"Amo homem de gravata rosa"

Baby do Brasil prega "liberdade de cores", mas critica feminismo radical: "Perde a beleza"

Rafael Godinho e Taís Vilela Do UOL, no Rio Ricardo Borges/UOL

Baby do Brasil surgiu na cena musical nos anos 70, auge da ditadura militar. Ela fugiu da casa dos pais em Niterói aos 17 anos e foi para Salvador, onde conheceu Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira, formando os Novos Baianos.

Empoderada desde o tempo em que essa palavra não era empregada, a cantora falou em entrevista ao UOL sobre aborto, o novo feminismo, preconceito religioso, onda de conservadorismo no mundo e, claro, música.

"Sou feminina, mas pego na enxada, se precisar. Sou feminina, mas mudo a casa inteira de lugar sozinha, levanto todos os móveis. Não vou depender de nada. Mas entendo a coisa mais deliciosa que é a musculatura masculina. Como ela é forte, como ela ajuda."

O feminismo, quando ele vira aquele ismo do radicalismo, perde a beleza, perde toda a graça. Nós somos iguais, porém mulher é outra planta

A religião não interferiu na liberdade com que a hoje pastora, ou "popstora", como ela mesma define, usa e abusa das cores. "Amo homem de gravata rosa. Imagina, camisa rosa ou uma roupa muito louca rosa", diz após ser questionada sobre a polêmica frase da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que "meninos vestem azul e meninas, rosa".

Baby diz inclusive pregar com seus looks extravagantes. "Rompi no meu meio pastoral apostólico essa questão da vestimenta."

Aos 67 anos, Baby encara um novo desafio. A cantora participa do musical 70? Doc Musical - Década do Divino Maravilhoso em cartaz no Theatro Net Rio, em Copacabana. É a primeira vez que ela faz teatro, onde recebeu a reportagem em seu camarim.

"Nós somos iguais, porém mulher é outra planta"

Ouça a íntegra da conversa com Baby do Brasil no podcast UOL Entrevista. A entrevista completa em vídeo com a cantora está disponível no canal do YouTube do UOL.

Ricardo Borges/UOL

Feminismo e aborto

Mãe de seis filhos e desde a adolescência dona do seu destino, Baby se tornou a voz feminina de uma banda composta por homens. Por si só, sua trajetória pode ser vista como um exemplo prático de feminismo e empoderamento feminino.

A cantora entretanto faz ressalvas ao que chamou de feminismo radical. "O feminismo, quando vira aquele ismo do radicalismo, perde a beleza, perde toda a graça. Nós somos iguais, porém mulher é outra planta." Ela contudo não deu exemplos do que considera "feminismo radical".

Baby sublinhou o que vê como diferença entre o masculino e o feminino. "Sou feminina, mas mudo a casa inteira de lugar sozinha, levanto todos os móveis, saio rodando. Não vou depender de nada. Mas entendo a coisa mais deliciosa que é a musculatura masculina. Como ela é forte, como ela ajuda."

Para ilustrar a singularidade dos sexos, buscou um exemplo em sociedades primitivas. "Toda organização do mundo é feita por uma mulher. Me lembro dos livros da Rose Marie Muraro [feminista e escritora brasileira]. Se o homem não ficasse nas tribos e as mulheres saíssem pra caçar, quando ele voltasse, elas estariam todas mortas. A outra tribo mataria todo mundo pela força do braço."

Na contramão de correntes evangélicas mais conservadoras, Baby se mostra solidária a mulheres que optam pelo aborto.

"A princípio, parte-se da premissa de não fazer. Tem que tomar cuidado, que precisa estar com muita concordância espiritual. O que é muito difícil. Graças a Deus, nunca me vi em uma situação dessas. Entendo com muita dificuldade e vejo isso com muito sentimento de misericórdia pelas mulheres. É muito delicado. Vai a Deus, ore antes e fale: 'Por favor, eu preciso tirar isso.'"

Ricardo Borges/UOL

"Amo homem de gravata rosa"

Ao contrário da declaração de Damares Alves de que os meninos devem usar azul e as meninas rosa, Baby se diz favorável à liberdade das cores. Sem citar nominalmente a ministra após ser questionada sobre se a frase de Damares se aplicaria às cores de seu cabelo, Baby defendeu que homens devem abusar do rosa.

