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Protagonista de beijo gay histórico é religioso e crítico de Bolsonaro

Conrado Gotti - Divulgação
Conrado Gotti Imagem: Divulgação

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

15/09/2018 04h00

A noite de 8 de agosto de 2001 teve fungada no cangote, apalpada no bumbum e carícia em tórax peludo. Sim, entre homens. Um momento histórico da TV brasileira que, hoje, talvez causasse mais alarde que neste passado recente.

“Ainda acho necessário mostrar que o beijo gay, o hétero, o bi, qualquer um, é o mesmo beijo de qualquer ser humano. E que não é a orientação sexual da pessoa que irá formar seu caráter, e sim sua criação e a educação dada pela família e sociedade”, diz Conrado Gotti, estrela daquele primeiro episódio gay do programa “Fica Comigo”. 

A atração da extinta MTV Brasil era um programa de auditório no qual os participantes passavam por várias etapas até, finalmente, um deles ser escolhido: a pessoa que, isolada dos candidatos e sem poder vê-los, estava à procura de um parceiro ou parceira.

Os participantes eram eliminados por meio de uma série de joguinhos que entretinha o público e apimentavam o andamento do programa. Respondiam, por exemplo, perguntas que averiguavam seu grau de empatia com aquele, ou aquela, que esperavam beijar no final.

Eles também passavam por, digamos, averiguações estéticas. A pessoa a ser conquistada podia tocá-los através de buracos na barreira que a separava dos potenciais “crushs”. Quando ela saía de trás dessa barreira, só podia encostar nos candidatos usando um óculos que tapava a visão.

Mais ou menos como ocorre com os aplicativos de paquera, porém, todas essas preliminares não garantiam um final feliz. Nem sempre o participante sobrevivente ganhava um beijo quando tinha a identidade revelada.

Não foi o caso do candidato Fábio, no final beijado por um Gotti elegantemente vestido com camisa vermelha de mangas compridas e calça social branca. Para delírio da plateia e da apresentadora Fernanda Lima.

“Resolvi participar do ´Fica  Comigo` primeiro porque eu realmente estava solteiro. Também porque sempre fui modernoso, à frente do meu tempo, e achei que seria uma inovação para mim e para todos que assistissem”, explica Gotti. "E para mostrar que a homossexualidade é normal, que essa orientação sexual não é doença, e por vaidade. Quem nunca teve o desejo de aparecer na televisão, principalmente naquela época?”

Não foi o primeiro beijo gay

Conrado beija seu escolhido na primeira edição gay do "Fica Comigo", da MTV - Divulgação - Divulgação
Conrado beija seu escolhido na primeira edição gay do "Fica Comigo", da MTV
Imagem: Divulgação
O romance não foi para frente e, diferente do que é dito às vezes, Gotti e Fábio não protagonizaram o primeiro beijo gay da TV brasileira. Isso aconteceu no longínquo 1964 (ou 1963, os registros são imprecisos), quando as atrizes Vida Alves e Geórgia Gomide se beijaram no teleteatro “A Calúnia”, da TV Tupi. Ocorre que, entre homens, a questão sempre demandou pisar em ovos tamanho extragrande, o que já garante a Gotti um lugar na história da TV nacional.

O primeiro beijo gay masculino em uma produção da TV Globo, por exemplo, aconteceu só em 2008, entre Bruno Garcia e Guilherme Weber na minissérie “Queridos Amigos”. Demorou mais seis anos para uma cena igual aparecer no horário nobre da emissora, quando a novela “Amor à Vida” teve o beijo entre Mateus Solano e Thiago Fragoso.

Hoje com 47 anos, Gotti mora com o namorado em Ribeirão Preto (SP) e tem uma visão otimista de seu legado mesmo com o momento de intolerância vivido no país. “A maior consequência positiva da minha participação foi a abertura que nós, homossexuais, começamos a ter. Ajudou bastante”, diz ele.

Atualmente desempregado, Gotti é formado em farmácia e bioquímica, além de ser técnico em design de interiores. Conta que eventualmente ainda é reconhecido em baladas, mas, apesar de se orgulhar da aparição na MTV, não costuma falar sobre ela e está “cada vez mais reservado”.

Fé e política

“Sou católico com muito orgulho e devoto de Nossa Senhora de Fátima”, revela. Sua página no Facebook tem várias imagens de cunho religioso e também do juiz Sérgio Moro. Ele não vê contradições entre ser gay e assumir posturas aparentemente conservadoras.

“A homossexualidade é pregada com mais fervor pelos evangélicos, nos demonizando. E parecem que eles fazem questão de enfatizar isso. Já no catolicismo, nunca senti uma pressão sobre isso, tanto ao frequentar missas quanto ao ouvir os sermões de vários padres”, argumenta Gotti.

“Acredito em Deus, herdei essa religião dos meus pais e a sigo com muito amor. A bíblia sugere várias interpretações e posso discordar de algumas doutrinas impostas pela religião. Agora, vou deixar de ser católico pelos vários casos de pedofilia na igreja? Ser contraditório é seguir o que diz minha religião, ou não? Onde entra o perdão?”

Já sobre Jair Bolsonaro, Gotti tem opiniões mais duras. “Discordo completamente do modo machista, antiquado e muito agressivo pelo qual ele aborda certas opiniões, principalmente quando se refere aos gays”, diz.

Ainda sobre o candidato à presidência, Gotti avalia se tratar de “um senhor com formação militar, que convive com preconceitos tomados como normativos na sua criação e quer passar para a família brasileira o modo Bolsonaro ´correto` de ser. Quem não vê como ele age, ou se finge de cego ou não tem nenhuma informação sobre ele”.

Gotti se diz a favor da militância pelos direitos dos gays, desde que “não seja muito agressiva e saia dos limites”. “A militância tem de ser feita de maneira educativa e constante, na mídia em geral. Somente o fato de o assunto estar em evidência já ajuda na absorção da nossa existência na sociedade”, acredita.

O otimismo de Gotti surge mais uma vez – com moderação, é verdade - quando ele é perguntado se, afinal, o Brasil e o mundo estão mais intolerantes.

Ele lembra que nenhuma marca quis aparecer em seu episódio do “Fica Comigo” por temer vincular o nome ao público gay, mas não vê o preconceito necessariamente maior hoje.

“O que houve é que, com a abertura do acesso à informação, internet e globalização, ficou muito mais fácil falar sobre isso, mostrar mais casos de agressões, fazer denúncias.”