Pouca grana, fome e frio: a dura vida dos figurantes da TV brasileira

Eles estão em todas as produções da teledramaturgia brasileira, mas seus rostos não são conhecidos. Os figurantes são aqueles que estão em segundo plano, atravessando a rua, na fila do banco ou sobre um cavalo empunhando uma espada em uma batalha. Sem eles não há realismo nas cenas.
A rotina, no entanto, nem sempre é tão simples quanto o papel que desempenham: esperar o dia todo para gravar uma cena que durará segundos, à mercê de intempéries, com figurino nem sempre adequado é o de praxe. A morte de Joseph Lima dos Santos, em uma gravação de "O Sétimo Guardião", colocou em primeiro plano a categoria.
De acordo com a lei 6.533, que dispõe sobre a profissão de artista, figurante é "a pessoa convocada pela produção para se colocar a serviço da empresa, em local e horário determinados, para participar, individual ou coletivamente, como complementação de cena". A mesma lei diz que é necessário registro profissional para trabalhar, porém para os figurantes não há essa exigência.
As emissoras, no caso do Rio, Globo e Record, não contratam figurantes, e sim agências.
Segundo Délcio Marinho, presidente do SatedRJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio de Janeiro), acordos coletivos feitos anualmente com as empresas estabelecem direitos de artistas, incluindo os figurantes.
"O acordo estabelece todos os direitos, diária [cachê], jornada de horas respeitada, hora extra, almoço respeitado, se trabalha à noite tem que ter adicional noturno", elencou.
A reportagem do UOL ouviu figurantes que relataram a rotina. "O trabalho é bem simples, não exige muito conhecimento de atuação ou teórico em artes cênicas. É exigida a pontualidade com rigor nos locais de gravação ou nas emissoras. Temos uma refeição, transporte para um ponto de fácil localização de transporte público. De acordo com o horário de início ou fim, tem um lanche como café da manhã ou ceia", explicou um figurante, que trabalhou por dez anos na função e pediu para não ser identificado.
Os valores dos cachês vão de R$ 60 a R$ 130, para uma média de oito a dez horas de trabalho, de acordo com os profissionais ouvidos. "Não é possível saber a porcentagem cedida para a agência, pois, quando somos convocados, nos informam somente o valor líquido", explicou o ator Marcelo Joy.
"Figurante não é gente. É discrepante a forma como a figuração é tratada em relação aos atores com fala. É o elo mais fraco da corrente", disse um artista.
"No inverno passado, gravando uma novela no Alto da Boa Vista [bairro da zona norte, em uma área mais fria da cidade], estava 13 graus e boa parte da figuração com frio, usando roupas de uma festa em um local tropical e quente. Apenas o elenco podia usar roupões para se aquecer, a figuração não", contou.
O ator também relatou que os ambientes onde os figurantes se alimentam e trocam de roupa também são diferentes do elenco principal.
"Em uma outra situação, depois de horas de gravação noturna, sobraram pouquíssimas cenas, apenas com uma atriz e alguns dublês. A figuração foi liberada, mas fomos impedidos de comer pois o diretor ainda estava gravando, e não podíamos tocar em nada antes deles. Todos iriam comer da mesma comida", completou.
Para Marcelo, apesar dos perrengues, a experiência nos sets de gravação é valida e pode ser boa. "Você faz novos relacionamentos, comunicação com artistas famosos. Para quem quer seguir a carreira artística com certeza é um laboratório incrível", ressaltou.
Segundo ele, a função nunca teve seu valor reconhecido, mas que alguns podem conseguir papéis nas tramas.
"Conheço figurantes que conseguiram personagens. Sou amigo de duas talentosas figurantes/atrizes. Quanto às reclamações, confesso que existem, ainda mais nos dias de hoje com a crise financeira. Nem sempre foi assim e creio, se a crise passar, a figuração nunca terá um reconhecido valor. Tem uma paródia do 'Tá no Ar' [exibida em 2017], que relata de uma forma inteligente, em um clipe de rap, sobre a situação dos figurantes no Brasil."
A esquete do humorístico brinca com a situação dos atores figurantes nos sets de gravação. "92% não tem fala. A cada quatro pessoas mortas em cena, três são figurantes", diz o rap.
O presidente do sindicato lembra que sempre houve preconceito com a classe dos figurantes, mas a oportunidade de atuar na função pode abrir portas.
Marinho faz um alerta para quem quer desempenhar a função. "O problema desse mercado são as agências que pegam pessoas não qualificadas. Se é artista, sabe esperar, sabe se comportar, sabe que não pode fazer selfie. Não pode chegar lá e querer aparecer, mostrar que tá na Globo, na Record", ensina.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.