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Recuperada, Preta lembra pior crise da Covid-19: 'Não conseguia me mexer'

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

31/03/2020 16h04

Praticamente curada, repousando com o marido e a cachorra de estimação em sua casa no bairro de São Conrado, no Rio, Preta Gil diz ter passado por um "renascimento" após permanecer 16 dias confinada em um apart-hotel em São Paulo com coronavírus. Nesse período difícil, ela experimentou um conjunto de dores e uma sensação de isolamento que nunca havia sentido, que lhe renderam um olhar mais sereno sobre a vida e a pandemia que já matou mais de 39 mil pessoas no planeta. Mas nada disso apagará o que passou.

"Os sintomas são todos ruins. Você pensa isoladamente. Dor de cabeça, corpo, ouvido, cansaço. Junta isso e vira uma espécie de bomba. E você acamada. Eu não conseguia me mexer de tanta dor que eu sentia. Nas juntas, no ouvido. Uma dor de cabeça que não me deixava abria o olho", diz ao UOL Preta, uma das primeiras personalidades brasileiras a divulgar que havia contraído a Covid-19. Apesar de não ter apresentado febre em nenhum momento, ela ainda tem dores de ouvido e problemas de olfato e paladar, que, segundo os médicos, devem ir embora em breve.

A cantora pegou o vírus após se apresentar no casamento da irmã da influenciadora Gabriela Pugliesi, no último dia 7 de março, na Bahia, evento durante o qual teria cumprimentado e conversado com convidados. Vários contraíram o vírus ali. Confinados pós-diagnóstico, o marido e a maquiadora de Preta Gil, que não tiveram Covid-19, precisaram ficar em cômodos separados, com comida, água e medicamentos deixados na porta do quarto, para evitar contaminação. Hóspedes chegaram a reclamar da presença dela no local.

O "jeito Preta Gil" de lidar com o temor da morte? Muita reza para santos e orixás, ligações diárias para a família, incluindo a neta, o filho e o pai, Gilberto Gil, e, o que ela julga mais importante, recomendações médicas seguidas à risca. "Mesmo tendo acesso aos melhores médicos do Brasil, eu me pegava o tempo inteiro com dúvidas. Se eu tirasse todas as minhas dúvidas, eu ia passar 24 horas do dia falando com eles", lembra Preta, que compara quem pede o fim da quarentena, contrariando órgãos internacionais como a OMS (Organização Mundial da Saúde), a outros vírus.

Finalmente podemos ficar assim grudadinhos em casa outra vez!!! Muita gente me pergunta quais foram os meus sintomas do vírus, eu senti (dor no corpo, dor de cabeça, calafrio, sudorese, intestino solto, perda de apetite, olfato e paladar e dor de ouvido). EU NÃO TIVE FEBRE! Não existe um remédio pro vírus, então tomei remédio paliativo para esses sintomas. No período em que estive em isolamento, esses sintomas não são graves ao ponto de ter que ir para o hospital, mas são desesperadores se não tivermos calma e confiança de que vai passar, em alguns momentos eu me desesperei sim e quando via que um amigo que já tinha passado por isso tava melhor, eu me acalmava, quando eu rezava me acalmava, quando escutava meu filho cantando me acalmava, quando ele @rodrigogodoy_ dizia que tudo ia passar me olhando de longe me acalmava e quando ela @luapomsky também me olhava me acalmava!!! Hoje estou bem, os sintomas mais chatos já foram embora, meu paladar e olfato não voltaram totalmente e a dor de ouvido persiste, mas não posso e não quero reclamar, pois estou viva e quero dizer pra você que agora está sentindo o que senti, acalme seu coração, tenha fé em Deus que já já você vai estar bem!!! Tudo vai passar e digo também pra você que tem um amigo, um parente ou um vizinho doente, o isolamento é social, mas não afetivo, por isso demonstre carinho, cuidado, preocupação, ligue, faça uma comida e deixe na porta da casa, do prédio, do quarto, ligue, diga que ama, porque o isolamento de afeto esse é insuportável e o vírus do preconceito... esse é o pior de todos!!! Fiquem com Deus, se cuidem e já sabem: fiquem em casa quem puder ficar!!! #FICAEMCASA #NÃOESTAMOSDEFERIAS #venciocoronavirus

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UOL - O que é pior no coronavírus?

