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Thiago Oliveira lembra racismo e demissão até brilhar na madrugada da Globo

O apresentador Thiago Oliveira no estúdio do "Hora 1", telejornal da Globo - Fábio Rocha/TV Globo
O apresentador Thiago Oliveira no estúdio do "Hora 1", telejornal da Globo Imagem: Fábio Rocha/TV Globo

Paulo Pacheco

Do UOL, em São Paulo

17/09/2018 04h00Atualizada em 18/09/2018 17h57

Thiago Oliveira acordou com dificuldade nesta segunda-feira (17). O fim de semana quebrou a rotina diária de dormir às 18h e despertar à meia-noite rumo à Globo, onde sempre quis trabalhar. Às 4h, ele entra no ar para comandar o bloco de esportes do "Hora 1", primeiro telejornal da programação da Globo, em que faz uma tabelinha de sucesso com Monalisa Perrone.

"Fazer madrugada requer muita disciplina, não é nada fácil. Para entrar no ar às 4h com uma linha de raciocínio boa, você precisa entender que precisa mudar o sono, a alimentação, a maneira como vai estudar e chegar ao trabalho", explica o apresentador ao UOL.

Izabella Camargo, Thiago Oliveira e Monalisa Perrone no estúdio do "Hora 1", telejornal da Globo - Fábio Rocha/TV Globo - Fábio Rocha/TV Globo
Thiago Oliveira e Monalisa Perrone
Imagem: Fábio Rocha/TV Globo
Ao lado de Monalisa, Thiago ajuda a deixar o telejornal, recheado de notícias ruins, um pouco mais leve. Além dos gols da rodada, ele conversa e brinca com a apresentadora e tem conquistado a simpatia do público que acorda assistindo ao "Hora 1".

"Ela passa a bola com uma gentileza que nunca tinha recebido no vídeo. Aprendi com ela que quem faz madrugada não tem vida social. Quem está do seu lado é quem realmente te ama, porque ninguém vai entender que você não pode sair sábado à noite porque vai quebrar o horário. Vão falar que é frescura. Quem faz madrugada precisa estar bem e querer fazer o melhor'", conta.

Casamento

Por causa da rotina rigorosa, somente uma coisa faz Thiago perder o sono: o casamento com Yasmin Calil, no próximo sábado. Assumidamente ansioso, o jornalista espera reunir os amigos e colegas de trabalho para trocar as alianças com a publicitária, com quem mora há quatro anos.

Thiago Oliveira com a noiva, a publicitária Yasmin Calil - Danilo Siqueira - Danilo Siqueira
Thiago Oliveira com a noiva, a publicitária Yasmin Calil
Imagem: Danilo Siqueira
"Quando chego em casa ela sai para reuniões, e quando ela chega estou indo dormir. Só a vejo na sexta à noite e no fim de semana. Ela é uma pessoa extremamente importante na minha vida. Sem ela, seria muito, muito difícil eu estar onde estou. Sou muito grato. Ela entra de cabeça comigo", elogia.

Os noivos voltaram a São Paulo em abril deste ano, quando Thiago foi chamado para apresentar o bloco esportivo do telejornal local "Bom Dia SP". O casal morava no Rio de Janeiro, onde jornalista trabalhou no canal pago Sportv desde 2014: "Morar no Rio foi fundamental para o nosso crescimento como casal".

Madrugada no rádio

Antes de aparecer na TV às 4h, Thiago Oliveira já bateu ponto de madrugada. Em 2002, ainda calouro da faculdade Anhembi Morumbi, ele recebeu uma oportunidade para estagiar na rádio Cidade, que logo depois seria rebatizada para Sucesso.

"Fazia o 'Love Songs' e lia 'as cartas que tocam o coração' [fala com voz grave]. Ganhava 180 reais e passe de ônibus que eu trocava por um hot dog na avenida Paulista. No rádio, aprendi muito a trabalhar com o improviso e com a imaginação das pessoas. Levei isso para a TV", recorda.

Thiago não aguentou três meses conciliando o trabalho de madrugada e a faculdade pela manhã. Pediu para trabalhar à tarde e foi atendido. Além de locutor, o então estudante de jornalismo manteve contato com os cantores mais famosos da época e aprendeu a entrevistar famosos como Sonia Abrão, que o convidou para sua equipe quando a rádio terminou.

Thiago Oliveira em seu primeiro trabalho na comunicação, como locutor da rádio Sucesso FM - Thiago Oliveira/Arquivo pessoal - Thiago Oliveira/Arquivo pessoal
Thiago Oliveira como locutor da rádio Sucesso FM
Imagem: Thiago Oliveira/Arquivo pessoal
Sonia Abrão e "aula" com Silvio

Com Sonia, Thiago Oliveira trabalhou como produtor e aprendeu a fazer TV, seu sonho desde criança: "Assistia a Angélica, Silvio Santos, Faustão. Desde os nove anos, eu chamava atenção da minha família fazendo Shows de Mágica do Gugu. Aos 12, assisti ao programa do Fábio Jr. e ouvi um cara dizendo: 'Atenção. Silêncio. Gravando!'. Olhei para minha mãe e falei: 'É isso que eu quero ser'".

No programa de Sonia Abrão, que na época havia migrado da Record para a RedeTV!, Thiago teve a oportunidade de entrevistar Silvio Santos, com quem teve uma "aula" informal de televisão na porta do salão do cabeleireiro Jassa.

