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, e não é opção. Ele é, pronto, está acabado."

Ativista dos direitos LGBT, Bill Santos critica a forma como Walcyr Carrasco guiou os personagens até o momento.

"Não só acho que é um retrocesso, como acho que é um desserviço. Nós, militantes do movimento LGBT, lutamos a cada dia, para que as pessoas consigam compreender o que é orientação sexual, o que é identidade de gênero, essas coisas que não são debatidas na escola, infelizmente."

Bill, que é pai, lembra que não se muda a orientação sexual. "O Walcyr Carrasco diz que a pessoa pode mudar a orientação sexual e isso é impossível. Ele confunde mais a cabeça das pessoas, que nem sabem ainda o que é orientação sexual. Muito me admira o autor que fez uma novela com o personagem do Niko agora presta esse desserviço para a população".

Na próxima semana, Samuel e Cido vão se reaproximar e terminarão felizes juntos. Suzy será pedida em casamento por Helder (Carlos Bonow) e tudo indica que a enfermeira dividirá a guarda da "tigrinha", apelido carinhoso da filha, com Samuel. Ana Lúcia Torre acha que Adnéia não merece ser punida por sua postura preconceituosa com o filho ao longo da novela.

"Trocaria punição por esclarecimento. Quando a pessoa começa a entender o que acontece, quando a pessoa começa a ter respeito pelo outro. Quando a pessoa abre seus caminhos, e não se limita dentro de uma caixinha que ela mesmo construiu, vai entender que o mundo é muito mais leve. Não acho que a Adnéia merece esclarecimento, e um esclarecimento por amor", salienta.

Apesar das inúmeras críticas nas redes sociais, Rafael Zulu diz que a repercussão nas ruas tem sido positiva até o momento. "As pessoas têm carinho e se divertem com o núcleo e, consequentemente, com a família! Os gays se identificam muito com a situação do Cido e do Samuel. Me impressiona a quantidade de pessoas que já viveram ou vivem situações parecidas."