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Artista infantil, depressão e budismo: a volta por cima de Deborah Blando

Carolina Farias

Do UOL, no Rio

21/10/2018 04h00

Aos 49 anos, Deborah Blando volta às trilhas sonoras de novelas ao emplacar um hit em "O Tempo Não Para". A canção "One Truth" embala o novo romance do protagonista Samuca (Nicolas Prattes) com Waleska (Carol Castro) e faz parte do EP lançado pela artista, após cinco anos sem gravar.

Deborah, que nasceu na Itália e cresceu no Brasil, começou a carreira ainda criança. A fama veio mesmo na década de 1990, quando se firmou como cantora e emplacou música em 17 novelas da Globo. Foi Mariozinho Rocha, diretor musical da Globo de 1989 a 2013, quem a introduziu no universo das trilhas sonoras.

"Ele me descobriu ainda nos Estados Unidos. Depois, fui apresentada a ele pela Elba Ramalho, em 1987, quando estava entrando na Globo", lembra a cantora. Em 1992, ela lançou o disco "A Different Story" nos EUA e na Europa. Depois, o álbum chegou por aqui com três músicas que, de cara, entraram nas novelas "Perigosas Peruas", de 1992, "Deus nos Acuda", em 1993, e "O Mapa da Mina", também de 1993.

"Tenho um legado em novelas. Tanto que no meu show novo as pessoas gritam: 'Tema de novela, tema de novela!'. Minha carreira toda no Brasil, de certa forma, foi baseada nessas músicas. Existe um inconsciente coletivo no qual minha voz já se tornou ligada às novelas", conta Deborah.

Sem lançar novos trabalhos desde 2013, a cantora voltou ao trabalho depois cinco anos entre Inglaterra e Suíça, fazendo retiros budistas. Ao gravar "One Truth", ela não teve dificuldades para levar a música à trama das 19h. O atual diretor musical da Globo, Marcel Klein, já a conhecia.

"Quando voltei da Inglaterra, fiz o clipe e mostrei a ele. Queria saber o que ele achava, sempre pedi conselhos a ele. E ouvi: 'Isso é música de novela'. Das quatro músicas do EP, ele gostou de três."

Tempos difíceis

No fim da década de 1990, quando estava no auge, ela era presença constante em programas de auditório da Globo. Entre 1997 e 1999, ela foi para os Estados Unidos e gravou com Patrick Leonard, produtor e compositor de Madonna; David Foster, produtor de Michael Jackson, e chegou a trabalhar com Jason Flom, grande executivo da indústria musical internacional. Foi quando ela teve que dar um passo atrás por causa da família.

"Meu sobrinho [Gianluca, hoje com 24 anos] teve leucemia. Avisei à gravadora que não conseguiria terminar o disco porque precisava estar ao lado dele, que corria risco de vida. Não conseguiria compor, ser uma dessas 'number one' frias enquanto tinha alguém da minha família que poderia morrer", contou Deborah, que recebeu uma fria resposta.

"Flom me olhou e disse: 'Vai, te dou todo trabalho, pode lançar no Brasil, se você quer ficar ao lado do seu sobrinho. Só não volta mais. Quando alguém da sua família ficar doente, você vai desistir do meu projeto? Não vou investir em você, desculpe'. Sou italiana, família e espiritualidade vêm em primeiro lugar."

Ao voltar ao Brasil, Deborah continuou trabalhando, mas há dez anos ela começou a enfrentar seus fantasmas. Depressão e síndrome do pânico, que sempre estiveram presentes na vida da cantora, se agravaram.

"Fiquei perdida. Tentei ter filho, uma família e não deu certo, não conseguia engravidar. A relação não deu certo, não casei. Larguei os EUA, empresário e gravadora. Aí que veio o processo de depressão e os remédios", relembra.

"Me medicava muito, estava abusando de remédios. Os médicos me davam medicamento para depressão para não fazer besteira, não surtar, mas aí você fica robótica. Aí te dão ritalina, que é igual cocaína, que comecei a tomar para levantar. Um derruba e o outro levanta."

Consciente, a cantora diz saber a origem desses problemas que a acompanharam durante parte da vida. "Na minha carreira, tudo foi muito rápido. Comecei com três anos de idade, com dez anos já era profissional e, com 12, gravei o primeiro disco e fazia turnê. Passei por cima de mim. Fiz terapia um tempão e não adiantou porque tinha que me criar do zero."

A fé

Foi depois desse período de trevas que a cantora resolveu se dedicar ao budismo, que já conhecia desde 1999. Em 2013, ela decidiu se aprofundar na filosofia, indo estudar na Europa.

"Morei na Inglaterra e na Suíça fazendo retiros budistas da tradição Kadampa, Só morei em templos e centros budistas. Também estou fazendo formação para dar aula, pensei até em virar monja. Se eu não tivesse surtado, não teria procurado um caminho mais profundo, viveria no raso a vida inteira. Hoje o significado da vida é diferente. Não tenho vício nenhum, nem terapia preciso mais fazer", diz a cantora, satisfeita com a nova vida.

Deborah Blando na época da gravação da música "A Maçã", em 1992 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram
E a mudança na vida de Deborah, segundo ela, não foi só espiritual. Os reflexos estão na aparência e na voz.

"A energia positiva é tão forte que você sai do retiro e parece que fez botox, rejuvenesce dois anos. A voz volta, o organismo funciona melhor. Hoje em dia foi comprovado cientificamente que a medicação afeta a saúde."

Em março próximo, Deborah completa 50 anos e diz que a idade não é uma questão para ela atualmente.

"Temos tanta tecnologia. Meu dermato e minha esteticista são maravilhosos. Hoje em dia tem tudo para nos manter [bem]. Faço ioga, caminho. Tenho saúde bacana, não tenho medo. O medo de envelhecer, de não ter sucesso, ter isso ou aquilo para mim passou", afirma.

Focada em divulgar o novo trabalho, que leva o nome da música "One Truth", ela está à procura de empresário e assessoria para divulgação na imprensa.

"Você vê [o que o budismo faz]. Se fosse há dez anos e eu tivesse com uma música na novela e eu ainda sem fechar com ninguém de assessoria de imprensa, empresário, estaria surtando", conta, aos risos.

Da carreira como cantora e compositora, Deborah diz que o que conquistou ela "torrou". "Vivo de direitos autorais porque sou compositora. Toco até hoje no mundo inteiro. Daí vem meu maior capital. O que eu tinha eu torrei com viagens pelo mundo, pagava tudo para todo mundo, ajudei ONGs. Ainda bem que tenho essa fonte, senão eu estava ferrada. Não fui inteligente, não [risos]. Hoje faria diferente", diz Deborah, que afirma não se arrepender.

"Um dia um amigo me perguntou como eu gastei a grana e eu disse: 'A maioria eu dei, dividi com os outros'. Ele respondeu: 'Então você não torrou seu dinheiro, foi a prática do dar, um dia volta tud'. A gente só não sabe quanto, mas dia volta."