"Silvio perguntou: 'O que você quer ser?'. Eu respondi: 'Apresentador'. Ele olhou para mim e falou: 'Vou te dar uma dica. Toda vez que você estiver apresentando, nunca fique chapado no vídeo', e fez o movimento de ficar de lado, nunca de frente para a câmera. 'Dá mais tranquilidade e intimidade para quem está assistindo'. Nunca esqueci aquilo", relembra.

Obstinado, Thiago decidiu ampliar seu leque de trabalho e fez figuração em comerciais e séries, até decidir gravar um piloto como apresentador, com ajuda de Elias Abrão, irmão de Sonia: "Fiz um piloto vendendo uma moto, uma decoração e um pão francês. E mandei para todas as emissoras".

"Desisti"

Thiago, então com 22 anos, passou no teste de uma emissora, que ele prefere manter em sigilo. Ouviu da direção: "Você tem o perfil que a gente quer". Radiante, agradeceu à família de Sonia Abrão e avisou que estava de saída. Prestes a assinar o contrato e provar o figurino, porém, o canal o ignorou.

"Estou esperando a ligação da outra emissora até hoje. Foi nesse primeiro momento em que eu desisti. Falei: 'Tudo aquilo que tentei não veio, acontece', conta. Encostado e sem perspectiva, foi chamado pela Gazeta para apresentar o programa de vendas "Best Shop TV", sua primeira oportunidade como apresentador, da qual é eternamente grato.

"Super Esporte" e demissão

Após três anos vendendo panelas e celulares na TV, Thiago Oliveira almejou sonhos mais altos e propôs à Gazeta um programa esportivo "mais leve", diferente dos tradicionais --e engessados-- "Gazeta Esportiva" e "Mesa Redonda". O sucesso de Tiago Leifert à frente do "Globo Esporte" convenceu a emissora a dar uma chance ao apresentador.

Em 2013, mais um sonho acabou. Thiago entrou para uma lista de cortes da Gazeta que não poupou nem o veterano narrador esportivo Fernando Solera. O jornalista admite ter ficado "machucado" pela forma como foi dispensado.

"Foi uma mistura de tristeza, porque me identifiquei muito e ganhei alguns prêmios graças ao meu investimento. Tirei dinheiro do bolso para fazer reportagens, entrevista ao vivo com o Dentinho na Ucrânia. Peguei minhas férias em Paris, pedi para meu amigo de infância, que mora na Suíça, gravar a chegada do Lucas ao PSG. É natural ficar machucado", lamenta.

Após a publicação da reportagem, a Gazeta se posicionou sobre a declaração de Thiago Oliveira: "A emissora lamenta a citação do apresentador [parágrafo acima]. Pois foi aqui, ainda na emissora, que o apresentador teve a oportunidade de estudar, com bolsa integral, na pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, referência no ensino de comunicação no Brasil".

Racismo

Aos 34 anos, Thiago Oliveira se orgulha de suas origens na Vila Verde, em Itaquera, zona leste de São Paulo. Realizado como apresentador e na empresa onde almejou trabalhar, o jornalista revê sua trajetória e o passado de luta contra o preconceito enraizado no Brasil.

Thiago Oliveira com os pais, Elena e João - Reprodução/Instagram/thioliveiras - Reprodução/Instagram/thioliveiras
Thiago Oliveira com os pais, Elena e João
Imagem: Reprodução/Instagram/thioliveiras
"Naquela época era bullying, as pessoas olhavam e te excluíam. Hoje, lembro que as pessoas molhavam minha roupa, colocavam cola na minha carteira, chamavam o livro 'Pretinho, Boneco Querido' de 'Thiago, Boneco Querido'. Eu era o único negro da escola, mas nunca me preocupei com isso e sempre fui muito focado no que sempre quis na vida: dar orgulho aos meus pais e ter o que sempre sonhei."

Filho de uma vendedora de cosméticos e de um comerciante da rua 25 de Março, Thiago valoriza o esforço que seus pais fizeram para dar a ele e seu irmão caçula uma educação de qualidade para garantir aos filhos um futuro melhor e menos injusto.

Representatividade

Thiago Oliveira - Fábio Rocha/TV Globo - Fábio Rocha/TV Globo
Thiago Oliveira
Imagem: Fábio Rocha/TV Globo
Hoje, após a saída de Abel Neto para o Fox Sports e a transferência de Heraldo Pereira para a GloboNews, Thiago Oliveira é o único apresentador negro da Globo em rede nacional, feito do qual não se orgulha de jeito nenhum porque deseja abrir portas para quem desiste de sonhar por causa do preconceito.

"Tenho muito orgulho da minha história. Não tenho orgulho de ser um dos únicos negros na TV. Muitas pessoas me param e falam: 'Você me representa!', 'Você fala como as pessoas entendem e querem saber, e você conseguiu!'. Tenho uma responsabilidade muito grande. Eu não posso errar, senão vão falar assim: 'Também...', e continua a frase que a gente sempre ouve na vida. Eu me cobro demais para mostrar que estou aqui para abrir portas. Minha função e minha responsabilidade é mostrar que todo mundo pode."

Não acredito que o racismo está acabando. Hoje, o assunto é tratado com mais propriedade. Eu, Maju, Heraldo e Abel temos uma importância muito grande de estar no ar e falar: 'Estou aqui! Você tem um sonho? 'Vambora'!'. Preconceito está da mesma forma que sempre existiu, mas camuflado. Quantas vezes já ouvi: 'Neguinho chega aqui e já acha que pode'. O 'neguinho' sempre é tachado de forma pejorativa e a pessoa não percebe, porque está introduzido há séculos no vocabulário. Se a pessoa fala sem perceber, imagine as ações sem refletir