Autor diz que levou "padrão Globo" para Record quando comandou novelas
No início dos anos 2000, a situação no departamento de teledramaturgia não era das mais fáceis. Marcada por fracassos de audiência, a emissora lutava para encontrar o tom correto em suas novelas.
Tudo mudou com a chegada do diretor Herval Rossano, que chamou o autor Tiago Santiago, que conhecia do programa "Você Decide", na Globo, para escrever um folhetim: uma nova versão de "A Escrava Isaura" (2004), romance de Bernardo Guimarães que já havia sido adaptado para TV por Gilberto Braga em 1976.
A novela foi um sucesso e rendeu a Tiago o posto de consultor da dramaturgia da emissora. A partir de então, se iniciou o período conhecido como a retomada da dramaturgia da Record, e o canal conseguiu emplacar um sucesso após o outro, com tramas como “Prova de Amor” (2005), “Vidas Opostas” (2006), “Os Mutantes” (2008), “Chamas da Vida” (2009) e "Poder Paralelo" (2010).
No momento em que a Record completa 65 anos, o escritor relembra com carinho de seu período à frente da dramaturgia da emissora, quando suas novelas conseguiram, inclusive, alcançar a liderança de um segmento até então era dominado pela Globo.
“O que aconteceu na Record nessa época é que tínhamos gente que queria mais espaço na Globo. Eu tinha vindo da Globo e trouxe essas pessoas. Então houve todo um know-how que era até então da Globo, que foi transferido para a Record através desses grandes talentos”, conta Tiago em entrevista ao UOL.
Para ele, o êxito obtido com as novelas foi uma surpresa e muito relacionado a um conhecimento que trouxe da Rede Globo ao lado de profissionais como os diretores Alexandre Avancini e Edson Spinello.
“Na época a gente tinha esse sonho de disputar a liderança, o que acabou acontecendo com ‘Prova de Amor’. Me lembro que eu dava pulos de alegria quando a gente chegou a pontuar acima do 'Jornal Nacional'. Foi surpreendente, mas depois de um tempo era o que a gente esperava em função do trabalho. Tanto eu quanto o Alexandre Avancini já éramos profissionais muito experientes, formados pela TV Globo. Então era na verdade a qualidade, o know- how da Globo em uma nova emissora”, relata.
Ele relembra que a semelhança entre as novelas da Globo e da Record foi inclusive alvo de comentários: "Em ‘Prova de Amor’ as pessoas me diziam: ‘Parece novela da Globo, mas é fora da Globo’. Era interessante ver isso. ‘Prova de Amor’ foi a primeira novela contemporânea que fez muito sucesso. Foi tudo muito lindo, muito bom. Tenho ótimas lembranças desse período na Record”.
Do Rio ao Egito
Na época em que Tiago comandou a teledramaturgia da emissora, a Record investiu em tramas contemporâneas, que retratavam a realidade brasileira. Atualmente, o foco do canal está em novelas de época que tratam de temas bíblicas.
O autor, que hoje mora em Los Angeles, diz que seu legado ainda está vivo nas produções da emissora e que elas só são possíveis graças a bases montadas em sua gestão.
"Minha preocupação na época foi estruturar um núcleo, que permanece até hoje. Acho que todo o investimento que a gente fez em efeitos especiais para “Os Mutantes” foi fundamental para o sucesso de ‘Os Dez Mandamentos’. Não haveria ‘Os Dez Mandamentos’ se não fosse ‘Os Mutantes’”, ressalta.
Ele vê coerência nos novos rumos tomados pela emissora, mas faz ressalvas. Segundo ele, se não houver um bom escritor por trás da história, ela não fará sucesso só por ser bíblica.
“A Record precisa de muita atenção para não perder seus grandes autores. Perdeu a mim, perdeu a Vívian [de Oliveira] agora. Isso é uma coisa que preocupa. Sem grandes autores não há grande teledramaturgia. A Bíblia tem histórias milenares, ali é um farto material para colocar dramas humanos, grandes histórias. De alguma forma essa opção é coerente com o DNA da emissora, ela é controlada por pessoas da Igreja Universal. É possível fazer dramaturgia com temas bíblicos? Sem dúvida! Só que tem que haver critério, separar o joio do trigo”, opina ele.
O escritor lembra que saiu da Record justamente porque sentiu que a gestão da casa parou de investir em seu trabalho, além do fato de ter recebido uma proposta "irrecusável" de Silvio Santos para ir para o SBT.
“O saldo foi muito positivo. No final eu saí porque não estava satisfeito com a gestão. Não nos ajudava. Por exemplo, ‘Os Mutantes’ estava disputando no horário nobre. Na minha cabeça precisava investir mais. O ápice disso veio quando a gente foi lutar contra 'Caminho das Índias' com o orçamento reduzido a praticamente um quarto, enquanto víamos na emissora concorrente um mega elenco, com um mês de gravações em palácios na índia. Tiraram o Petrônio Gontijo e a Miriam Freeland da novela, que era um casal que fazia sucesso, foi uma ordem. Essas coisas me incomodavam”.
Apesar disso, ele ainda mostra carinho pela antiga casa. “Eu dou meus parabéns à Record pelos 65 anos com desejo que faça ainda mais sucesso nos próximos 65”.
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