Amo homem de gravata rosa. Imagina, camisa rosa ou uma roupa muito louca rosa. Acho que rosa e lilás é para todo mundo. Depois que a gente cresce, fica mais fácil isso. Na verdade, tem uma bobagem aí. Sempre misturei as cores da melhor maneira possível.

"Eu também rompi no meu meio pastoral apostólico essa questão da vestimenta. Essa relação tem que ser meio amorosa, mas com pulso firme de que as cores estão aí para a gente usar", completa.

Sobre a atual onda de conservadorismo no mundo, Baby diz acreditar que a melhor forma de combater o preconceito é o amor e pondera que "nem todos pensam igual". "Não nasci na época em que seria aceita do jeito que era. Hoje, estou vivendo no futuro, que me aceita com a roupa, com o cabelo e fala: 'Olha que barato como ela já era assim'."

Quando se converteu à religião evangélica no início dos anos 90, a cantora diz ter enfrentado olhares duvidosos quanto à sua fé entre os mais conservadores. Baby, que chegou a fundar uma igreja onde atuou como pastora, diz que de início achavam que ela se convertera para vender disco gospel.

"Quando percebi que as pessoas pensaram que eu estava entrando no gospel para faturar, eu falei que não ia colocar nenhum disco. Eu preciso dar mais provas para essas pessoas que estou aqui porque realmente tive um encontro com Deus. Isso até me arrepia."

Sexo, drogas e rock'n'roll?

Rock'n'roll, sim. Mas sexo e drogas nunca foram as plataformas da minha vida. Acho que estou 'inteiraça' hoje. Não estou com marcas da devassidão, como dizem as escrituras. Não entrei nessa. Pari seis crianças, amamentei até um ano e dois meses. Então nem podia e cabia tempo na minha vida para ser irresponsável a esse ponto.

Baby do Brasil

Allan Fernando/ Divulgação

Novos Baianos morando juntos de novo

Até 2020, Novos Baianos prometem morar juntos novamente. Os músicos se reunirão para produzir um disco de inéditas.

"Vamos morar juntos de novo durante um mês. O Moraes Moreira falou um dia para mim: 'Se fosse por você, Babynha, a gente estava morando junto até hoje, né?' Estávamos mesmo. Eu teria comprado uma grande vila ou fazenda. A pessoa tem seis filhos, né? Amo toda essa união", diz.

Baby lembra com saudade do tempo em que viveu em comunidade com a banda. Cada um tinha sua responsabilidade.

Nos anos 70, os Novos Baianos alugaram uma cobertura no bairro de Botafogo, zona sul do Rio. Como não havia quartos para todos, montaram barracas na área externa do apartamento. Antes disso, a banda morou num sítio na zona oeste carioca.

"Por exemplo, estou parindo, os meninos estão arrasando fazendo as coisas. Mas ninguém tinha obrigação de nada. Se naquele dia fossemos só tomar chá mate e comer pão com manteiga torradinha no forno, estava tudo ótimo. Cada um cuidava do seu pedaço, da sua limpeza, da sua cabana. E sempre todo mundo se juntava e limpava a casa."

Mesmo morando juntos em comunidade, a cantora não considera ter feito parte do movimento hippie. E, apesar da liberdade experimentada pelo grupo, ela nega que houvesse rebeldia.

"Não tivemos essa consciência do movimento hippie nem nada político. O que a gente queria era fazer música. Cada um estava vivendo a sua realidade, com o cabelo, com a roupa do jeito que queria e ficando dentro de casa direto para não dar pinta na rua e ser recolhido. Não havia absolutamente nenhuma rebeldia em nenhum sentido."

Um dos episódios mais curiosos da época dos Novos Baianos foi quando João Gilberto visitou o apartamento em Botafogo, durante a ditadura, e o confundiram com um policial.

"João voltou ao Brasil dos Estados Unidos e quis conhecer os Novos Baianos. Quando ele chegou da primeira vez, no meio daquilo tudo, deram o ok, o deixaram entrar, mas não sabiam que era o João. Quando ele tocou a campainha, o Dadi [baixista] foi até a porta e olhou no olho mágico e viu um cara com a cabeça baixa de terno. Ele correu e falou: 'Gente, a polícia está aí. Os homens chegaram'. Começamos a correr. Até que o Galvão falou: 'Deixa eu ver'. Ele disse: 'Que isso cara. É o João Gilberto que está aí'. Entrou o João, que era uma pessoa incrível e ele ia sempre nos visitar levando uma goiabada cascão. Uma delícia."

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