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Lázaro Ramos desabafa sobre racismo: 'Este grito está preso há muito tempo'

Lázaro Ramos conversa com Pedro Bial - Reprodução/vídeo
Lázaro Ramos conversa com Pedro Bial Imagem: Reprodução/vídeo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

16/12/2020 02h34

Ator, diretor, apresentador e escritor, Lázaro Ramos é um dos maiores talentos da TV brasileira. Ele também é conhecido por usar sua exposição na mídia para bater de frente com questões dolorosas, como o racismo e o machismo estruturais.

Lázaro foi o convidado do "Conversa com Bial", da TV Globo, que foi ao ar na madrugada de hoje. Um dos momentos mais emocionantes do programa foi quando ele falou sobre o especial "Falas Negras", exibido na Globo em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Idealizado por Manuela Dias e dirigido por Lázaro, o documentário reuniu textos históricos de grandes personagens negros.

Após um trecho que trouxe a atriz Tatiana Tibúrcio interpretando um texto sobre o caso do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco anos, filho da empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, ele ponderou: "Esta história é um dos grandes símbolos do descaso diário que a gente passa, como se fosse algo natural. A gente está tornando isso algo comum na nossa sensibilidade, é muito ruim. É isso que me emociona", afirmou.

"Não é só o fato de eu ser filho de uma empregada doméstica que viveu histórias muito tristes, tanto que no 'Na Minha Pele' (Objetiva) eu falo pouco da minha mãe, eu falo pouco por uma estratégia porque eu queria que as pessoas lessem um livro e saíssem estimuladas. E eu soneguei algumas histórias porque eram histórias muito desestimulantes, eu não consegui falar, não consegui escrever", revelou o ator.

"Essa história, junto com o trabalho belíssimo da Tatiana Tibúrcio, que também é preparadora de elenco deste projeto, uma querida parceira que trabalha comigo há muitos anos como atriz, diretora, assistente de direção, ela tem um impacto que a gente precisa ter. E assim, pelo Miguel, mas não é por que eu fui filho de empregada doméstica, não. É por que o Miguel é nosso filho também e assim que a gente tem que ver. A gente ainda fala, não me grite assim, não me fale como se eu fosse sua empregada, como se a gente tivesse direito de gritar ou destratar uma empregada", continuou Lázaro.

"Isso tudo, Bial, eu sei que tem gente que vai dizer que é mimimi, tem gente que vai falar lá vem ele de novo, mas isso é fruto do processo de escravização que a gente viveu neste país. Estes frutos estão aí, é a maneira que a gente olha pro outro. Muitas vezes o nosso olhar para uma pessoa, não é nem como um animal, como uma coisa, como um nada. Esse olhar ainda tá na gente. E eu falo em todos os sentidos", desabafou.

"Eu não falo só na questão racial, eu falo na questão da mulher também. Às vezes, eu me pego reproduzindo coisas que estão em mim, fazem parte da minha história. A gente precisa olhar para isso e superar. E a gente vai ter que passar por este momento de incômodo. Desculpa, mas não tem como não se incomodar. A maioria nos presídios, nos manicômios, nas favelas tem a minha pele. E a gente naturaliza isso. A gente paga menos às mulheres, mesmo exercendo a mesma função, como é que gente não fala e não grita sobre isso? Como é que a gente não vai pegar treta na internet? Esse grito está preso há muito tempo. E olha que eu tenho uma vida muito melhor do que um dia sonhei, mas eu olho para o lado e vejo meus colegas, meus amigos, eu vejo desconhecidos, e não consigo perder esse olhar", finalizou o ator.

Ainda sobre o "Falas Negras", ele contou que Manuela Dias fez o convite a Lázaro no período dos protestos pelo George Floyd e João Pedro. "Eu neguei três vezes à Manu", disse.

"Eu falei que eu não queria fazer porque como artista, como contador de história, eu estou em um momento que eu acho que talvez, por saúde mental também, estou precisando um pouco da ficção para falar das coisas. A realidade pra mim tem sido um pouco dura."

Quando ela voltou com o material depois de um mês, ele se sentiu convocado após ler 46 textos de homens e mulheres que lutaram pela causa racial e a liberdade. "Eu me senti convocado a olhar com maturidade para nossa história."

O programa também abordou a trajetória do artista no Bando de Teatro Olodum, televisão e filmes. Na conversa, Lázaro também contou que o Foguinho de "Cobras e Lagartos", diferentemente do que muitos pensam, não marcou o encontro dele com Taís Araújo fora das telas, eles já estavam juntos. Ainda assim, Taís deu uma força pedindo ao autor João Emanuel Carneiro, sem meias palavras, que escalasse o ator para a novela. "João, o Lázaro quer fazer o Foguinho."

O "Conversa com Bial" vai ao ar de segunda à sexta-feira, depois do "Jornal da Globo".