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Record usa termo racista e diz que Beyoncé pratica 'magia negra'

Emissora reviveu uma acusação feita por ex-baterista em 2018 e usou imagens de "Black Is King" - Reprodução
Emissora reviveu uma acusação feita por ex-baterista em 2018 e usou imagens de "Black Is King" Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

06/01/2021 16h28Atualizada em 06/01/2021 19h51

A RecordTV veiculou na madrugada de hoje uma matéria em que associa a cantora norte-americana Beyoncé e o álbum visual "Black Is King" com a "prática de magia negra"

O termo, considerado racista e intolerante, foi usado pelo apresentador Adilson Silva, que é bispo na Igreja Universal, no programa "Fala Que Eu te Escuto", que foi ao ar na grade da emissora às 00h45 (de Brasília) e que teve transmissão no Facebook.

O apresentador disse que "pessoas que foram vítimas de trabalho de amarração" não teriam melhoras nas suas respectivas vidas. Em seguida, ele diz que "tem muita gente se envolvendo com magia negra, inclusive pessoas famosas".

A matéria descreve a cantora Beyoncé como uma figura longe de polêmicas, mas que "assustou os fãs" por "ser acusada de bruxaria".

"Ela teria praticado rituais de magia negra contra uma ex-integrante de sua banda", acusa a matéria, que exibe manchetes de jornais se referindo à Kimberly Thompson, ex-baterista que acusou Bey em 2018.

A reportagem explica que magia negra seria um "manejo de forças sobrenaturais com intenções e propósitos malévolos". Após a veiculação, o bispo disse que o uso de amuletos, apetrechos e rituais não valem e que "toda maldição foi vencida na cruz".

Procurada pelo UOL, a emissora ainda não respondeu aos questionamentos.

O UOL também entrou em contato com a Igreja Universal, que negou acusações contra Beyoncé e ainda afirmou repudiar e combater toda a forma de discriminação.

"Basta assistir ao vídeo para perceber que a Igreja Universal do Reino de Deus não faz qualquer acusação à cantora. A matéria apenas relembrou uma notícia que foi amplamente divulgada pela Imprensa em setembro de 2018 — inclusive em jornais de grande circulação e em portais noticiosos. Quem frequenta qualquer culto da Universal, em qualquer país do mundo, comprova que bispos, pastores e fiéis são de todas as origens e tons de pele, de todas as classes sociais", diz nota.

"A Universal repudia e combate toda forma de discriminação, inclusive o racismo. Aliás, frequentemente, a Igreja denuncia e faz campanha contra essa prática odiosa."

Expressões racistas

O termo "magia negra" é racista por associar a palavra "negra" — que, no Brasil, se refere ao grupo de pretos e pardos — a algo ruim, reforçando o estereótipo racista.

Além do mais, o tom pejorativo provoca a intolerância religiosa, uma vez que outras práticas religiosas são enquadradas dentro de um termo em que ela se torna ruim — mesmo o Brasil sendo um país laico e defendendo a liberdade, como aponta o Artigo 5 da Constituição Federal.

A própria reportagem usada no programa da Record utilizou imagens do álbum visual "Black Is King", que traz referências sobre a ancestralidade africana e que trata do orgulho em ser negro.

Na canção "Black Parede", por exemplo, Bey cita o orixá Oxum, divindade cultuada dentro de religiões de matrizes africanas, tratando da ligação entre o orgulho e a espiritualidade.

No Brasil, o termo 'magia negra' era usado de forma pejorativa para se referir a candomblé e umbanda, religiões afrobrasileiras. Isso ocorria notadamente no período em que a perseguição religiosa era institucionalizada no Brasil, coisa que só deixou de ser permitida por lei até 1945. Os cultos afro-brasileiros eram enquadrados nos artigos 157 (espiritismo, magia e outros sortilégios) e 158 (curandeirismo) do Código Penal de 1890.

Repercussão na internet

Mesmo passando de madrugada, telespectadores e fãs de Beyoncé comentaram hoje sobre o tom e o termo usado na matéria do "Fala Que Eu Te Escuto".

A hashtag "Record Racista" já é um dos assuntos mais comentados hoje no Twitter.