Preta Gil - O mais louco é a maneira como teremos de lidar com ele na sociedade. É muita gente que vai ter de se autocuidar em isolamento domiciliar. E isso é muito cruel. Tive muitos privilégios. Estava no hotel e fui amparada de várias formas.

O tempo todo pensava em quem não podia estar num lugar confortável, sem acesso a comida e amparo afetivo. Isso, junto das notícias, ia me deixando muito aflita. E também o fato de que alguns amigos pioravam no hospital. Não me sinto no direito de reclamar de nada. Saí do coronavírus. Estou viva.

Você tem ideia exatamente de como se contaminou?

Nunca vou saber. Eu não estava curtindo a festa. Fui trabalhar. Cumprimentei algumas pessoas que de fato depois receberam resultado positivo para o teste. Pelo menos três. Nunca saberei se elas me contaminaram ou se nós fomos contaminados por outra pessoa.

No dia seguinte, voltei de avião com um monte de gente da festa. Posso ter pegado no avião também. O que sei é que veio daquele núcleo social. Pode ter sido da Gabriela, da irmã, do pai dela. Mas a verdade é que isso realmente não importa agora.

Quais foram os momentos mais difíceis da doença e do isolamento?

Os sintomas são todos ruins. Você pensa isoladamente. Dor de cabeça, corpo, ouvido, cansaço. Junta isso e vira uma espécie de bomba. Eu não conseguia me mexer de tanta dor que sentia. Nas juntas, no ouvido. Uma dor de cabeça que não me deixava abrir o olho. Teve momentos em que me desesperei.

Achava que tinha que estar no hospital. E tinha muito medo porque amigos estavam na mesma situação, e, do dia para a noite, o quadro deles evoluía muito rapidamente, para pneumonia muito forte. Eles iam ao hospital e acabavam intubados. Tenho amigos intubados até hoje. Surge todo um mal-estar físico e de medo que é aterrorizante.

Por que você decidiu postar a evolução da doença no Instagram, que virou uma espécie de diário aberto?

Pelo nível de desinformação que senti na pele. Mesmo tendo acesso aos melhores médicos do Brasil, eu me pegava o tempo inteiro com dúvidas. Se eu tirasse todas as minhas dúvidas com meus médicos, eu ia passar 24 horas do dia falando com eles. E quando me vi nessa situação, pelo pouco que sei e passei, me senti na obrigação de dividir com as pessoas.

Foi bom porque humanizou. Serviu para muita gente. Quando comecei a falar, falei que estava sem apetite, sem paladar e sem olfato, e ninguém falava sobre isso. Muita gente veio dizendo que também sentia a mesma coisa, e que, depois disso, também se autoisolou.

O que você tem a dizer a quem pede o fim da quarentena, em nome da economia?

A gente tem um vírus que é mortal. E junto com esse vírus a gente tem pessoas que propagam os vírus. E essas pessoas são mínivírus. São derivados. São pessoas tóxicas, egoístas, que não pensam na humanidade, no próximo. São pessoas extremamente arrogantes e soberbas.

É óbvio que todo mundo sabe [que a quarentena é necessária]. Há estatísticas, estudos, [declarações de] cientistas. Está tudo às claras. Vamos nos isolar para a contaminação não ter um pico. Se todos forem contaminados, os hospitais vão entrar em colapso e as pessoas vão passar a morrer de outras coisas.

E como está seu pai, Gilberto Gil? Você chegou a encontrá-lo depois que se infectou?

Não. Falei com meu pai praticamente todos os dias por vídeo. Ele poderia ser um professor para todos nós nessa quarentena. É a pessoa que conheço que mais tem cuidado consigo próprio, com quem eu menos me preocupava. Ele estava na Dinamarca quando tudo explodiu. Ele dizia: "Voltei de máscara. Não toquei em nada. Limpei tudo. Não abracei ninguém".

A paz que ele emana também me acalmou muito. Ele entrava em vídeo comigo e eu não tinha coragem de reclamar de nada. Ele chegou ao Brasil e passou 14 dias trancadinho. Ele, Flora [mulher de Gil] minha irmã Nara e Flora [neta], que voltaram de viagem. Nenhum dos quatro teve nenhum sintoma.

Eu me preocupei mais com minha neta, meu filho e minha nora, com quem tive muito contato. Eles conseguiram fazer coleta domiciliar, antes de os kits acabarem, e todos os testes deram resultado negativo, o que foi uma paz para mim. Essa é uma doença que ainda traz outro estigma: você se culpar por contaminar pessoas.