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Roddy, ex-Ken Humano, festeja transição: 'Tentei ser homem, não deu certo'

Roddy - Instagram/Reprodução
Roddy Imagem: Instagram/Reprodução

Daniel Palomares

do UOL, em São Paulo

02/03/2020 04h00

Ela é figura conhecida dos tabloides internacionais e programas de TV europeus há muito tempo, mas 2020 trouxe uma grande novidade. Depois de 80 cirurgias plásticas que lhe renderam a alcunha de Ken Humano, Roddy, como decidiu se chamar até escolher um nome feminino, se reivindicou mulher trans.

Filha de uma brasileira e um britânico, Roddy se mudou para Londres aos 18 anos de idade e vive até hoje circulando entre a alta sociedade europeia. Sua coleção de intervenções corporais a içou à fama, mas escondeu sua identidade. Em papo com o UOL, Roddy revela que as operações foram tentativas de se adequar a um corpo ao qual não pertencia.

"Fiz muitas cirurgias para ser homem. Coloquei abdômen falso, coloquei braço, implante no queixo... Tudo para poder ser mais masculino. Eu nasci homem e fiz várias cirurgias para reafirmar isso. Nada adiantou. Lutei contra a minha natureza, tentei ser homem, mas não deu certo", conta Roddy.

Apesar de uma vida regada a muito luxo, ela sempre sentiu falta de algo a mais. "Me arrependo muito do tempo que demorei para iniciar a transição", admite. "Sei que tenho 36 anos muito bem vividos. Viajei o mundo inteiro, já fiz 300 programas de TV em 24 países, participei de duas edições do Big Brother na Europa. Já frequentei Oscar, Globo de Ouro... Tudo isso porque eu era um personagem exótico", relembra.

"Mas eu nunca quis ser o Ken Humano. Quem fazia isso era a mídia", explica. "Nunca fui feliz assim. Sempre me faltava alguma coisa. Eu via uma mulher linda no tapete vermelho e queria ser igual a ela! Não queria usar terno e gravata!", dispara.

A sensação de inadequação veio ainda na infância. Nascida em 1983, em São Paulo, Roddy gostava de se vestir com as roupas da mãe, da avó e das tias. Também adorava brincar com as bonecas da irmã. "Você não descobre [que é trans], você nasce assim. Quando eu era criança, não sabia a diferença entre meninos e meninas. Pensava que todos eram iguais", explica.

"Não entendia porque era tão afeminada. Pensava que era gay. Mas eu não era gay, nunca fui. Eu era uma mulher transgênero presa em um corpo de menino"

"Sempre lutei contra isso porque eu venho de uma família católica. Na puberdade, eu tinha peitinho de menina. Com 17 anos, fiz a primeira cirurgia para remover esse peitinho, chama ginecomastia. Meus psiquiatras aqui na Europa disseram que isso já era da minha natureza de ser mulher, por isso meus seios já estavam crescendo", esclarece.

Renascimento como mulher

Roddy tomou a decisão de transicionar oficialmente em 2019. Em setembro, começou o tratamento psicológico, hormonal e a série de cirurgias. Passou um mês inteiro na Tailândia, se inteirando de cada detalhe da cirurgia de redesignação sexual, ainda a ser realizada. Quando voltou para a Europa, já tinha apliques no cabelo e usava roupas tidas como femininas.

"A melhor parte é poder me expressar como gosto. Adoro usar minhas roupas, adoro usar decote. Acordo já com salto alto, fica do lado da minha cama. Adoro maquiagem, adoro cabelão, adoro colocar cílios, fazer as unhas. Isso pode parece feminino demais, mas é a minha realidade, é o que me faz ser feliz", admite.

"Minha transição está sendo muito rápida, meu corpo responde rápido aos hormônios", festeja a apresentadora. "Tirei o abdômen tanquinho, coloquei gordura nos quadris e no bumbum. Há um mês, coloquei prótese de silicone nos seios, 825ml em cada um. Há duas semanas, fiz a cirurgia de feminização facial, da qual ainda estou me recuperando", recorda.

Estou a-do-ran-do a vida de mulher! É muito melhor ser mulher do que ser homem!

Essa última cirurgia custou nada menos do que R$ 100 mil. "Fazem um corte no couro cabeludo, levantam todo o rosto, serram os ossos", explica Roddy. "Meu médico me prometeu que vou ficar com rosto de modelo! O resultado só daqui uns seis meses. As pessoas viajam do mundo inteiro para operar com ele. Estou planejando uma nova cirurgia no nariz e também quero fazer uma cirurgia no bumbum. Acho que vou procurar um médico no Brasil", promete.

Contudo, o período pós-cirúrgico tem suas desvantagens. "Não paquero ninguém, não saio para paquerar. Nunca fui assim. Gostaria, mas não sei. A vida amorosa não está agitada. Não dá para fazer amor nesse tempo de cirurgias. É muita cicatriz, muito corte, muito repouso", explica.

"A transição é muito bonita, é um renascimento. É uma evolução espiritual. Todos nós temos livre-arbítrio de ser aquilo que queremos ser. Seja no Brasil ou aqui na Europa. Somos abençoados de viver em países livres. Lógico que muita coisa ainda precisa melhorar, em termos de tratamento aos transexuais: oportunidades de trabalho, posição social. Não só no Brasil, na Europa também. Mas hoje em dia, a sociedade é muito mais aberta. O mundo está ficando melhor", opina Roddy.

Desafios de ser trans

Apesar de ter contado aos amigos mais próximos e familiares sobre a transição antes de anunciar a mudança nas redes sociais, Roddy ainda foi surpreendida com algumas reações negativas. "As pessoas não estavam me levando a sério. Elas acharam que eu era louca. Mas essas pessoas não me conhecem, não sabem o que é ser transgênero", opina. "Recebi elogios também. Quando eu me assumi, muitos disseram: 'Agora faz sentido porque ela faz tantas cirurgias assim'. Eu lutava contra o próprio corpo e minha identidade", explica.

O maior desafio de ser uma mulher trans é ser sempre mais feminina. Estar sempre lembrando que preciso sentar como mulher, andar como mulher, comer como mulher. Os gestos contam, as mãos, a maneira que eu caminho. Tenho que me lembrar dessa etiqueta de ser mulher

Usarem o pronome errado para se referir a ela é o que mais a incomoda. "Eu fico muito nervosa!", reclama. "Minha mãe, que é uma pessoa maravilhosa, ainda me chama pelo meu apelido masculino. Ela não consegue usar o pronome certo, mas eu entendo. Ela é minha mãe e me aceita", pondera.

"Há algumas semanas, estava num voo de Istambul a Londres e o comissário de bordo me chamou de senhor. Eu fiquei muito irritada. Todos olharam para a minha cara. Me levantei, fui até a cozinha do avião e perguntei para ele: 'Por que você está me chamando de senhor? O que você vê na sua frente? Cabelo longo, cílios postiços, maquiagem. Isso é um homem para você?' Ele ficou muito sem graça", relembra.

Apesar dos problemas, Roddy afirma nunca ter se sentido melhor. "Me sinto muito mais feliz. Ando com mais confiança. Coloco um vestidinho bonitinho, chego de cabeça erguida. Antes, as pessoas me olhavam muito porque eu era muito andrógena. Elas não sabiam se eu era homem ou mulher, mesmo com roupas de homem. Hoje em dia, as pessoas olham por me achar bonita", festeja.

"Meu sonho é só ser feliz. Encontrar um amor, amar e ser amada. Ser uma mulher direita, certa, contente. Continuar viajando o mundo, conhecendo pessoas novas e sendo feliz como Deus quiser!", conclui.